Em 1960, 17 anos depois da morte de Duarte Pacheco num acidente de automóvel em Montemor, a família doou o espólio do seu gabinete pessoal de trabalho, incluindo o mobiliário, à Câmara Municipal de Lisboa. Há sete anos, o espólio do engenheiro que foi ministro das Obras Públicas e Comunicações de Salazar entre 1932 e 1936 viajou para Loulé, cidade onde nasceu, para uma exposição temporária. Sete anos depois, e terminada a exposição, Teresa Leal Coelho e João Pedro Costa, vereadores do PSD na Câmara Municipal de Lisboa, entregaram na semana passada uma proposta para a recuperação de todos os objetos e peças de mobiliário do espólio de Duarte Pacheco, com vista à criação de um projeto museológico em Lisboa num local que «dignifique o legado de Duarte Pacheco» e que «promova» a sua figura.
Não é uma ideia nova. A designada Sala Duarte Pacheco era já referida no acordo celebrado entre a família do ministro do Estado Novo e a Câmara de Lisboa aquando da doação do espólio do gabinete de trabalho que manteve, até à sua morte, em 1943, com apenas 43 anos, na Av. Pedro Álvares Cabral, em Lisboa. O objetivo, citando a delibração de 22 de junho de 1960 que os vereadores do PSD agora recuperam, era «instituir, junto do Museu da Cidade ou em qualquer outro local, a Sala Duarte Pacheco».
Segundo o informações do Gabinete de Estudos Olisiponenses citadas na proposta entregue pelos vereadores na Câmara de Lisboa, o referido espaço museológico dedicado a Duarte Pacheco, que acabou por ser recebido pelo Palácio da Mitra, na zona oriental de Lisboa, em 1962, começou a desmembrar-se a partir da década de 1980, com alguns dos documentos a serem enviados «sem critério» para o Palácio das Galveias e, pouco depois, parte do mobiliário «para as reservas do Museu da Av. da República», apesar de ter regressado depois para as Galveias. Resumindo, e citando ainda o mesmo documento:o espólio «andou em ‘bolandas’ até ao início da década de 1990. Sofreu vicissitudes várias que comprometeram a sua integridade, perdendo-se o rasto de algumas peças».
Conversações no sentido de ‘manter o espólio em Loulé’
Entretanto, já depois de João Soares, ocupando o cargo de vereador, ter emitido em 1994 um despacho ordenando que o espólio fosse entregue ao Gabinete de Estudos Olisiponenses com vista à criação da Sala Duarte Pacheco referida na deliberação da década de 1960 numa das salas do Palácio do Beau-Séjour, onde funciona atualmente esse gabinete, parte do espólio acabou temporariamente cedido, em 2012, à Câmara Municipal de Loulé, para uma exposição temporária. Questionada sobre o paradeiro das peças e a razão pela qual não foram ainda devolvidas a Lisboa, a autarquia respondeu que a exposição esteve patente durante seis anos, até 2018. E que «todas as conversações que se mantiveram com a Câmara de Lisboa foram sempre no sentido do espólio permanecer em depósito em Loulé».
Ao SOL, o vereador João Pedro Costa, que além de vereador do PSD na Câmara de Lisboa é professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, afirma que «Lisboa tem de ser confiável, e infelizmente os termos desta doação não estão a ser cumpridos. Parte do espólio perdeu-se, outra parte está esquecido fora de Lisboa». E acusa o presidente da Câmara, Fernando Medina, de «um descuido de motivação ideológica pela figura de Duarte Pacheco, numa matéria onde até João Soares tinha revelado isenção».
Um legado ligado à ditadura
Na proposta entregue na Câmara de Lisboa, argumentam os vereadores João Pedro Costa e Teresa Leal Coelho que Duarte Pacheco é «uma personalidade de indiscutível relevância nacional», cujos «importantes contributos nas áreas das comunicações, da arquitetura e do urbanismo mereceram reconhecimento público em vida».
Para lá dos cargos políticos que ocupou – ministro das Obras Públicas e Comunicações e presidente da Câmara de Lisboa – Duarte Pacheco o ideólogo dos atuais edifícios do Instituto Superior Técnico, onde de resto se formou em Engenharia Eletrotécnica, em 1923, e que viria a dirigir, a partir de 1926, que deram o primeiro campus universitário construído em Portugal. Foi também ele o autor dos projetos para os chamados «novos bairros sociais» de Alvalade, Encarnação, Madredeus e Caselas, em Lisboa, e da Av. de Roma na forma como chegou aos dias de hoje. Entre as obras públicas que mandou executar enquanto ministro estão ainda a marginal Lisboa-Cascais, o Estádio Nacional, no Jamor, e a Fonte Luminosa, bem como o Parque de Monsanto.
Foi também Duarte Pacheco quem, ao lado de Salazar e de Óscar Carmona, inaugurou, a 23 de junho de 1940, já durante a II Guerra Mundial, a Exposição do Mundo Português, que em Belém deixou o hoje contestado Padrão dos Descobrimentos e que, no aniversário da fundação de Portugal, em 1140, e da restauração da independência, em 1640, vinha celebrar, além da conquista da nacionalidade, o regime vigente.
Conta-se que terá sido Duarte Pacheco que, em 1928, depois da eleição de Óscar Carmona, negociou com Salazar as condições para que aceitasse assumir de novo o cargo de ministro das Finanças, depois da queda do Governo de Mendes Cabeçadas. Em Loulé, em 1953, quando se completaram dez anos da sua morte, foi-lhe erguido um monumento, da autoria de Cristino da Silva (autor de projetos icónicos, como o Cineteatro Capitólio e a Praça do Areeiro), com a inscrição «uma vida velozmente vivida e inteiramente consagrada». O nome do autor da frase, António de Oliveira Salazar, foi eliminado depois do 25 de Abril.