Centeno acena com menos IRS e aumentos salariais

Mas ministro das Finanças afasta cenário eleitoralista. Governo mantém défice de 0,2% em 2019, mas revê em baixa crescimento da economia no Programa Estabilidade até 2023.  

«Não é um programa eleitoral», mas «de estabilidade». Foi desta forma que o ministro Mário Centeno caracterizou o Programa de Estabilidade 2019-2023, onde reviu em baixa a meta do crescimento da economia nacional para este ano, mas manteve a estimativa do défice. Ao mesmo tempo, prometeu a reduzir o IRS, aumentar os funcionários públicos e criar postos de trabalho. E deixou uma garantia: «Numa fase de estabilidade orçamental e das contas públicas, nova despesa pública só se pode fazer através de novas fontes de receita ou da reformulação de políticas existentes». 

Crescimento vs Défice

O Executivo reviu em baixa o crescimento da economia para este ano para 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), o que representa um decréscimo de 0,3% face aos 2,2% que o Governo antecipava no Orçamento do Estado, mas supera as previsões dos restantes organismos. E também longe dos 2,1% verificados em 2018. Uma alteração que não surpreende José Correia, senior broker da XTB. «Pode haver alguma margem para arredondamentos, e um desvio de 0,3% é aceitável como erro de cálculo. Porém, vale a pena reparar que estamos apenas a começar o 2º trimestre», diz ao SOL.

Já para Filipe Garcia era expectável essa revisão em baixa tendo em conta as previsões de outras instituições como o FMI e Banco de Portugal e «tendo em conta os diversos sinais de desaceleração da economia europeia», diz ao SOL, o economista da IMF.

Na base desta revisão, está segundo Centeno, as menores taxas de crescimento previstas para o consumo privado e para o consumo público. Segundo o programa, a taxa de crescimento do consumo privado deverá diminuir 0,7 p.p. (registando 1,8% em 2019) e a taxa de crescimento do consumo público deverá abrandar 0,6 p.p. para 0,2%.

Mas apesar de prever um crescimento mais modesto, o Governo manteve inalterada em 0,2% a sua previsão de défice para 2019, apontando para um excedente em 2020. Uma meta que o analista acredita que seja possível cumprir. «Nesta fase não é adequado apresentar inúmeras alterações ao plano, e considerando que o 2º trimestre é tendencialmente proveitoso em termos económicos para o país, será normal que ainda se mantenha esta meta», salienta.

Em relação à dívida, o ministro das Finanças prevê uma redução até aos 99,6% do PIB em 2023. Até lá, iremos assistir a uma redução progressiva: 118,6% do PIB este ano – 0,1 pontos percentuais (p.p.) acima da meta inscrita no Orçamento do Estado para 2019, de 118,5% – 115,2% em 2020, 109% em 2021 e 103,7% em 2022.

Exportações

O Governo também reviu em baixa a procura externa dirigida à economia para este ano de 4,2% para 3,3% em 2019. O Programa de Estabilidade mostra que as vendas de bens e serviços para o exterior crescem 3,8% este ano e no próximo, 3,7% em 2021 e 3,9% em cada um dos anos seguintes. Isto significa que, as exportações vão rondar 43% do PIB, longe da meta de 50% traçada para Portugal. Ainda assim, para o analista da XTB admite que «as previsões económicas são favoráveis para Portugal, e o Governo tem aproveitado o ciclo económico de expansão».

Redução de impostos

Tal como aconteceu no ano passado, o Executivo volta a assumir uma perda de receita de IRS no valor de 200 milhões de euros em 2021, resultado da «redução de taxas de imposto», mas com impacto nas contas públicas. «Do lado da receita, o impacto global das medidas fiscais é positivo, já que no quadro dos resultados de revisão do sistema de benefícios fiscais se deverá garantir incrementos anuais de 90 milhões de euros entre 2020 e 2022, enquanto a redução de taxas de imposto em 2021 terá um valor de 200 milhões de euros», refere o Programa de Estabilidade 2019-2023.

O documento aponta ainda para que a carga fiscal seja de 35,1% este ano até chegar aos 34,8% até 2023. Já no ano passado, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, tinha subido para 35,4% do PIB, ou seja, o valor mais alto de sempre. 

