‘Os líderes políticos vão dar outra atenção à diáspora’

José Luís Carneiro faz o balanço da incerteza do Brexit, a crise na Venezuela e a tragédia em Moçambique. Agora, conta com mais de 1,4 milhões de emigrantes portugueses registados como eleitores – com uma abstenção de 99%.

O novo recenseamento automático permitiu que cerca 1,4 milhões de portugueses residentes no estrangeiro fossem registados como eleitores, quando antes estavam apenas 300 mil. Qual a importância e as consequências desta medida?

O grande significado político desta mudança é o cumprimento do que estava inscrito no programa do Governo. Que era o compromisso de criar uma maior vinculação entre os portugueses no estrangeiro e o seu país de origem, com a sua herança histórica, cultural e linguística. Nesta legislatura fomos além  do compromisso inicial, algo que se traduziu, em primeiro lugar, nas alterações à Lei da Nacionalidade. A lei foi aprovada no Parlamento em junho de 2015 e a regulamentação foi feita ao longo de 2016 e 2017, e trouxe uma maior abertura ao reconhecimento da nacionalidade dos netos de portugueses no estrangeiro, aos judeus sefarditas – que tinham  na sua herança e na sua origem relações com Portugal – e a cidadãos de outras nacionalidades que se instalaram no nosso país. Outra mudança foi a propósito dos portugueses na Venezuela, que permitiu aos filhos de cidadãos portugueses, que se tenham divorciado e recasado noutro país, ficarem dispensados de registar previamente o divórcio em Portugal, desburocratizando a relação com o Estado português. E facilitando a obtenção da nacionalidade aos seus filhos, que estavam impedidos de obter a nacionalidade – algo que se tornou num ganho para todos os portugueses na diáspora. Outra dimensão é relativa às leis eleitorais, como é o caso do recenseamento automático para cidadãos com mais de 18 anos, não obrigatório. Até há pouco tempo os portugueses no estrangeiro tinham de se deslocar aos postos consulares para se recensearem. Em alguns casos, estamos a falar de fazer milhares de quilómetros para tal. Agora podem evitá-lo, tendo a possibilidade de se desvincular do recenseamento, podendo voltar a reentrar nos cadernos em  qualquer altura, se o desejarem. Com isto, passámos de ter  318 mil portugueses recenseados no estrangeiro, que agora passaram para 1,431 milhões, nas eleições europeias. E é expectável que este número venha a crescer, dado que há muitos cidadãos no estrangeiro com bilhete de identidade, não inscritos no recenseamento automático, e que à medida que vão obtendo o cartão de cidadão passam a estar. Estou convencido que, cada vez mais, num futuro próximo, os líderes dos partidos políticos irão dar outra atenção ao universo cívico e político da diáspora, dado que este passou a ter outro peso eleitoral.

Muitos notam que a nova Lei da Nacionalidade facilitou o acesso à nacionalidade por direito de sangue, em detrimento do direito de solo. 

Todas as matérias relativas à nacionalidade são de uma competência partilhada, em especial pela Assembleia da República e pelo Ministério da Justiça. Mas sublinho as mudanças muito positivas quanto à obtenção da nacionalidade por parte de cidadãos estrangeiros ou dos seus cônjuges que vivam em Portugal, que ficou muito mais facilitada. Algo que é feita através do jus soli [direito de solo], ou seja, da sua relação com o território português. Aliás, até foi diminuído o número de anos para que a cidadania portuguesa seja reconhecida a esses cidadãos. Há um mecanismo muito fácil que tem sido utilizado por boa parte dos cidadãos vindos da Venezuela. Estas pessoas vêm com autorização de residência, válida por cinco anos, e ao fim de três anos a viver no nosso país podem solicitar a atribuição da nacionalidade. Tem havido tanto o reconhecimento dos netos por portugueses, por um lado, como daqueles que vêm viver para Portugal, das mais diferentes origens. 

Quanto aos cidadãos recenseados automaticamente, como foram notificados que poderiam votar?

