As ‘Operações Stop’ das Finanças feitas este ano no norte do país já constavam do Plano de Atividades para 2019, um documento formal que é enviado para os Serviços Centrais, em Lisboa, de forma a que as diversas estratégias locais sejam coordenadas com as que estão a ser preparadas a nível nacional.
O SOL teve acesso a parte do Plano de Atividades para 2019, onde fica clara a necessidade de apostar em ‘ações de visibilidade externa’: «Promover em parceria com os Serviços de Finanças o desenvolvimento de atividades com visibilidade externa, para induzir o cumprimento da obrigação de pagamento e assim se poderem contabilizar na cobrança coerciva, os efeitos indiretos que são gerados, como seja: Promover em todo o distrito ‘operações stop’ em estradas com grande fluxo de trânsito de forma a identificar veículos automóveis de devedores com vista à sua penhora ou apreensão no caso de já se encontrarem penhorados, quando estes não regularizem de imediato a sua situação».
Mas as ações que abriram telejornais não eram as únicas que constavam no referido documento enviado para os Serviços Centrais. Estavam ainda a ser planeadas «ações de ‘rua’ para penhora de ativos financeiros» e, caso o setor de atividade o recomendasse, poderiam ser programadas «de forma articulada com a Área da Inspeção Tributária no âmbito das ‘ações conjuntas’». Da leitura entende-se que o que estava em causa era uma espécie de ações de ‘arrastão’ em espaços públicos, não sendo possível perceber ao certo o que se pretendia.
Tutela diz que Lisboa não valida previamente ações regionais O SOL sabe que em nenhuma das ações realizadas este ano foi feita tal articulação, tendo as mesmas sido feitas numa parceria entre técnicos da Justiça Tributária (gestão da dívida) e técnicos dos Serviços de Finanças.
Apesar de o Plano de Atividades ser enviado à diretora-geral da Autoridade Tributária, Helena Borges, e aos subdiretores-gerais (nomeadamente da área da Justiça Tributária), as ações não suscitaram qualquer oposição. Contactado, o Ministério das Finanças disse ontem ao SOL que as ações não são validadas previamente por Lisboa: «As ações de inspeção desenvolvidas por iniciativa regional não são previamente validadas centralmente, cabendo ao órgão de execução (Diretor de Finanças) definir a proporcionalidade entre os meios empregues e os objetivos visados».
Podem não ser validadas, mas eram do conhecimento dos serviços centrais, não sendo nada que tivesse sido pensado, decidido e executado a norte e em segredo. E o certo é que segundo várias fontes ouvidas é normal estes planos de atividades serem sempre enviados para Lisboa, para a direção geral para que seja feita a gestão dos processos dos planos de atividades regionais.
«Cada plano regional tem de estar coordenado com aquilo que é o plano nacional e, portanto, aqueles documentos têm de ser entregues centralmente, quer seja à diretora geral ou à subdiretora da área da Justiça Tributária. E eles foram depositados centralmente», explica ao SOL uma fonte conhecedora deste tipo de processos, adiantando que o que pode ter acontecido foi ninguém os ter analisado.
Ação de cobrança, não uma ação inspetiva Segundo várias fontes, com os dados que existem até agora torna-se fácil concluir que as responsabilidades ultrapassam a esfera do diretor de Finanças do Porto, que entretanto já se demitiu – o que foi aceite prontamente pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Logo após ter sido tornada pública a ação de cobrança de dívidas em Valongo, o Ministério das Finanças mandou cancelar a ação, dizendo que a mesma «não foi definida centralmente» e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais anunciou a abertura de um inquérito para «saber todo o enquadramento». E acrescentou logo que se tratava de uma decisão sem proporcionalidade: «É despropositado fazer esse tipo de operações para cobrar dívidas». Também Mário Centeno admitiu que não foi uma «decisão feliz».
É que em causa não estava uma mera ação inspetiva da Autoridade Tributária com a GNR, como chegou a ser afirmado, em que militares e inspetores estivessem nas estradas para apanhar empresas ou contribuintes concretos. O que aconteceu foi uma ação aleatória de cobrança, explicam fontes das Finanças, referindo que há até já funcionários que apareceram nas televisões a sofrer na pele as consequências desta medida – que dizem só distanciar ainda mais o cidadão do Fisco.
«Estamos a falar de uma ação de cobrança não de inspeção e aleatória. Quem passasse naquela rotunda iria ser parado», diz uma das fontes, salientando que «era importante perceber agora se em algumas das dívidas cobradas já tinha passado o período de reclamação, ou se se tratava de uma dívida com plano de pagamentos parcelares».
Diretor demite-se Quanto à proporcionalidade, refere a mesma fonte que a ameaça ao contribuinte não é aceitável, até porque há formas de executar a penhora.
O homem que decidiu fazer as mais recentes ‘Operações Stop’ para cobrança de impostos em falta, José Oliveira e Castro, diretor de Finanças do Porto, demitiu-se esta quinta-feira. A decisão foi tomada depois de o Governo ter anunciado a abertura de um inquérito para apurar este tipo de prática. O pedido de demissão foi aceite de imediato pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Segundo a tutela, «na sequência da forma como decorreu a ‘Ação sobre rodas’, desenvolvida pela Direção de Finanças do Porto, para preservar a Autoridade Tributária e Aduaneira enquanto instituição de reconhecida relevância, o Diretor de Finanças do Porto decidiu colocar […] o seu lugar à disposição, tendo a sua demissão sido prontamente aceite pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais». A demissão tem efeitos a partir de 1 de junho.
Ontem, após ter sido noticiado pelo Jornal Económico que o Fisco se preparava para fazer diversas ações a visar negócios de casamento e de festivais de música, com vista a cobrar impostos, o Ministério das Finanças reagiu, dizendo que, tal como já havia feito com as ‘Operações Stop’, tinha dado ordem de cancelamento.
Mais uma vez, o Ministério de Mário Centeno avançou que uma ação que pusesse em causa o normal funcionamento de uma cerimónia como um casamento não poderia ser considerada conforme ao princípio da proporcionalidade.