Apanhados em flagrante

As eleições europeias nada dizem aos contribuintes em geral. E menos dirão ainda enquanto a Administração Fiscal (e o Governo e a Oposição) continuarem a preocupar-se apenas em sacar tudo o que podem do contribuinte indefeso e incapaz de reagir à ação do Fisco e muito pouco ou nada fazem contra quem, criminosa ou indecentemente,…

O bruaá de indignação com a ‘Operação sobre Rodas’ obrigou o Ministério de Mário Centeno a demarcar-se publicamente desta ação conjunta da Autoridade Tributária do Porto com a divisão de trânsito da GNR. Tão depressa quanto lhe foi possível. Ou seja, ainda estavam os agentes da AT e da GNR com estaminé montado nas bermas das estradas de Valongo e já o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais aparecia na televisão a garantir que ações como aquela não voltariam a repetir-se.

Porquê o bruaá? Porque, ao contrário de iniciativas idênticas já realizadas pela AT e pela GNR no passado recente – na Trofa e em Santo Tirso –, desta vez a operação foi mediatizada, com acompanhamento de câmaras de TV e tudo.

Ou seja, foram apanhados em flagrante, não havia nada a fazer. A não ser o desmentido de que as hierarquias do Fisco – e sobretudo os governantes do Terreiro do Paço – tinham tido conhecimento prévio da operação e, portanto, não a tinham autorizado.

Mais, havia que passar rapidamente a mensagem de que tanto o ministro como o secretário de Estado estavam em total desacordo com a mesma, por ser prejudicial à imagem de proximidade do Fisco com o cidadão, pela qual o Governo tanto tem lutado.

Pois é, na verdade, ao sair para a estrada e montar estaminé nas bermas, a Autoridade Tributária não podia estar mais próxima do cidadão.

Quem a ordenou foi por certo assim que pensou. Tanto que até avisou a comunicação social.

Porque esse é o pensamento dominante incutido na hierarquia dos serviços (e funcionários) do Fisco – há anos premiados pela receita cobrada.

Aliás, é também por isso que estão também tão próximos das pequenas e médias empresas que lutam para se manterem à tona da água e não conseguem livrar-se da tenaz permanente do Fisco e da Segurança Social.

Estranhamente, isso já não parece incomodar ninguém. Nem ninguém parece importar-se, por exemplo, com coimas absurdas e totalmente injustificadas, como as do IVA (30% mais juros se houver um dia de atraso). Se uma empresa está mal de tesouraria, o Fisco ainda lhe aperta mais o garrote. E a Segurança Social idem. Mas ninguém quer saber disso para nada.

Como se o Estado (incluindo o Fisco e a Segurança Social) beneficiassem alguma coisa com a falência das empresas e mais uma dezenas ou centenas de desempregados – dezenas ou centenas, porque as grandes empresas, as maiores empresas, essas, como todos os estudos o confirmam, são especialistas em legalmente reduzir ao mínimo os impostos que pagam, quando pagam. Legalmente, mas, a maioria das vezes, indecentemente.

Aliás, ainda há dias (segunda-feira, 20 de maio) foi manchete no i a denúncia dos inspetores da Autoridade Tributária da falta de condições de trabalho – ao ponto de se verem obrigados a recorrer a carros e computadores pessoais.

Queixam-se eles de que, com tão poucos meios disponíveis e sem condições de trabalho, ficam em risco as grandes investigações em que estão envolvidos.

A Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção tributária e Aduaneira acusou mesmo o Governo de estar a querer transformar a instituição numa «unidade de investigação low cost».

Os festejos da conquista do 37.º título de campeão nacional pelo Benfica, mobilizando muito mais os adeptos encarnados de norte a sul do país (e até no estrangeiro) do que as eleições europeias mobilizaram o eleitorado, retiraram impacto às reivindicações legítimas dos inspetores.

Como agora o rescaldo da vitória dos socialistas (e de António Costa) nas europeias foi absolutamente incapaz de retirar impacto à ação dos agentes da Autoridade Tributária.

É normal. Porque as eleições europeias nada dizem aos contribuintes em geral.

E menos dirão ainda enquanto a Administração Fiscal (e o Governo e a Oposição) continuarem a preocupar-se apenas em sacar tudo o que podem do contribuinte indefeso e incapaz de reagir à ação do Fisco e muito pouco ou nada fazem contra quem, criminosa ou indecentemente, paga muito menos, ou mesmo nada, do muito que deveria e poderia pagar (e não vale a pena bater outra vez em Berardo, que é somente mais um entre tantos).

Ou seja, paga a arraia miúda, mesmo quando não tem como.

Porque a graúda fica para os tais inspetores sem meios, que muito ainda assim vão fazendo, apesar de tudo.

E sobretudo quando a vontade política, nesta matéria, é tão ‘poucochinha’.