Foram notificados pela administração eleitoral. Estamos a falar de cerca de 1,5 milhões de notificações, transmitindo que tinham sido colocados numa base automática. E que, caso não se pronunciassem, ficariam automaticamente recenseados. Devo dizer que não chegaram a mil os portugueses que comunicaram não quererem ficar recenseados. Esta comunicação foi feita com porte pago, os portugueses poderiam responder nessa mesma comunicação. Além disso, trabalhámos com a Comissão Nacional de Eleições, que recebeu da nossa parte uma relação de órgãos sociais da diáspora, com tempos de antena portugueses em rádios ou televisões no estrangeiro – estamos a falar de cerca 120 espaços  de comunicação – permitindo o esclarecimento sobre as novas condições de participação eleitoral. Também houve colaboração com a TAP, para que no próprio transporte aéreo houvesse informação sobre o assunto. As televisões também estiveram estiveram envolvidas, a RTP teve este tipo de espaços informativos. E eu próprio e a minha equipa fizemos sessões de esclarecimento em cerca de 20 países, não só das novas regras eleitorais, mas também para a importância de agora os cidadãos valorizarem esta conquista, contribuindo para a vida política do nosso país.

Mencionou que houve portugueses que não quiseram ser recenseados. Que género de motivos têm?

Por regra, são portugueses que querem recensear-se nas suas terras de origem em Portugal, para votar nas autarquias. Essa será uma das justificações. Mas não tinham de explicitar a razão porque não queriam estar vinculados automaticamente.

Estas eleições europeias foram o primeiro teste ao novo recenseamento automático, e cerca de 99% dos imigrantes portugueses não votaram. Como se combate este afastamento dos imigrantes da política?

Repare que embora tenhamos reforçado em 20% as secções de voto no estrangeiro, e tenhamos garantido em mais 15 países a possibilidade de votação de portugueses, há ainda obstáculos ao voto presencial. Nem que seja a distância entre estes cidadãos e os postos consulares e embaixadas. Daí que o envolvimento da sociedade civil, dos partidos políticos e da rede consular e diplomática tenha de ser continuado. Especialmente nos atos eleitorais em que o voto é presencial – que é o caso das eleições para o Parlamento Europeu e para a Presidência da República.  Apesar de ter sido talvez um dos maiores esforços nos últimos trinta ou quarenta anos, no que à cidadania dos portugueses diz respeito. Mas não dispensa os deveres de cada cidadão, que tem de saber onde está recenseado. E depois há o dever da sociedade como todo, de abrir mais mesas de voto, bem como dos partidos políticos. Caso verifique, verá que o número de delegados destacados pelos partidos é uma pequena minoria, comparado com o número necessário para a cobertura de todas as 156 mesas de voto que temos de ter no estrangeiro. 

Fora das questões logísticas, falta esforços dos partidos para chegar aos portugueses imigrantes?

Sou militante de um partido político. E fui dirigente de uma federação que é a que tem mais militantes do PS, a Federação Distrital do Porto. Sou um defensor dos partidos políticos, do seu contributo para a saúde da vida democrática. Mas há um esforço que é necessário desenvolver, por todos os partidos, para corresponder à legislação que todos aprovámos, de modo a  envolver e valorizar os cidadãos portugueses da diáspora.

Tem havido críticas às declarações do Presidente da República, que mostrou preocupação com as consequências do alargamento eleitoral – que classificou de possivelmente traumatizantes. Acompanha as críticas?

O Presidente da República tem dialogado com o Governo e comigo sobre as novas leis eleitorais. Sei que o Presidente é um dos maiores defensores destas leis, bem como um dos seus patrocinadores, sendo quem tem a responsabilidade de as promulgar. Sei que contrariamente à imagem que passou – quando extraíram a declaração do seu contexto – não vi quaisquer crítica ao novo processo. Qualquer um de nós tem a perceção que entrando no sistema eleitoral mais de um milhão de cidadãos, isso teria como efeito um aumento substancial da abstenção. Mas nas legislativas este problema não se vai colocar tanto, porque o voto por correspondência dará maior proximidade, e logo participação.

O resultado destas europeias parece tornar mais provável uma saída não acordada do Reino Unido da UE. Nesse caso, qual será o estatuto e o futuro dos portugueses no país?

