O presidente da companhia aérea brasileira Latam, Jerome Cadier, garante que David Neeleman está a tentar pressionar o órgão regulador brasileiro no processo de compra da também brasileira Avianca, usando uma campanha de mentiras. Ao SOL, Cadier afirma que o objetivo de Neeleman é ficar com a Avianca sem pagar um único cêntimo. Estas acusações surgem na mesma altura em que deputados do PS e do CDS já anunciaram que vão questionar o acionista privado da TAP sobre a forma como a companhia portuguesa foi adquirida – na última edição o SOL revelou que Neeleman terá usado um prémio de 70 milhões de euros dado pela Airbus pela troca dos A350 já encomendados pela TAP pública pelos novos A320 e A330.
Começando por dizer que não sabe avaliar «em profundidade o que foi feito para a compra da TAP», Jerome Cadier afirma que no Brasil o objetivo de Neeleman é ficar com a Avianca de uma forma duvidosa: «O que sei é que aqui no Brasil a Azul busca constantemente uma forma de adquirir os ativos da Avianca sem pagar o que eles valem».
Segundo o CEO da Latam, a Azul quer um procedimento de aquisição onde suja como única interessada, ou seja, sem qualquer concorrência. «A Azul faz isto desenhando formas de montar um Leilão onde só ela pode participar, negando que vai participar do Leilão aberto a todos, aprovado em Assembleia de Credores, sem um motivo claro».
Ao SOL, Cadier acusa ainda o concorrente de estar a montar «campanhas de comunicação baseadas em fatos inverídicos para pressionar o Órgão Regulador brasileiro a mudar as regras de distribuição de slots vigentes há anos no país para beneficiar somente a Azul». Um slot é o direito de aterrar ou descolar de determinada companhia aérea, sendo que estas têm diferentes slots definidos com cada aeroporto.
Nos últimos dias, o presidente da Latam tem recusado haver um pacto entre a sua companhia e a GOL com vista a criar dificuldades à entrada da Azul na ponte aérea Rio de Janeiro-São Paulo, através da atribuição de mais slots, lembrando inclusivamente que a Azul já tem direito de aterrar e descolar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo – 13 slots.
Partidos vão questionar na AR o acionista privado da TAP A notícia avançada na última edição e que dava conta de que Neeleman conseguiu em 2015 – com a troca da encomenda de 12 aviões A350, cujo valor da pré-encomenda já tinha sido pago pela companhia portuguesa, por outra de meia centena de aviões dos modelos A320 neo e A330 neo – encaixar 70 milhões de euros dados pela Airbus provocou esta semana reações da esquerda à direita.
Na prática o prémio da Airbus terá sido uma espécie de pagamento por custo de oportunidade, dado que o fabricante de aviões teria clientes para os A350 que iriam pagar mais do que o valor pelo qual a TAP tinha opção de compra, sendo tal montante usado na compra da companhia portuguesa. Todos terão assim ganhado com os recursos da companhia pública e o montante que Neeleman encaixou entrou na TAP como investimento privado, num negócio em que a Atlantic Gateway – de David Neeleman, dono da companhia aérea brasileira Azul, e de Humberto Pedrosa, o patrão do Grupo Barraqueiro – pagou 354 milhões por 61% da empresa (dos quais só 10 milhões foram parar ao Estado). Ao SOL, diversas fontes confirmaram que uma parte substancial do que Neeleman empatou na compra foi coberto pelo valor do prémio.
Ao jornal i, PCP, PS e CDS reagiram esta semana, deixando clara a preocupação dos partidos e garantindo que o acionista privado será questionado no parlamento sobre a alegada engenharia financeira.
Hélder Amaral, deputado do CDS, reagiu à notícia referindo que é «preciso perceber as verdadeiras intenções do acionista privado, a origem de recursos, desde logo os prémios, e ainda perceber se estavam no contrato e acordados com quem».
«Obviamente, mesmo privatizada, o que nós sempre defendemos, pressupunha-se que o investidor privado, o parceiro, fosse uma pessoa do setor, interessada em fazer crescer a TAP, séria e responsável», acrescentou.
Hélder Amaral afirmou ainda que não se pode «ignorar todos estes sinais, este ruído e a aparente desagregação entre a TAP pública e a TAP privada», deixando claro que o CDS nunca teve conhecimento do prémio concedido pela Airbus: «Em nenhum momento ficou a dúvida sequer de que haveria este bónus».
Do lado do PS também ficou a promessa de que o assunto não passará ao lado da comissão de Economia onde estarão elementos da administração da TAP, no próxima terça feira.
«A confirmar-se tudo o que foi noticiado pelo SOL e pelo jornal i, isso só reforça a nossa estranheza relativamente à forma como foi concluído o negócio de venda das participações que o Estado detinha na TAP ao grupo de David Neeleman, em circunstâncias que hoje são do conhecimento de toda a gente e ao qual sempre nos opusemos», afirmou esta semana o coordenador dos deputados socialistas na Comissão de Economia, Luís Testa.
PS fala em “negócio de alto risco” e PGR fica em silêncio Àquele diário, o deputado socialista frisou ainda que a venda da TAP foi «um negócio feito à 25.ª hora de um Governo de gestão», considerando que isso se traduziu num «negócio de alto risco, feito […] por um Governo sem condições para o fazer».
Luís Testa considera que existem agora «questões que têm de ser colocadas à administração da TAP», recordando que «a presença de elementos da administração na comissão de Economia já foi requerida e [que] aí haverá oportunidade de confrontá-los com aquilo que está a ser noticiado».
Já o PCP, através do deputado Bruno Dias, afirmou que a 20 de janeiro de 2016, numa reunião da comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, já tinha mostrado a sua preocupação sobre este processo, adiantando que na altura o Governo escusou-se a entrar em detalhes. E, defendendo o regresso do controlo efetivo da TAP ao Estado, concluiu: «Achamos que devem ser retiradas consequências do que parece ser claro».
O Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes da Área Metropolitana do Porto (STTAMP) também reagiu, dizendo que «em natural sintonia com os trabalhadores da TAP, seus associados, considera de superior importância uma investigação séria e imparcial com vista ao apuramento de toda a verdade e verificação da legalidade e da legitimidade desta operação». E anunciou que vai «solicitar os devidos esclarecimentos à tutela».
Questionada pelo SOL, sobre se existe alguma investigação em curso, a Procuradoria-Geral da República não enviou qualquer resposta até ao fecho desta edição.