A aproximação das eleições legislativas está a acentuar a tensão na ‘geringonça’, principalmente entre os socialistas e o BE. A estratégia do PS é apostar no eleitorado do centro com o discurso das contas certas e não desistir da maioria absoluta. Mas não caiu bem na ala esquerda do partido a violência usada pelo presidente do PS, Carlos César, para atacar o partido de Catarina Martins.
«Não gostei dessas declarações. Acho impróprias», diz ao SOL Ana Gomes, que não alinha com «uma atitude arrogante». A socialista confessa mesmo que «é por não gostar dessas atitudes arrogantes» que não é «a favor de que o PS tenha uma maioria absoluta. Para que seja obrigado a procurar entendimentos com a esquerda».
As jornadas parlamentares do PS, em Viseu, ficaram marcadas pelos ataques ao BE. Carlos César, logo na abertura e num comentário sobre as taxas moderadoras, afirmou que, se o PS fosse «sempre atrás do BE», o país voltaria «ao tempo da bancarrota». No dia seguinte, no discurso que fez aos deputados, não suavizou as críticas e voltou a disparar contra as «aventuras orçamentais que levariam ao colapso e à desconfiança internacional». Ao mesmo tempo, pediu uma «votação expressiva» para que o PS possa libertar-se dos «bloqueios», «constantes dificuldades» e «inércias».
António Costa falou a seguir, mas não aproveitou para aliviar o clima de tensão com os parceiros de coligação. Limitou-se a garantir que «valeu a pena» e ignorou o futuro da ‘geringonça’. Na reunião da Comissão Nacional do PS, à porta fechada, o secretário-geral do PS lançou mesmo críticas aos parceiros de coligação por reclamarem os louros das medidas que favorecem as pessoas e se distanciarem das medidas mais impopulares.
Pedro Nuno e Duarte Cordeiro defendem ‘geringonça’
Foi a ala de Pedro Nuno Santos que veio a público defender a continuidade do entendimento com os partidos de esquerda. Pedro Nuno Santos deu uma entrevista à SIC, na quinta-feira, e garantiu que a responsabilidade da esquerda conseguir trabalhar em conjunto «veio para ficar», porque «esta governação correu bem e para o sucesso deste Governo contribuíram oPCP, oBE e o PEV».
Na sexta-feira, foi a vez de Duarte Cordeiro, numa entrevista à Rádio Observador, defender que «o que funciona bem, e tem resultados e estabilidade, tem potencial para continuar». O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares acredita que esta solução não está esgotada, porque ainda há espaço para entendimentos em áreas como os «transportes, ferrovia, saúde, educação» ou «alterações climáticas».
OPS está, porém, virado para tentar a maioria absoluta ou, pelo menos, ficar mais perto dela. O que poderia tornar possível e bastante, por exemplo, um acordo com o PAN. Ana Catarina Mendes, a meio da reunião da Comissão Nacional, pediu aos portugueses «uma maioria absolutamente inequívoca para o partido».
A número dois do PS, que vai coordenar a campanha eleitoral para as legislativas, elogiou os contributos dos partidos à esquerda, mas quis deixar claro que o PS representa «o maior partido na solução de Governo» e «sem ele não seria possível um conjunto de resultados».
Os calendários para as legislativas já estão definidos. O programa eleitoral será apresentado no dia 20, numa convenção nacional, e as listas vão ser apresentadas no dia 27 de julho.
BE acusa César de ‘soberba’
Os critérios para a escolha dos deputados, que foram aprovados por uma larga maioria na reunião desta quinta-feira, apontam para uma maior representação de mulheres e para a aposta em personalidades independentes. «Queremos que haja uma maior participação de mulheres na política. Consideramos que isso é muito importante», disse Ana Catarina Mendes, garantindo que as listas vão incluir nomes da sociedade civil.
Os bloquistas não gostaram de ouvir Carlos César recuperar o discurso do diabo para colar a esquerda à bancarrota.
Joana Mortágua escreve, num artigo no jornal i, que Carlos César pretendia «justificar o seu próprio recuo na votação da eliminação das taxas moderadoras», mas «falharam os argumentos e só lhe sobrou a soberba». Para a deputada, oPS já está a fazer «outras contas, as da maioria absoluta, e Carlos César não tem saudades da ‘geringonça’».
José Gusmão foi o primeiro a reagir aos ataques do presidente do PS.
O dirigente e eurodeputado do BE considerou, em declarações ao jornal i, que Carlos César «pretende estilhaçar esta solução política e destruir quaisquer hipóteses de alcançar entendimentos futuros».
Gusmão lamentou ainda que o líder parlamentar do PS tenha resolvido «recauchutar o argumentário da direita para o atirar contra a solução política que construímos ao longo destes anos».