Os portugueses que se encontram no Reino Unido – bem como todos os outros 3 milhões de cidadãos europeus no país – têm de se preocupar com uma situação concreta: a obtenção do estatuto de residente. É isso que permite que acedam às funções sociais e às oportunidades do Estado democrático do Reino Unido. Atualmente, este estatuto tem duas categorias: O estatuto de residente permanente e o de não-permanente. O primeiro é para quem vive há mais de cinco anos no país, o segundo para quem está há menos de cinco anos. Um cidadão que chegue ao Reino Unido na véspera da saída [da UE] chega a tempo para começar a contar tempo de residência. Esta é a primeira preocupação que os portugueses devem ter a propósito do futuro do Reino Unido. Outra é saber se o país vai sair com acordo ou sem acordo. Caso não haja acordo, os portugueses terão até ao fim de 2020 para poderem pedir o estatuto de residente. Com acordo, é até ao fim de 2021. Depois, importa como é que o Estado português – face a esta incógnita – deve proceder para salvaguardar os interesses dos portugueses no Reino Unido. Nós procurámos articular-nos com a União Europeia, que orientou os Estados membros para prepararem planos de contingência para o Brexit. 

E que medidas tem esse plano de contingência?

Houve uma declaração muito importante de Theresa May, que assegurou por escrito que os direitos dos cidadãos europeus serão salvaguardados, independentemente de haver acordo ou não. Com este pressuposto, o Estado português aprovou, por unanimidade, legislação que reconhece os direitos fundamentais dos 22 mil cidadãos britânicos que vivem no nosso país. Incluindo direitos relativos à segurança social, à escolaridade pública e ao ensino superior, à equivalência de competências escolares, ao acesso ao serviço nacional de saúde… Uma abordagem sugerida pela própria Comissão [Europeia], que apelidou como uma abordagem generosa da parte dos Estados membros. Assumindo que o Reino Unido corresponderá, no que toca aos cidadãos europeus, com base no princípio da reciprocidade. Para que esses direitos estejam ao dispor dos portugueses no Reino Unido, isso implica que eles tenham o estatuto de residentes, é a porta de entrada para os direitos fundamentais. E aí entram as nossas medidas para que os portugueses tenham os documentos necessários – registo civil, cartão de cidadão e passaporte. Reforçámos, temporariamente, até outubro, os meios humanos e tecnológicos da rede consular no Reino Unido. Alargámos o horário de atendimento e deslocámos funcionários aos locais mais recônditos do país, com os necessários instrumentos eletrónicos. Também avançámos com a linha Brexit, centralizada em Lisboa, com funcionários preparados para dar esclarecimentos, por via telefónica ou email. E também para marcar agendamentos, que têm sido um problema grave dado a o aumento exponencial da procura dos consulados no Reino Unido. Quem telefone, ao fim de meia dúzia de minutos tem o seu agendamento marcado, nem que seja ao fim de dois, três meses, dentro do prazo necessário. 

As garantias de que falou foram dadas pelo Governo de May, que já anunciou a sua demissão. Caso o novo Governo mude de linha política e corte direitos aos portugueses no Reino Unido, o Governo português pondera fazer o mesmo aos imigrantes britânicos? Como a própria UE parece sugerir, aliás. 

Devemos evitar a especulação e aguardar pelo debate político, democrático no Parlamento britânico.  

Alguns imigrantes mostraram receios de perda de apoios sociais britânicos aos cidadãos europeus. Tivemos relatos de mulheres polacas, francesas, até portuguesas, que deixaram de ser atendidas em centros para mulheres em risco, por exemplo. Preocupa-o a possibilidade do aumento da xenofobia institucional no Reino Unido?

Não tenho relatos dessa natureza nem nos postos consulares, nem na embaixada. Julgo que o próprio termo ‘xenofobia institucional’ é um termo que devemos repudiar veementemente. O Reino Unido é um dos países fundadores das liberdades democráticas que gozamos, até no quadro da própria União Europeia. 

Pode-se dizer que o Brexit dificultou a vida da comunidade portuguesa no Reino Unido?

