Há sete dias que o Presidente da República está em silêncio por causa da crise política que resulta do impasse sobre a consideração do tempo de serviço congelado aos professores. E os docentes estão longe de estar contentes com o silêncio inédito de Marcelo Rebelo de Sousa.
São várias as críticas que se alastram entre as redes sociais, os blogues especialistas de educação – alguns são dos que têm mais visualizações em Portugal – e este é, segundo os sindicatos e os professores ouvidos pelo i, o sentimento que se vive entre os corredores das escolas.
“Como é que alguém que aparece para falar de tudo, para tirar selfies e que até telefona a apresentadoras de televisão e a jogadores de futebol, aos professores, que estão a ser atacados, não tem uma única palavra”, diz ao i André Pestana, dirigente do sindicato recente STOP. “É um silêncio ensurdecedor”, remata ainda o docente André Pestana que recorda que em setembro de 2018 “o Presidente da República disse que em Portugal tínhamos os melhores professores do mundo” e agora “está calado quando nos querem tirar quase 25% da nossa carreira contributiva”.
Também o professor Paulo Guinote, autor do blogue “O Meu Quintal”, diz ao i que, em termos gerais, os professores “sentem falta de apoio” sublinhando que não receberam “abracinhos”. Mas para Paulo Guinote o silêncio do Presidente revela que Marcelo Rebelo de Sousa “está a evitar hostilizar abertamente o Governo”. Além disso, o professor considera que o chefe de Estado está “com extremo receio e cautela” porque “neste momento, a situação é de tal clivagem que qualquer coisa que diga ou é inócua ou vai levantar polémica porque ou o PS ou os professores vão cair-lhe em cima”.
O sentimento de “desilusão” entre os professores é também apontado pelo secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), João Dias da Silva, que diz que chegam ao sindicato “várias queixas”. Isto porque, salienta o dirigente sindical, os docentes “criaram uma expectativa em relação ao Presidente da República que é muito elevada”.
No entanto, João Dias da Silva, considera que o “Presidente da República deve ser a última instância de recurso e não deve nunca constituir um fator de resolução dos problemas do quotidiano. Para isso existe o Governo”, frisa.
Contactada pelo i, a Presidência da República recusa comentar o assunto ou avançar quando o Presidente irá falar sobre o tema.
UTAO contradiz contas do Governo Há largos meses que o Ministério das Finanças tem vindo a apresentar vários cálculos do impacto nas contas públicas da contabilização do tempo de serviço congelado aos professores. Em todos os cálculos, o Governo aponta para uma despesa de 635 milhões de euros anuais para reconhecer aos docentes os nove anos, quatro meses e dois dias. Para reconhecer os dois anos, nove meses e 18 dias aprovados pelo Governo haverá um acréscimo na despesa de cerca de 240 milhões de euros.
Valores que subiriam para 804 milhões de euros de despesa, caso fossem contabilizadas as restantes carreiras da Função Pública todos os anos de serviço congelados.
Contas que foram ontem rebatidas pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), composta por peritos que analisam as contas públicas e que apoiam os deputados da Assembleia da República. De acordo com a UTAO, a despesa com o tempo de serviço dos professores aprovado não ultrapassa os 196 milhões de euros.
Para contabilizar todo o tempo de serviço a todas as carreiras da função pública são necessários 398 milhões de euros líquidos anuais. Mas a este valor somam-se os acertos salariais que resultam das progressões. Ou seja, a despesa real para toda a Função Pública chega a 567 milhões de euros líquidos, em 2023.
Menos 30% dos 804 milhões apontados pelo Governo.
E de acordo com a UTAO, o impacto destas medidas não impedem o cumprimento das metas de Bruxelas, que impõe um défice de 0,2% do PIB em 2019.
O Ministério das Finanças diz que o cálculo dos técnicos da UTAO é “totalmente arbitrário”.
Mas as novas contas foram usadas pelos partidos que ontem no Parlamento acusaram o PS e o Governo – que ameaça demitir-se caso seja reconhecido aos docentes todo o tempo de serviço congelado – de “golpe de teatro” e de “crise artificial”.
Para o Bloco de Esquerda “o ministro das Finanças ou não sabe fazer contas ou quis enganar o país”, diz Joana Mortágua.
O Parlamento vota amanhã o texto final sobre o tempo de serviço dos docentes.
Caso os partidos chumbem o reconhecimento do tempo de serviço aos docentes, os sindicatos vão reunir para decidir as greves que irão convocar no final do ano letivo.