Regime jurídico das perícias médico-legais e forenses discutido hoje no Parlamento

Discute-se hoje na AR o diploma que altera o regime jurídico da realização de perícias médico-legais. Governo quer contratos com privados, mas profissionais garantem que está em risco a imparcialidade do trabalho.

O que levou os médicos do Instituto de Medicina Legal a fazerem greve no final de junho é discutido hoje no Parlamento: o diploma proposto pelo Governo que altera o regime jurídico da realização de perícias médico-legais e forenses vai hoje a debate, mas as dúvidas e críticas são muitas.

O objetivo, diz a tutela, é “dotar o sistema de capacidade de resposta a situações extraordinárias”, mas os profissionais da área têm dúvidas que seja assim tão linear, até porque, segundo estes, o documento apresentado deixa pontos por definir.

A ser aprovado, a proposta prevê que o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) mantenha a competência para realização de perícias médico-legais e forenses, mas coloca a hipótese de entidades externas poderem fazer também esse trabalho. Ora, abrindo esta possibilidade, o setor privado pode participar nas perícias.

Esta questão surge sobretudo porque o Estado quer realizar autópsias aos fins de semana e feriados – e não apenas nos dias úteis. Assim, o objetivo será criar uma escala própria, fazer contratos de trabalho por tempo indeterminado – entre médicos e o INMLCF – e criar contratos de prestação de serviços para os médicos que não pertencem ao Instituto de Medicina Legal – este último ponto é, aliás, o que gerou mais discórdia entre os profissionais de saúde.

A Ordem dos Médicos pronunciou-se na semana passada sobre o assunto, dizendo que este é um cenário negativo “para a qualidade e isenção dos serviços prestados”. “A Ordem tem de condenar esta proposta, uma vez que esvazia o INMLCF, que como temos vindo a alertar está a trabalhar no limite e com 70% do quadro de especialistas em Medicina Legal por preencher”, referiu Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos. Além disso, “a proposta prevê a abertura ao privado, mas não acautela as questões relacionadas com as qualificações e imparcialidade das entidades externas que serão contratadas”, diz Miguel Guimarães, acrescentando que “é inaceitável confiar peritagens a médicos do setor privado sem a garantia da inexistência de conflitos de interesses, nomeadamente no que às seguradoras e escritórios de advogados diz respeito”.

Pontos que falham na proposta Com a Ordem dos Médicos está também a Best Medical Opinion – empresa responsável pela elaboração de pareceres médicos. Esta empresa enviou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República um alerta para a importância de incluir na proposta hoje discutida um artigo sobre impedimentos e incompatibilidades. “Em particular, preocupa a eventual atribuição de idoneidade a entidades externas à atividade médica, que perante esta proposta, fica ao livre arbítrio, ferindo os valores defendidos”, defende a Best Medical Opinion.

Tendo em conta que no futuro podem ser feitos contratos com empresas privadas, para a Best Medical Opinion é necessário que se estabeleçam limites e que as perícias não sejam realizadas por médicos que estejam direta ou indiretamente ligados à perícia. Por exemplo, “as perícias não podem ser realizadas por médico que seja, ou tenha sido, cônjuge da pessoa sujeita à perícia”, ou “não podem exercer funções periciais, a qualquer título, no mesmo processo, médicos que sejam entre si cônjuges, parentes ou afins”.

Os médicos legistas que fizeram uma greve de dois dias no final do mês de junho, além de pediram uma carreira igual à dos médicos do Ministério da Saúde, manifestaram-se contra as medidas propostas pelo novo diploma. Durante a greve, os profissionais marcaram a sua posição: são contra a proposta que retira ao INMLCF a exclusividade sobre a avaliação pericial, apontando as questões de ética e riscos de imparcialidade.

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