Apropósito da relação entre o PS e os partidos à esquerda – BE e PCP – há quem fale do ‘polícia mau’ e do ‘polícia bom’.
O ‘polícia mau’ seria Carlos César, que não se tem cansado de bater no BE, dizendo que Catarina Martins não manda no Governo nem no país, que os bloquistas não respeitam a disciplina orçamental e que, se o Governo fizesse o que eles querem, o país regressaria «ao tempo da bancarrota» (sic).
O ‘polícia bom’ seria António Costa, que deita água na fervura, evita atacar a esquerda e diz constantemente que, mesmo que o PS vença as eleições com maioria absoluta, deseja reeditar a ‘geringonça’.
Não vejo a questão assim – com um PS cínico a assumir duas caras na relação com os seus companheiros de caminhada.
O que acontece hoje é que se vive no interior do PS uma situação de braço-de-ferro – que, aliás, é ilustrada pelo modo como tem evoluído a discussão da Lei de Bases da Saúde.
Os ziguezagues do PS, ora virando-se para esquerda, ora negociando com a direita, são o sinal de um jogo de forças que se trava dentro do partido do Governo.
Recorde-se que o ministro da Saúde anterior, Adalberto Campos Fernandes, um moderado, convidou Maria de Belém para redigir uma nova lei de bases.
Quando esta ministra tomou posse, rasgou esse projeto e mandou fazer outro, claramente mais à esquerda.
O PS começou a negociá-lo com o BE e com o PCP – mas deparou-se com divergências insanáveis e voltou-se para o PSD.
Finalmente, por nova pressão da ala esquerda, rompeu com o PSD e, qual catavento, reiniciou negociações com os comunistas e os bloquistas.
As divisões existentes no PS não poderiam encontrar exemplo mais eloquente!
De um lado temos Mário Centeno e alguns dirigentes ou ministros mais ‘velhos’, como Carlos César, Augusto Santos Silva e Vieira da Silva; do outro está Pedro Nuno Santos com ministros mais novos, como Tiago Brandão Rodrigues, Marta Temido e Graça Fonseca.
É óbvio que Centeno está amarrado à sua posição de presidente do Eurogrupo, pelo que, mesmo que quisesse ter outra atitude, tem de cumprir o défice à risca – o que implica controlar ferreamente a despesa, recorrendo sempre que necessário a cativações e cortando no investimento público.
Como teria ele moral para condenar as políticas financeiras de outros Estados-membros se não cumprisse o orçamento no seu próprio país?
Mas Centeno não está sozinho.
Carlos César, que já foi chefe do Governo (nos Açores), sabe a importância das contas certas.
Santos Silva, que é ministro dos Negócios Estrangeiros, percebe bem o relevo que hoje têm os resultados financeiros na credibilidade dos países.
Vieira da Silva, que é responsável pela Segurança Social, tem a perfeita noção dos perigos associados ao desequilíbrio orçamental.
Outra posição têm, naturalmente, os ministros mais inexperientes, mais debruçados sobre os seus setores e que querem mais dinheiro para fazer face às despesas.
É o caso do ministro da Educação, Brandão Rodrigues.
É o caso da ministra da Saúde, Marta Temido.
É o caso da ministra da Cultura, Graça Fonseca.
Todos eles tendem a encostar-se a Pedro Nuno Santos, que é o rosto da irreverência e da oposição às restrições impostas por Mário Centeno.
Dada esta divisão no Governo – e no PS -, a tendência é para se irem radicalizando posições.
E esta radicalização também se reflete na política de alianças.
Enquanto Centeno, Santos Silva e Vieira da Silva prefeririam um Governo de geometria variável, podendo negociar com a direita ou com a esquerda, Nuno Santos quer uma aliança estável com as esquerdas.
Voltou a dizê-lo na semana passada, em resposta a Carlos César: «A responsabilidade que nós temos de nos entendermos [com o BE e o PCP] veio para ficar».
No meio de tudo isto, Costa vai fazendo o papel de árbitro, tentando amenizar divergências e obter consensos.
Mas depois das eleições vai ver-se quem tem mais força.
Se o PS conseguir a maioria absoluta, julgo que governará sozinho.
Se não a conseguir, Centeno e companhia lutarão por um Governo minoritário, negociando as medidas caso a caso, enquanto Nuno Santos quererá manter a ‘geringonça’.
Julgo que Costa não dará razão a uns nem a outros.
Se os números permitirem precisar só do PAN para fazer maioria, será a solução mais cómoda – pois os entendimentos resumir-se-ão às áreas do Ambiente (que o PS quer valorizar), dos animais e da legislação ‘arco íris’.
Caso contrário, ou seja, caso o PS precise dos deputados de outro partido para fazer maioria, as coisas complicam-se.
A hipótese B seria fazer um acordo com o PCP – mas se este for na conversa, estará liquidado.
Se o PCP voltar a apoiar um Governo socialista e deixar o BE sozinho na oposição à esquerda, será o seu fim.
Restará ao PS reeditar a ‘geringonça’ (ou fazer um acordo só com o BE, o que irá dar ao mesmo).
Mas, neste caso, a ala moderada reagirá – e as tensões no interior do PS serão enormes.
Já não falta muito para sabermos o que vai acontecer.
Menos de seis meses.
Até lá, iremos assistir a uma guerra surda (e às vezes ruidosa) que terá Carlos César e Pedro Nuno Santos como protagonistas principais, já que Mário Centeno, como tem acontecido, ficará na sombra.