Quase um ano depois a Oferta Pública de Aquisição (OPA) da China Three Gorges (CTG) sobre a EDP chegou ao fim sem sucesso. Esta semana os acionistas da elétrica chumbaram a alteração dos estatutos para acabar com a limitação dos direitos de voto a 25% do capital – a proposta foi chumbada com 56,6% do capital representado em Assembleia-Geral – um desfecho que já era esperado por analistas e responsáveis do setor. Em cima da mesa poderá estar agora a criação de uma parceria com a CTG para a América do Sul. Este é o cenário que está em estudo pelos chineses após o chumbo da operação com vista a aumentar a exposição neste mercado. «Está tudo em aberto» já veio admitir o CEO da EDP, António Mexia.
«Desde que a CTG entrou, sempre trabalhámos em conjunto. Trouxe capacidade de intervenção de forma que não tínhamos. Só aquilo que crie valor para todos os acionistas é que tem sido feito e que continuará a ser feito», referiu o responsável.
Com esta solução, o conglomerado chinês não ficaria exposto aos riscos regulatórios dos Estados Unidos e da União Europeia, onde a EDP tem vários negócios. Ao mesmo tempo, evitaria as críticas de um negócio falhado embora a decisão tenha ainda de passar pelos reguladores chineses.
Uma alternativa que, segundo a analista da XTB, fará sentido. «As empresas mantêm-se juridicamente independentes e terão que decidir se se manterão independentes ou criarão uma empresa única. Ambas as empresas já têm uma presença forte no Brasil, por exemplo, e poderão aproveitar um esforço conjunto e mais eficiente para explorarem outros mercados», refere Carla Maia Santos ao SOL.
No caso específico do Brasil, a EDP Energias do Brasil – detida em 51% pela EDP – tem uma capitalização de mercado de 2,8 mil milhões de dólares e a CTG tem ativos não listados no país. As duas empresas já formam uma parceria num projeto no Peru. Trata-se da Hydro Globale que ganhou, em 2017, o concurso para construção e exploração de uma barragem naquele país, num investimento estimado de 500 milhões de dólares.
Agora a ideia é combinar os ativos do acionista chinês no Brasil com a EDP Energias do Brasil. Como os ativos da CTG têm um valor estimado de 5,6 mil milhões de dólares, a junção das duas empresas daria à empresa chinesa o controlo de cerca de dois terços da entidade combinada.
«Esta joint venture permite aproveitar o Know-how de ambas as empresas, aproveitar novas tecnologias, conseguindo uma posição mais forte nos países da América Latina e competir de forma mais eficiente no mercado estrangeiro. As duas empresas poderão aprender uma com a outra, ultrapassando mais facilmente os desafios de entrada em novos mercados e de forma a terem uma estrutura mais sólida na concorrência com os seus pares», lembra a analista.
Aposta nas renováveis
Apesar deste desfecho, António Mexia garantiu que «a EDP tem um conjunto de acionistas totalmente alinhados com o futuro da companhia» e defende que «a parceria estratégica com a CTG é importante e é para manter», lembrando que «há uma visão muito clara» de desenvolver energias limpas e que é partilhada pelo acionista chinês detentor de 28,25% do capital da elétrica. Certo é que a aposta na energia renovável e na venda de ativos é a estratégia da EDP até 2022 e que foi apresentada ao mercado no início de março, logo após a apresentação de resultados referentes a 2018, revelando uma queda dos lucros de 53% para 519 milhões de euros. A operação em Portugal apresentou prejuízos de 18 milhões de euros – pela primeira vez desde o início da privatização, em 1997.
«A companhia é única e está preparada para a mudança energética», disse António Mexia, reconhecendo que «foi preciso ajustar o foco». Para isso, defende a redução da exposição em determinadas áreas e, consequentemente, está a ser levado a cabo um plano de venda de ativos. Só em Portugal e em Espanha, a empresa pretende encaixar mais de dois mil milhões de euros, nos próximos quatro anos, com a alienação de ativos em regime de mercado e centrais térmicas. No entanto, não está afastada a venda de barragens. E aí António Mexia não tem dúvidas: «Há sempre interessados».
A par desta venda, a elétrica prepara-se para acelerar o modelo de rotação de ativos, estratégia que tem vindo a concretizar nos últimos anos e que irá permitir um encaixe de quatro mil milhões de euros.