Neste momento não podemos tirar essa conclusão. Mas verificamos que desde que houve a decisão do Brexit, houve uma quebra na imigração, na ordem das 10 mil saídas de Portugal para o Reino Unido. E também se nota o regresso de jovens que partiram durante a crise e que estão hoje a regressar ao nosso país. 

Passando para outra situação complicada, que medidas estão a ser tomadas para assegurar a segurança dos portugueses na Venezuela? 

São muitas as medidas desde 2016, em que houve um agravamento da situação. Um pico foi durante a eleição da Assembleia Constituinte, em 2017, e agora ressurgiu outra vez em agosto de 2018, com a adoção de novas medidas económicas. Desde então, as condições de vida agravaram-se profundamente. De tal forma que levou à saída de muitos portugueses e lusodescendentes, cerca de 20 mil, que partiram para os países da região, na América Latina, para Espanha, para Portugal continental ou para a Madeira. São os números que temos conhecimento, mas pode haver mais casos. Trabalhámos quer com as autoridades do país, quer com os postos consulares, ou com o movimento associativo. E com a rede de micro, pequenos e médios empresários que enquadram milhares de trabalhadores portugueses e lusodescendentes, por toda a Venezuela. Foram muitas as medidas.

Para fazer tudo isso, o Governo português tem estado em contacto com o Executivo venezuelano?

A relação foi regular, até ao momento em que a UE tomou a decisão de reconhecer o Presidente Guaidó, para realizar eleições [livres], não tendo reconhecido a Assembleia Constituinte, apenas a eleição da Assembleia Nacional. Naturalmente que mesmo após esse momento a nossa embaixada e o consulado mantiveram contacto regular com a administração do país, com o poder de facto da Venezuela. Por exemplo, para garantir a visita aos portugueses detidos na Venezuela. Há níveis da cooperação que não dependem do regime político que está momentaneamente no poder.  A relação Estado a Estado tem sido estável, pese embora a nossa posição política. É por isso que estamos no Grupo de Contacto, que tem como missão encontrar uma via política, pacífica, que permita eleições.

Apesar desta divisão de esferas, o reconhecimento de Juan Guaidó não dificultou o trabalho concreto que desenvolve?

Temos mantido um trabalho que permitiu continuar a garantir apoio à comunidade portuguesa. Por exemplo, com a criação de uma rede de médicos que assegura atendimento, diagnóstico e remessas de medicamentos para os portugueses na Venezuela.

Teme algum tipo de represálias contra os portugueses, devido ao reconhecimento de Juan Guaidó? 

Até hoje não temos sinais de quaisquer atos deliberados de pressão ou condicionamento dos direitos dos portugueses, da parte das autoridades. E assim desejamos que continue.

Quanto a Moçambique, no rescaldo dos ciclones Idai e Kenneth, houve muitos mais portugueses a querer regressar ao nosso país? 

Não temos registo disso ter acontecido, além do repatriamento de sete portugueses, logo na altura. Não temos pedidos de apoio para regressos. Mas admito que tendo vindo, o tenham feito como opção de vida própria, mas sem nos dar conhecimento. Contudo, temos pedidos de apoio para reconstrução de habitações – que estamos agora em fase de aprovação de orçamento. Entretanto, temos prevista uma saída de apoio com a Câmara Municipal do Porto, para a reconstrução da Escola Portuguesa da Beira. Falei esta terça-feira com a Câmara Municipal de Lisboa e com o presidente da Câmara [Fernando Medina] para o apoio à recuperação das infraestruturas da Câmara Municipal da Beira, como acordado. E estamos a fechar uma solução para permitir aos portuguesas com empresas na Beira para que se possam habilitar aos apoios para a reconstrução das suas instalações danificadas.

Mas já se passaram meses desde a catástrofe do Idai… Os portugueses cujo orçamento não foi ainda aprovado continuam sem apoio? 

O primeiro nível de apoio foi relativo à saúde. Lançámos uma campanha de rastreio e vacinação de centenas de portugueses, com o apoio do exército e dos médicos das forças armadas. Também mobilizámos apoios alimentares para muitos portugueses em escassez. Já arrancaram as obras de recuperação do consulado, que funcionou provisoriamente nos dias seguintes à tempestade. Já foram feitos os orçamentos das casas que foram danificadas, mas alguns tiveram de ser revistos, por estarem acima dos preços de mercado. Foram encontrados mecanismos de financiamento, da parta da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e do Porto, que transferiram os apoios financeiros para os seus beneficiários.

