A esquerda – PS, PCP e Bloco de Esquerda – anunciaram na passada sexta-feira que há um acordo para aprovar uma nova Lei de Bases da Saúde. A regra é a de que se revoga toda a legislação aprovada por Governos de direita (Cavaco Silva e Durão Barroso) sobre parcerias público-privadas (PPP), eliminando-se referências às PPP na legislação, e haverá um prazo de seis meses (180 dias) para regulamentar a gestão pública dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Acabaram as PPP na saúde? Não necessariamente.
A versão que está em cima da mesa para ir a votos no dia 19, no Parlamento, deixa a porta aberta à renovação das atuais parcerias em hospitais se o Estado considerar que é melhor para os utentes. O líder parlamentar do PS, Carlos César, chamou-lhes “circunstâncias excecionais” numa declaração a partir dos Açores, após o anúncio do acordo com a esquerda.
Mais tarde, o primeiro-ministro, António Costa, colocou em cima da mesa a visão do Governo e do PS: a opção política deste Governo “é a de não fazer mais parcerias público-privadas para além dos estabelecimentos onde já há PPP, e só renovar quando se justifique que elas se renovem”. E a nova lei de bases “tem de ter a flexibilidade necessária para permitir o respeito por diferentes opções políticas que os portugueses realizem em cada momento” – um argumento essencial para que a lei passe no crivo da Presidência sem direito a veto e que terá sido acautelado na feitura da proposta acordada à esquerda.
Ora, tanto o PCP como o Bloco de Esquerda são contra as parcerias público-privadas. Contudo, os dois partidos aceitaram dar a mão ao PS porque o princípio da gestão pública do SNS ficou inscrito na lei. Porém, o líder comunista, Jerónimo de Sousa, deixou ontem avisos ao PS e ao Governo de que é “fundamental uma clarificação” sobre os negócios com privados, sobretudo na referida regulamentação a fazer, após a aprovação da lei no prazo de seis meses. “Há um problema para resolver na sociedade portuguesa, o de saber se o Governo vai cumprir o que a Constituição diz, ou vai transformar o direito à saúde num negócio para os privados, para os grandes grupos económicos”, declarou Jerónimo de Sousa na Foz do Arelho, distrito de Leiria, citado pela RTP.
Ora, o acordo à esquerda prevê na Base vi da lei que “a responsabilidade do Estado pela realização do direito à proteção da saúde efetiva-se, primeiramente, através do Serviço Nacional de Saúde e de outros serviços públicos, podendo, de forma supletiva e temporária, ser celebrados acordos com entidades privadas e do setor social, bem como com profissionais em regime de trabalho independente, em caso de necessidade fundamentada”. Neste ponto entra, depois, o prazo de 180 dias para regulamentar a gestão pública do SNS – que caberá a um próximo Governo.
Num comunicado oficial da bancada do PS acrescenta-se que a “proposta assenta no espírito que decorre da definição constante da Base vi, com a qual o Partido Socialista plenamente se identifica, remetendo para regulamentação futura os termos de gestão no âmbito da responsabilidade do Estado definida na Base vi, mas não interditando qualquer forma de gestão”.
Assim, as leituras do acordo à esquerda não parecem ser exatamente iguais. Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, começou por dizer, no sábado, que o acordo prevê que até à regulamentação da gestão do SNS, no prazo de 180 dias, “ninguém pode fazer novas PPP”. Até aqui, tudo parece estar alinhado à esquerda. Contudo, Catarina Martins explicou que o texto acordado não se refere a parcerias público-privadas, de concessão de gestão, mas sim a cuidados de saúde propriamente ditos. “Quando o SNS não é capaz de prestar um cuidado de saúde, pode contratualizar um privado de uma forma supletiva. É o caso da hemodiálise”, exemplificou a líder do BE, no dia seguinte ao anúncio do acordo, citada pela RTP.
Na próxima quarta-feira, dia 17, a ministra da Saúde, Marta Temido, irá à Comissão de Saúde para ser confrontada pelo PCP e pelo BE sobre as parcerias público-privadas dos hospitais de Cascais, Loures e Vila Franca de Xira. Dois dias depois segue-se a votação final no Parlamento. Depois da decisão do regresso do Hospital de Braga à esfera pública, a partir de setembro, um dos dossiês em aberto para este final de legislatura era o lançamento de um concurso para uma nova PPP no Hospital de Cascais. Em junho, o Ministério da Saúde indicou ao i que os procedimentos para o novo concurso estavam a decorrer dentro dos prazos fixados, esperando-se a entrega dos documentos necessários para abrir concurso este mês. No caso de Vila Franca, a ARS propôs o prolongamento do contrato ao Grupo Mello. Entretanto, o Governo remeteu uma decisão sobre a futura gestão para a próxima legislatura.