Ainda assim, é uma medida aplaudida por José Correia. «É um passo na direção certa, e deveria também diminuir-se a carga fiscal das empresas por forma a atrair recursos e aumentar os fluxos económicos para dentro do país», diz ao SOL.

Já Filipe Garcia considera que é uma medida que carece de mais esclarecimentos. «Pode ser feita em desde de IRS via deduções, incidência ou alteração de escalões. Mas o ‘alívio’ pode ser ilusório se os impostos indiretos subirem no mesmo montante ou mais, sem prejuízo de algum efeito redistributivo», refere..

Aumentos salariais

O ministro abriu a porta a possíveis aumentos salariais na função pública, no entanto, lembrou que essa decisão caberá ao futuro Governo. Em causa está um aumento das despesas com pessoal na ordem dos 2,4 mil milhões de euros. Feitas as contas, passa de 22.450 milhões de euros para 24.863 milhões de euros, onde estão inseridos os gastos com progressões e promoções (incluindo a contagem do tempo ‘congelado’ das carreiras especiais), com o eventual aumento do número de trabalhadores da Função Pública, com a subida do salário mínimo nacional e com as tais valorizações remuneratórias. 

No entanto, admitiu que as remunerações no Estado retomem a sua «total normalidade» na próxima legislatura, acrescentando que «cabe a quem conduzir a política orçamental no futuro tomar decisões sobre como afetar as despesas dentro de uma lógica de estabilidade». 

Uma declaração que não caiu bem aos sindicatos ao garantir que ‘não aceita cheques em branco’ e lembram que os 2,4 milhões de euros anunciados pelo Governo não garantem a recuperação das remunerações e das carreiras.

Mas apesar de afastar um cenário eleitoralista, o analista da XTB admite que a medida pode ser vista desta maneira. «O aumento de salários é necessário para fazer face à inflação, mas esta referência pode ser um engodo eleitoralista pois as finanças do Governo não estão em condições para tal alteração, apesar de Mário Centeno estar crente no contrário», refere.

Também para Filipe Garcia acredita que há uma série de medidas que têm sido anunciadas no final da legislatura, «o que pode ser encarado como eleitoralista, mas que na verdade é algo que faz parte do jogo democrático. O problema é que às vezes as medidas são apresentadas com um número vistoso, mas carecem de algum detalhe». E dá exemplos: se esse aumento é real ou nominal, se decorre de progressão de carreiras já acordada e portanto do cumprimento da lei, ou se é algo novo e discricionário, etc.

Desemprego

 A taxa de desemprego deverá seguir uma trajetória descendente ao longo dos cinco anos de projeção. «Espera-se uma descida gradual da taxa de desemprego até 5,4% em 2023, associada a um aumento do emprego em torno de 0,6% ao ano entre 2020 e 2023», refere o documento apresentado. Segundo as estimativas do Governo, a taxa de desemprego deverá fixar-se em 6,6% este ano e cai para 6,3% no próximo. Em relação à criação de novos postos de trabalho deverão fixar-se nos 109 mil. Ainda assim, bem longe da criação de emprego nesta legislatura ao rondar os 350 mil postos de trabalho. Mas apesar da meta ser mais baixa José Correia garante: «É um número razoável em termos de aumento de assalariados para o Programa de Estabilidade».

Investimento

Mário Centeno disse ainda que o investimento público implica uma verba de 31 mil milhões de euros até 2023, sobretudo em áreas como a ferrovia, para onde serão canalizados cerca de 1,3 mil milhões de euros, ou para a expansão dos metros de Lisboa e do Porto, com uma verba estimada em quase 600 milhões para os quatro anos.

No entender do ministro, representam processos «projetados, orçamentados e que são possíveis porque Portugal está numa fase de estabilidade das contas públicas», lembrando ainda que ao longo dos próximos quatro anos, a despesa com juros cairá mais 700 milhões de euros em termos anuais.

Nova injeção no Novo banco

O Governo prevê injetar no Novo Banco 2150 milhões de euros até 2021. Só este ano, a instituição financeira liderada por António Ramalho irá receber os tais 1149 milhões de euros que já tinham sido avançados, para o próximo ano, o valor a receber será de 600 milhões e mais 400 milhões em 2021. «Ultimamente temos assistido ao apertar do cerco relativamente aos bancos portugueses, e nesta fase é crítico tomar medidas para que não se dissipe a banca nacional , pelo que esta injeção de capital faz sentido para o país.»