Houve grandes críticas ao tempo de resposta. O que falhou? 

Estamos a falar de um ciclone que afetou uma área equivalente a todo o Luxemburgo. Na quarta-feira, no dia anterior ao ciclone, os nossos serviços consulares mandaram uma mensagem aos cerca de 3 mil portugueses com os emails atualizados, advertindo-os para o ciclone. Transmitindo-lhes que evitassem circular na via pública e seguissem as indicações das autoridades, que avisaram para um recolher obrigatório. Na sexta-feira, o nosso posto consular ficou sem cobertura, o arquivo foi bastante danificado, com a entrada de água. A própria residência do cônsul ficou destruída. Nem o próprio sistema de comunicações via satélite funcionava convenientemente. Nos dias consecutivos em que estive a dar apoio à comunidade, tínhamos comunicações numa hora, e na seguinte não. No domingo à tarde foi uma equipa da embaixada em Maputo fazer o levantamento da situação, o cônsul teve de ficar num hotel, foi uma catástrofe que se viveu. O que é certo é que ao fim de oito dias, de trabalho conjunto com as forças armadas e a proteção, restabelecemos as comunicações, a eletricidade no posto consular e iniciámos as operações para emissão de documentos de viajem, para o repatriamento, auxiliando também na ajuda alimentar. E ajudando outros cidadãos europeus – dado que Portugal é o único país que tem um consulado geral na Beira.

Contudo, vários portugueses da Beira dirigiram-se diretamente a si, com grandes críticas à ação consular. Consegue compreender os motivos de queixa destes cidadãos? 

Com certeza. Estes cidadãos viveram momentos de grande aflição, temeram pelas próprias vidas, e naturalmente que sentiram uma grande impotência perante um momento de catástrofe natural. E confrontando-se com um representante do Estado, a primeira reação é de descarregar as emoções nesse representante. Que lhes mostrou não só proximidade como disponibilidade para mobilizar todos os apoios ao nosso alcance, respeitando, sempre as autoridades moçambicanas. Compreendo bem essa atitude de alguma compreensão, de fúria nas primeiras horas. Devo dizer que no fim da sessão, vários portugueses vieram-me dizer que reconheciam muito o esforço que estava a ser feito. E saudar o Governo português por ser o primeiro que se deslocou ao local. E oito dias depois, tive vários relatos de apoio, de reconhecimento pelo esforço. Até alguns emocionados, que me emocionaram também. São momentos em que nós também vivemos o sofrimento das pessoas. Andámos literalmente porta a porta, à noite, sem eletricidade, a procurar portugueses com quem as famílias em Portugal não conseguiam contactar. Não havia telemóveis, não havia telefones fixos, nem telefone por satélite. Tivemos de montar uma rede de contactos imediata. 

Imagino que tenha sido pesado para si e para a sua equipa. 

Foram momentos muito complicados, foi o momento mais exigente que vivi nas comunidades. Além das visitas que tenho feito à Venezuela, em  circunstâncias muito difíceis também. Foi exigente tanto psicológica como fisicamente. Levantávamo-nos sempre às cinco e meia da manhã, às seis da manhã, e deitávamo-nos à uma e meia da manhã. Totalmente extenuados. Mas sentido que a sentir que a nossa ação política estava a contribuir para a melhoria da vida concreta das pessoas. E com um sentimento de ânimo e esperança, quando olhamos para a vida daquelas crianças, daqueles jovens, que vivem em profunda escassez, do ponto de vista material, mas ao mesmo tempo com  um grande sentimento de alegria e confiança no quotidiano. São exemplos extraordinários para os europeus, que tanto evoluem do ponto de vista técnico, mas desvalorizam coisas simples do dia-a-dia, que encontramos em regiões como a Beira. Onde pude ver crianças a escreverem com os seus dedos na terra, como se nada se passasse.