O discurso que ‘apagou’ Marcelo no 10 de junho

João Miguel Tavares disparou contra os políticos no Dia de Portugal. Socialistas não gostaram e acusam-no de populismo. O comentador responde que fez ‘a coisa certa no sítio certo’.

A escolha de Marcelo Rebelo de Sousa foi polémica. O discurso ainda mais. O que disse, afinal, João Miguel Tavares que irritou a esquerda, entusiasmou a direita e quase apagou o discurso de Marcelo? Primeiro que «não é pelo talento e pelo trabalho que se ascende na vida», porque é preciso ter os amigos certos. A seguir que há «uma distância atlântica» entre os políticos e os cidadãos. E, pelo meio, apontou o dedo à corrupção e à classe política que pouco tem feito para a enfrentar.

«O meu discurso do 10 de Junho foi muito apreciado pelas pessoas que eu gostaria que o apreciassem, e foi muito atacado pelas pessoas que eu gostaria que o atacassem. A uns e a outros, o meu agradecimento», escreveu o jornalista e comentador, que presidiu este ano às comemorações do Dia de Portugal, na sua página do Facebook.

As maiores críticas vieram do lado dos socialistas. Porfírio Silva, deputado e dirigente do PS, criticou a «cantiga populista». Sem referir o nome de João Miguel Tavares, num comentário nas redes sociais, o socialista confessa que está «um bocado farto de políticos, assumidos ou não, que falam pelo povo em oposição aos políticos» e daqueles que esquecem «o que os políticos da democracia fizeram pelo país».

O deputado socialista Pedro Alves também criticou um discurso com «um conjunto de lugares generalizantes que encaminham para o populismo por força daquilo que deixam de dizer».  João Miguel Tavares defendeu que existe a perceção de que «o jogo está viciado», porque para ascender na vida «é preciso ter os amigos certos. Que é preciso nascer na família certa».

Pedro Alves, vice-presidente do grupo parlamentar do PS e responsável pela proposta para criar regras nas nomeações para o Governo, defendeu, no programa Sem Moderação, no Canal Q, que esta afirmação «é apenas um achismo» e que os estudos demonstram o contrário. «Em Portugal não só temos um aumento da mobilidade social ao longo dos últimos 45 anos» como «é o país da União Europeia em que ela mais cresceu», garantiu o deputado do PS.

O constitucionalista Vital Moreira também não simpatizou com um discurso que pediu «aos políticos, sejam eles de esquerda ou de direita, é que nos deem alguma coisa em que acreditar».

Para o ex-eurodeputado do PS, que escreveu sobre as comemorações do Dia de Portugal no blogue Causa Nossa, o mínimo que se esperaria de João Miguel Tavares era que «indicasse um ou dois dos tais desígnios nacionais», porque «numa democracia liberal, não devemos limitar-nos a pedir aos políticos que nos indiquem o caminho, mas sim contribuirmos individualmente para o escolher, coletivamente».

 

«Os laços de afinidade sempre tiveram muita força»

Uma das partes mais polémicas do discurso foi sobre o elevador social. A ideia de que não é possível subir na vida sem cunhas ganhou dimensão com a polémica à volta das nomeações para os gabinetes governamentais envolvendo laços familiares.

O sociólogo Elísio Estanque, em declarações ao SOL, afirma que «as relações pessoais e os laços de afinidade sempre tiveram uma força significativa» na sociedade portuguesa. «Os laços familiares e afetivos têm muita força e isso perverte a lógica da meritocracia. Mas sempre foi assim».

O sociólogo considera que o sistema de ensino «ainda não conseguiu cumprir a função de colocar aqueles que, à partida, estão em condições mais baixa da sociedade em condições de poder evoluir com base no seu próprio mérito», E, por outro lado, «os responsáveis, desde logo o governo, devem dar o exemplo, mas isso não tem acontecido», diz Elísio Estanque.

 

João Miguel Tavares recebeu ‘milhares de mensagens’

João Miguel Tavares, natural de Portalegre, onde se realizaram este ano as comemorações, foi uma escolha polémica. Várias personalidades contestaram a opção do Presidente da República depois das comemorações terem sido presididas por nomes como António Barreto, Sobrinho Simões, Sampaio da Nóvoa, Elvira Fortunato ou Eduardo Lourenço.

Marcelo, no discurso que fez em Portalegre, justificou a escolha com a «diferença, inconformismo, sinal de desejo profundo de mudança, horizontes ambiciosos e voz iconoclasta».

O discurso do jornalista, que todas as semanas participa no programa Governo Sombra com Ricardo Araújo Pereira e Pedro Mexia, foi um dos assuntos políticos mais badalados da semana. Na sua página do Facebook, João Miguel Tavares escreveu que recebeu «milhares de mensagens» ao longo destes dias. «Contribuíram para que eu tenha sentido que fiz a coisa certa, no sítio certo», afirma o comentador.