O que está em cima da mesa? A EDP prevê uma geração de recursos financeiros de 12 mil milhões de euros nos próximos quatro anos, ou seja, 2,9 mil milhões de euros por ano, dos quais sete mil milhões serão canalizados para novos investimentos. Cerca de 75% do investimento previsto será em energias renováveis, sendo os Estados Unidos o principal destino (40%), seguidos pela Europa (35%) e o Brasil (25%). Ao mesmo tempo, a elétrica acredita que irá distribuir três mil milhões de euros em dividendos e usar cerca de dois mil milhões de euros para baixar a dívida até 2022.
Uma alteração de estratégia aplaudida pelo senior account manager da XTB, José Bebiano Correia que ao SOL revela que as renováveis apresentam a melhor fatia das receitas do grupo. «A energia renovável é sem dúvida o setor com maior potencial de crescimento para a EDP». Quanto à venda de ativos, o analista lembra que essa estratégia pretende agilizar a estrutura de custos da empresa, que no seu entender «não possui atualmente o nível ótimo de dívida devido à transição da maior parte das receitas do setor elétrico para o renovável». E deixou uma garantia: «A evolução da EDP passa por focar-se nas operações mais rentáveis e com maior procura, pelo que esta opção é coerente com os objetivos e visão estratégica do executivo para os anos vindouros.»
OPA condenada ao fracasso
Desde que a operação foi lançada foram surgindo várias vozes a anunciar o fracasso da operação. O embaixador norte-americano em Portugal, George Glass, chegou a admitir que Washington não iria permitir que os chineses controlassem os EUA. «A EDP controla 80% da energia elétrica em Portugal. Do ponto de vista dos Estados Unidos, do ponto de vista de negócios, como do meu ponto de vista pessoal, não deve haver uma entidade estrangeira a deter a vossa energia elétrica. Deve ser controlada pela nação ou pelos privados sob regulação nacional. Não é o caso do que está a ocorrer com a EDP», disse em entrevista ao Jornal Económico.
O diplomata revelou também que os Estados Unidos opõem-se «absolutamente» a este negócio, por uma questão de segurança nacional, deixando a garantia de que «em nenhuma circunstância os chineses vão controlar o que a EDP tem nos Estados Unidos, o terceiro maior produtor de energia renovável».
Também os vários analistas contactados pelo SOL anteciparam que a oferta pública de aquisição não chegaria a bom porto. Primeiro porque as negociações entre as duas empresas «não pareciam estar bem encaminhadas face aos vários impedimentos regulatórios nesse sentido». Depois, o fundo Elliott afirmou que a cotação atual da EDP em bolsa está abaixo das estimativas de mercado, o que tornaria os rendimentos do conglomerado nacional «ainda mais voláteis».
Em causa está a carta do fundo americano Elliott, que detém 2,9% do capital da elétrica, enviada ao presidente do conselho geral da empresa em fevereiro a alertar para o impasse criado pela oferta da China Three Gorges, chamando a atenção para que o preço oferecido pelos acionistas chineses ser «excessivamente baixo», acabando por «subavaliar significativamente» a empresa liderada por António Mexia.
«A oferta da CTG, tal como se encontra atualmente, não favorece os melhores interesses dos stakeholders [financiadores] da EDP e, em última análise, conduzirá a um enfraquecimento da EDP que será uma empresa mais volátil, com um conjunto de ativos menos atrativo e com poucas oportunidades de crescimento», disse o fundo, também conhecido como ‘Abutre da Argentina’.
De acordo com os analistas, a carta enviada pelo fundo Elliott pretendia «minar as negociações da OPA em curso entre a EDP e a CTG, apresentando uma alternativa aparentemente mais interessante para aumentar o potencial de crescimento da EDP», admitindo que isso poderia influenciar as negociações da OPA em curso, apesar de não ser decisiva para o seu desfecho, mas essa perspetiva seria «naturalmente considerada pelos decisores envolvidos nas negociações».
A operação foi anunciada em maio sobre a totalidade do capital da elétrica, avaliando-a em 11,9 mil milhões, oferecendo 3,26 euros por ação. Um valor que está aquém do que vale atualmente a elétrica e que tem vindo a ultrapassar os 3,4 euros por unidade.
No entanto, os acionistas aprovaram em AG as contas de 2018 e a aplicação de resultados com 99,8% dos votos ambos, estando representada na reunião 65,18% do capital acionista da elétrica liderada por António Mexia.