O provérbio diz que o ‘diabo está nos detalhes’ e há um, em particular, que pode reacender a tensão interna no PSD. O perfil dos candidatos a deputados foi aprovado em comissão política nacional (ainda não há data marcada para o conselho nacional) e na lista de critérios está a «concordância com a orientação estratégica da Comissão Política Nacional e disponibilidade para cooperar de forma politicamente leal e solidária». A frase fez soar os alarmes em distritais e militantes que receiam uma eventual ‘limpeza’ nas listas para as eleições legislativas. Mais: o próprio Rui Rio assumiu que a questão da lealdade à sua equipa não é um tema menor – «No quadro atual, há um ou outro com falta de lealdade». Dito de outra forma, Rio não quer parlamentares desleais na sua bancada a partir de outubro de 2019. Ao SOL, um destacado militante manifestou-se preocupação com esta referência, porque pode colocar o partido, novamente, num clima de alta tensão interna. Isto sem colocar em causa a liderança. «Espero que não seja uma solução soviética», confidenciou ao SOL o mesmo militante, que optou pelo anonimato porque o tempo é de conceder o benefício da dúvida.
No PSD, a renovação das listas é um cenário com o caminho facilitado para Rio. O ex- líder da distrital de Coimbra, Maurício Marques, que fez parte dos críticos e apoiantes de Luís Montenegro, não será candidato a deputado, segundo avançou o próprio ao Observador. Também Paula Teixeira da Cruz, ex-ministra da Justiça, deixa o cargo por vontade própria e não será candidata. A ainda deputada já tinha confessado ao SOL que o Parlamento tinha sido o «pior sítio» da sua atividade política. Mas a antiga governante acrescentou ontem mais um argumento para responder aos critérios de Rio na escolha de candidatos: «Eu sou um ser livre, não dependo de ninguém». A ex-governante lançou também uma pergunta a propósito da regra da lealdade. «Não percebo porque é que um dos requisitos é a lealdade à direção: Qual lealdade à direção? Há membros da direção que puseram processos ao próprio PSD». Paula Teixeira da Cruz não especificou o alvo, mas a vice-presidente do partido Elina Fraga chegou a fazer uma queixa-crime contra o Governo de Passos Coelho por causa do mapa judiciário (uma das bandeiras da então ministra Paula Teixeira da Cruz).
Polémicas e passado à parte, a deputada defende que o conceito de lealdade «é a verdade. É criticar e apontar caminhos diferentes» de forma construtiva. Ou seja, não se trata de uma lógica de subordinação. Para o efeito, acrescenta que a sua lealdade «é para com o partido e com o seu legado». E o PSD não pode seguir uma estratégia de exclusão. Numa versão mais dura, Paula Teixeira da Cruz deixa um desabafo, quando questionada se teme uma limpeza nas listas do PSD: «Eu não preciso de limpeza, porque tomo banho todos os dias». E mais uma vez recorda que não se inscreveu « num partido estalinista». Por fim, defende que o PSD é «de centro, não é de direita»e aconselha Rui Rio a apresentar bandeiras e propostas para recuperar da «grande derrota das Europeias», sem se virar para dentro do partido com critérios que causam ruído.
Entre quem foi crítico da liderança de Rui Rio há um nome incontornável: Hugo Soares, ex-líder parlamentar e braço-direito de Luís Montenegro na contenda interna de janeiro por eleições diretas no partido. O caso está arrumado, pelo menos até 7 de outubro (pós-eleições legislativas), mas existia a dúvida sobre a continuidade de Hugo Soares nas listas. Em Braga, o distrito por onde tem concorrido, haverá sempre a hipótese de ser indicado pela estrutura local. A questão é a de saber, por exemplo, se o seu nome ficará na lista por ordem alfabética (outro dos critérios definidos pela direção). Aí, poderá surgir em lugar de risco para a eleição. Há quem garanta ao SOL que o próprio não quererá integrar as listas, mas Hugo Soares não conversou com ninguém sobre o assunto e manteve-se incontactável até ao fecho desta edição.
No PSD, há quem acalente ainda a ideia do ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, voltar à política nas listas por Braga. O também ex-dirigente saiu do Governo por ter sido constituído arguido no processo dos Vistos Gold. Foi ilibado de qualquer crime, mas não tem vontade de voltar à política. « Está fora de causa. Nem questão é», disse ao SOL Miguel Macedo.
Rui Rio e Paulo Rangel O líder do PSD, Rui Rio, assumiu aos jornalistas na passada quinta-feira que o partido precisa de ajustamentos na forma de comunicar. Mas o próprio não tenciona mudar a estratégia nem vender a sua imagem como uma «pasta de dentes». Ou seja, o que Rio quis dizer é: a narrativa do PSD será menos assertiva do que a de Paulo Rangel ( o cabeça-de-lista às Europeias) no pingue-pongue contra o adversário António Costa e tentará passar a mensagem de forma mais clara sobre os erros do Governo. Para o efeito, serão afixados novos cartazes com a imagem de Rio e o slogan Agora Portugal.
No rescaldo das Europeias, Rio fez a análise da derrota «do PSD como um todo». Porém, houve quem apontasse que Rio descolou de Rangel rapidamente. Mais, no PSD há quem faça a leitura de que Rangel «mordeu o isco» de Costa ao nacionalizar a campanha e perdeu terreno, porque o eleitorado do partido não gosta de campanhas em que se diz mal de tudo.
Ora, Paulo Rangel afirmou na RR que o líder do PSD deveria ter gerido o dossiê da crise dos professores de forma mais célere. «Devia tê-lo feito [reagido mais cedo], do meu ponto de vista. É o exemplo de algo que teria não sanado, mas limitado os danos». Os danos foram na sua campanha e Rangel aconselha Rio a apresentar as suas propostas para o país o mais rápido possível. O conselho, apesar de não ser uma crítica feroz a Rio, pode ser um sinal de distanciamento.