A Comissão do Mercado de Valores de Mobiliários (CMVM) vai analisar a queixa feita por um grupo de ex-administradores da Caixa Geral de Depósitos (CGD) após 2008 – dos mandatos de Faria de Oliveira (de 2008 a 2010) e de José de Matos (2011 a 2016) – contra a auditoria realizada pela EY, que avaliou os atos de gestão da Caixa Geral de Depósitos entre 2000 e 2015, apurou o SOL.
Uma questão que ganha maior revelo numa altura em que o Banco de Portugal revelou que vai divulgar publicamente até dia 17 de julho informação agregada sobre os grandes devedores da banca. Em causa estão os grandes devedores dos bancos CGD, BES/Novo Banco, Banif, BPN, BCP e BPI. Esta informação é, para já, confidencial, ainda que os deputados possam decidir divulgá-la, na totalidade ou em parte, no que considerem não estar coberto por segredo bancário.
O SOL já tinha avançado no início de junho que este grupo iria impugnar a auditoria que deu conta de negócios ruinosos na ordem dos dois mil milhões de euros – as perdas acumuladas registadas pela EY são de 1706 milhões de euros pré-2008, 230 milhões de euros entre 2008 e 2010 e 36 milhões de euros pós 2010 –, o que obrigou o banco público a uma recapitalização de mais de cinco mil milhões de euros.
Tal como SOL avançou, um dos pontos-chave por detrás da contestação por parte deste grupo está o facto da auditoria ter sido realizada pela EY SA e não pela EY Audit & Associados SROC.
A explicação é simples: só a segunda é que é regulamentada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e, por isso mesmo, defendem que o documento que está a servir de base à comissão de inquérito no Parlamento é encarado não como uma auditoria, que foi o que foi precisamente solicitado pelo Ministro das Finanças, mas como um ‘relatório’.
Também o controlo de qualidade do documento foi efetuado pela PWC Assessoria de Gestão, que, tal como a EY SA, não é uma auditora. Mais um argumento que «tira qualquer credibilidade ao trabalho, uma vez que não sendo regulado não tem valor como auditoria» e que será usado pelos ex-administradores do banco público, apurou, na altura, o SOL.
Mas os problemas não ficam por aqui. Os antigos administradores da Caixa apontam para dezenas de alegados «erros e incorreções infantis», que encontraram na auditoria aos atos de gestão do banco público. Uma situação que a CMVM eventualmente poderá não avaliar, uma vez que o documento não estará na esfera de supervisão do regulador de mercados.
‘Vícios inaceitáveis’
De acordo com este grupo, as conclusões da auditoria apresentam «inaceitáveis vícios de forma, ao ignorar o contexto macroeconómico e regulamentar. Não distingue os diferentes mandatos ao longo do período em análise e não efetua o benchmarking face aos outros bancos», acrescentando ainda que «não releva as condicionantes de política económica do período mais desafiante da gestão de um banco público em Portugal e apresenta inúmeros erros e inconsistências infantis e inaceitáveis para um relatório desta responsabilidade».
Uma fragilidade que levanta outras dúvidas aos ex-administradores da Caixa: «Como é que uma empresa que não é auditora, mas com uma designação parecida com a EY Audit, pode efetuar uma ‘auditoria’ sobre um tema tão relevante e mediático como os atos de gestão na CGD. E se uma empresa não licenciada e não supervisionada pela CMVM decidir operar, sem o devido consentimento, em áreas que são supervisionadas pelo regulador dos mercados (ex: corretagem), essa empresa não será imediatamente punida por atividade ilícita? Não será esse o caso da EY SA que afirma ter efetuado uma auditoria?», questionaram ao SOL estes ex-administradores.
Aliás, esse argumento não é novo. Faria de Oliveira, quando foi ouvido na comissão de inquérito à Caixa, no início de maio, apontou o dedo ao trabalho da consultora, considerando-o «enviesado» e «descuidado». E as críticas não ficaram por aqui. O atual presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB) garantiu ainda que o documento «tem vícios evidentes e conclusões erradas» que evidenciam «o quadro mental e a perceção de quem tem de fazer a avaliação».
Um argumento que voltou a ser repetido pelo ex-administrador do banco público Francisco Bandeira – que esteve à frente da Caixa entre 2005 e 2011, passando também pelo mandato de Faria de Oliveira – e que afirmou que o relatório de auditoria realizado pela EY ao banco público era «enviesado» e avaliou normativos antigos com regulamentos posteriores.
«É um relatório enviesado porque assenta numa amostra que não é minimamente representativa, baseado nos casos que geraram maiores imparidades», chegou a afirmar Bandeira no Parlamento.
Na altura, fonte oficial da Caixa disse apenas que «o pedido inicial efetuado foi à EY enquanto prestadora de serviços, não tendo feito distinção na forma. Foi o âmbito do trabalho que acabou por orientar a sua realização pela EY SA. Apesar de denominada como auditoria independente aos atos de gestão da CGD entre 2000 e 2015, o serviço prestado pela EY SA, não foi uma auditoria no sentido estritamente financeiro ou clássico do termo, de análise ou verificação de contas», e acrescentou: «O âmbito dos serviços a prestar pretendiam a realização de uma análise à conformidade dos atos de gestão da CGD praticados entre 2000 e 2015 pelas diversas administrações, relativos a uma amostra de operações de crédito, aquisição e alienação de ativos e operações relacionadas com decisões estratégicas. Nesse sentido, porque não se pretendia analisar ou verificar as contas da CGD, mas sim processos e procedimentos, a entidade a contratar foi a EY SA».
No início do ano, o ministro das Finanças garantiu que a auditoria pedida à EY seria diferente de todas as outras anteriores. «Foram sete Governos e oito ministros das Finanças», disse Mário Centeno.