Na última crónica, falei de corrupção e foi um corrupio de telefonemas a ‘admoestarem-me’ por vir lembrar factos que melhor estariam no poço do esquecimento. Toca-se no vespeiro… e é isto!
Por mim, apenas quis dizer: em matéria de combate à corrupção, se a atualidade não nos recomenda, o passado foi bem pior. E as melhorias aconteceram, não por mérito de qualquer plano de combate à calamidade – o que dá plena razão ao Relatório do GRECO – mas por força de uma imprensa mais livre para denunciar os escândalos, mesmo se sujeita a uma chuva de acusações de tabloidização. É o normal: ataca-se o mensageiro, em vez de se fazer prova da falsidade da mensagem.
Este é um domínio em que não se confirma o lugar-comum ‘dantes é que era bom’. Uma análise objetiva do fenómeno mostra que ‘dantes’… era uma vergonha. Basta lembrar as relações promíscuas na trilogia autarquias-futebol-construção, finalmente sob vigilância, ou as palavras do Dr. Almeida Santos: «Sei de quem recebeu 30.000 contos só para mudar uma vírgula num diploma legal».
Vendo bem, quem poderá esquecer escândalos como o das empresas que não pagavam impostos sobre os lucros, graças às ‘antenas’ plantadas nas repartições de finanças; dos especialistas de planeamento fiscal, que tinham para oferecer fórmulas para fugir aos impostos, inventadas em parceria, bem premiada, com experientes quadros tributários; das escrituras feitas por metade do preço, porque os funcionários das finanças aproveitavam a batota para comprarem casas… pelos preços escriturados; dos projetos de arquitetura com aprovação garantida, se saíssem de gabinetes onde os técnicos municipais tinham interesses velados; dos andares recuados, que nasciam durante a construção, para acabarem na posse de presidentes de câmaras; dos apartamentos pagos em notas, que a imprensa não denunciava, porque os patrões ameaçavam as redações com o encerramento imediato das publicações, caso fosse feita alguma referência à lavagem de dinheiro mais que óbvia.
A erva daninha medrou nos consulados de Cavaco Silva, António Guterres e Durão Barroso, e infestou o prado da democracia. Quando José Sócrates chegou, a pouca vergonha já era moeda corrente e os ‘oficiais às ordens’ só tiveram de usar o livre-trânsito para as traficâncias. Mas a tragédia não autoriza ninguém a ter saudades dos tempos do ‘agarra-agarra’, de quando os ministérios e as autarquias produziam ricos, em vez de obra.
O Portugal de 2019 já não é um paraíso para os malfeitores, mas as denúncias do GRECO são terrivelmente verdadeiras: os poderes públicos nada fizeram na luta contra a corrupção.
Em quarenta e cinco anos de democracia, o amiguismo e o cambalacho prosperaram. Falharam os deputados, que não legislaram para erradicar a doença, os governos, que consentiram os desmandos, e o Ministério Público, que esqueceu a sua missão de investigar e acusar. Todos foram cúmplices na instalação do clima de impunidade que continua a ser a norma. A sociedade civil também falhou, porque se resignou ao que tomou como uma fatalidade.