Os representantes do Estado (Parpública) no Conselho de Administração da TAP, Miguel Frasquilho e Diogo Lacerda Machado, chumbaram a proposta de prémios para os vários administradores apresentada em Conselho de Administração da companhia aérea. Nesta lista, era sugerida, entre outras, a atribuição de um bónus de 400 mil euros só para o presidente da comissão executiva da TAP, Antonoaldo Neves, apurou o SOL. Mas os administradores nomeados pelo Estado também se opuseram a todos os demais prémios (constantes da lista que foi divulgada esta quinta-feira pelo i), desde que não decorrentes de obrigações contratuais.
Isso mesmo, aliás, Frasquilho e Lacerda Machado reafirmam em comunicado emitido ontem à noite e enviado ao SOL. «Na única circunstância em que o Conselho de Administração se pronunciou sobre a possibilidade de atribuição de prémios relativos ao exercício de 2018 – na reunião do Conselho de 21 de março de 2019 – os membros indicados pelo Estado fizeram saber que, sendo embora matéria da competência da Comissão Executiva (como é usual nas grandes empresas), se opunham em absoluto à atribuição de prémios», pode ler-se no comunicado, no qual os administradores nomeados pelo Estado afirmam que foi com «surpresa» que ficaram a saber da lista de prémios pela comunicação social.
De facto, face à oposição do Conselho de Administração, Antonoaldo Neves optou por contornar os representantes do Estado e avançar com o pagamento de prémios de 1,17 milhões de euros atribuídos a 180 colaboradores na dependência da Comissão Executiva e sem dar conhecimento prédio ao Conselho de Administração – e nomeadamente aos representantes do Estado.
Uma iniciativa que caiu que nem uma bomba no Governo, que não estava a par da situação, e que obrigou o Executivo a convocar uma reunião com caráter de urgência com o conselho de administração da empresa, «para esclarecimento de todo o processo e para análise do dever de informação a que estão obrigados nos termos do acordo parassocial e nos termos da legislação em vigor».
O SOL sabe que o Governo não tem poderes para poder destituir a atual administração, apesar da relação de confiança ter sido quebrada, tal como reconheceu o ministro Pedro Nuno Santos. «O Ministério das Infraestruturas e da Habitação discorda da política de atribuição de prémios, num ano de prejuízos, a um grupo restrito de trabalhadores e sem ter sido dado conhecimento prévio ao conselho de administração da TAP da atribuição dos prémios e dos critérios subjacentes a essa atribuição, não se revendo na conduta da Comissão Executiva, que agiu em desrespeito dos deveres de colaboração institucional que lhe são conferidos».
Também António Costa – no debate quinzenal no Parlamento – considerou o modelo de distribuição de prémios decidido pela comissão executiva da TAP «incompatível com os padrões de sobriedade» que devem existir em empresas participadas pelo Estado.
Acordo de venda da TAP passado a pente fino
Perante este mal estar, e porque não tem poderes para ir mais além no âmbito do acordo parassocial a que o Estado se obrigou no momento da venda da TAP ao grupo de David Neeleman – e que blinda o poder dos privados em matéria de administração executiva -, o Governo decidiu mandar passar a ‘pente fino’ o acordo de venda da companhia aérea.
O que pode fazer renascer a questão do investimento que David Neeleman terá mesmo realizado aquando do processo de privatização da TAP e qual a sua relação com os negócios de compra de aviões da companhia aérea.
Uma questão que ganha maior relevo depois da TAP ter apresentado perdas de 118 milhões de euros em 2018. Tal como, aliás, a questão dos prémios.
É que os números falam por si. Tal como o i avançou na quinta-feira, o administrador da TAP Abílio Martins recebeu 110 mil euros de prémio da TAP. O ex-braço direito de Zeinal Bava na PT e na Oi beneficiou deste prémio mesmo com a empresa que administra, a Cateringpor, a apresentar perdas pela primeira vez. O mesmo valor foi recebido pelo chief revenue officer da TAP, Elton D’Souza.
De acordo com a lista a que o i e o SOL tiveram acesso, os valores variam entre os 110 mil e pouco mais de mil euros e foram pagos com o salário de maio.
O chief technical officer, Mário Lobato de Faria, surge no terceiro lugar do ranking, ao ter encaixado mais de 88 mil euros.
A seguir a estes valores milionários aparecem ainda prémios de 49 mil euros – Miguel Paiva Gomes, global chief cargo officer da TAP – e de 42 mil euros – Alexandra Reis, chief procurement officer.
Os restantes prémios são iguais ou inferiores a 30 mil euros, onde se destaca o de quase 18 mil euros recebido por Stéphanie Silva, do gabinete jurídico da empresa. A mulher de Fernando Medina e filha do ex-ministro da Agricultura Jaime Silva entrou na empresa a 1 de maio de 2018, a convite do acionista privado Atlantic Gateway.
Antonoaldo não desarma
Apesar das críticas a que tem sido alvo, o presidente da comissão executiva da TAP desvalorizou a polémica, afirmando que o programa de prémios na empresa tem prevista a atribuição de prémios individuais. Antonoaldo Neves foi mais longe e garantiu que os bónus «poderiam até ter sido maiores se a empresa tivesse gerado lucro» em 2018 e afirmou que «não tem nada de errado com isso», lembrando que a empresa defende uma cultura de meritocracia, gestão de empenho e entrega de resultados. Antonoaldo Neves disse ainda que em 2019 também haverá programa de prémios «para ser pago em 2020».
Segundo o presidente da TAP, foi o comité de moderação que definiu os critérios e atribuiu os prémios com base «nas melhores práticas de promoção e reconhecimento» que existem atualmente.
«O que entregámos no ano passado foi extraordinário e foi a componente individual e desempenho dos departamentos que fizeram um trabalho extraordinário», reforçou Antonoaldo Neves, lembrando as adversidades que afetaram a empresa, nomeadamente ao nível da escalada do preço do petróleo. «Estou muito seguro daquilo que a TAP tem feito e de como tem evoluído. Os trabalhadores merecem», disse. Já em relação ao bolo pago e que ultrapassou um milhão de euros, o gestor disse que a TAP paga mais de 700 milhões de euros por ano e que o valor que os trabalhadores criaram para a empresa é de «centenas de milhões de euros».
Argumentos que não convenceram o Governo nem os sindicatos.