Portugal registou um excedente orçamental de 0,4% do PIB no primeiro trimestre. Ficou surpreendido?
Os resultados para este ano eram expectáveis, porque dependemos muito de variáveis externas e de algumas internas e as variáveis externas alinharam-se para que Portugal consiga estes resultados. Mas se Portugal tivesse agido mais sobre as variáveis internas eventualmente os resultados até poderiam ter sido melhores. O investimento público está lamentavelmente aos níveis de há 12 anos e o crescimento tem sido anémico. Tivemos um bom crescimento no ano passado, mas precisaríamos de ter um crescimento de 3% ou de 4%.
Patamares que muito dificilmente alcançamos…
Só ultrapassámos essa barreira em dois períodos e por dois choques externos. Uma com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e depois com a nossa entrada na União Europeia. Foram dois grandes períodos. Agora o nosso crescimento tem sido anémico, porque tem-se promovido pouco o investimento quer externo, quer interno. Não se tem acarinhado o investimento com uma uma previsibilidade fiscal. Felizmente também por azar de outros – e estou a falar do turismo – o terrorismo, a perceção da insegurança de alguns destinos turísticos alterou os fluxos turísticos e Portugal e, principalmente as suas duas grandes cidades, são hoje fenómenos de atração turística que têm empurrado outras atividades. Por isso, obtivemos uma redução extraordinária do desemprego, estamos quase em pleno emprego, temos o setor da construção pela reabilitação a crescer, mais outras atividades conexas, como a restauração, etc. Portugal, fruto destes fluxos turísticos que todos desejamos que se mantenham, tem aproveitado e tem gerado resultados que obviamente todos apreciamos. Mas se tivéssemos melhorado mais as variáveis internas provavelmente teríamos uma sustentabilidade diferente. O Governo apostou na melhoria dos rendimentos das famílias, obviamente tinha de fazer alguma coisa atendendo ao período de austeridade com a entrada da troika, mas não podia ter-se esquecido da melhoria das condições de investimento e da melhoria de fatores que permitissem às empresas exportar em condições mais concorrenciais.
Mas estes resultados devem-se à custa do aumento de impostos…
Temos hoje um esforço fiscal superior à média europeia e não se atuou na redução da despesa. Continuamos a aumentar a dívida pública, porque as reformas que deveriam ter sido feitas não foram feitas. É o caso da reforma fiscal e da reforma da administração pública – e, quando falo nesta última, não falo na forma como depois os críticos vêm imediatamente reagir a dizer que estamos a defender o desemprego dos funcionários públicos. A reforma da administração pública é para gerar maior eficiência. Há hoje ministérios com falta de pessoal e depois há outros com pessoal a mais. É preciso fazer como se faz nas empresas: reestruturar. O privado fez isso no tempo da austeridade e a esmagadora maioria do desemprego que este país gerou no tempo da troika foi lamentavelmente muito do privado. Sendo certo que saíram qualquer coisa como 70 mil funcionários públicos, mas, ainda assim, a dívida continuou a aumentar.
Mas ainda se falou na reforma da administração pública…
A reforma da administração que o Governo anterior ensaiou com aquele guião que Paulo Portas nos apresentou não passou disso: de um ensaio. Também este Governo não promoveu e estamos há sucessivos Governos sem que se faça uma verdadeira reforma da administração pública, dando-lhe maior eficiência e eficácia. E como não há investimento público assiste-se à degradação dos equipamentos, como na área da Saúde e não só. Acabam por aumentar os impostos porque as empresas e os cidadãos são uma fonte aparentemente inesgotável de capacidade para suportar isso. No entanto, as empresas e as famílias estão exauridas pela sua carga fiscal e, por isso, aplaudo as recentes medidas anunciadas que o líder do PSD apresentou no final da semana passada, onde veio anunciar uma redução gradual da carga fiscal não apenas do IRC, mas também do IRS. Mas uma coisa é prometer e outra é fazer e fazer com sustentabilidade. Os políticos não deviam anunciar medidas apenas eleitoralistas, tem de se pensar nas gerações e não nas eleições. Pensar nas gerações é gizar políticas públicas consentâneas com o país, com as suas características e com a possibilidade que temos de sustentadamente reformularmos o modelo de desenvolvimento do país. Prometermos sem demonstramos que isso é possível às vezes é perigoso, porque promete-se e não se cumpre.
O que seria desejável em termos de IRC?
Cumprir aquilo que já foi feito no Governo anterior. Fez-se uma reforma do IRC, programou-se uma redução gradual da taxa até aos 17%/18% e, como isso não pode ser feito de um ano para o outro, que se defina um prazo. Numa legislatura há medidas e há políticas públicas que carecem de duas coisas: maiorias parlamentares que as suportem pelos dois terços que constitucionalmente se exige e tempo. Ou seja, uma maioria parlamentar para as legitimar e tempo para as executar. Temos de dar tempo e de dar condições para que o país, a economia e as famílias se adaptem às situações. Por cada Orçamento de Estado é alterado o quadro fiscal ou porque vem um adicional ao IMI ou porque vem uma contribuição autónoma diferente. Há sempre qualquer coisa de diferente, porque o Governo tem de compensar a despesa, principalmente quando promete aumentar uma classe profissional, sejam eles os enfermeiros, médicos ou funcionários públicos em geral. As coisas têm de ser feitas com racionalidade, tal como acontece nos privados. A política salarial da privada e da pública tem de estar indexada a fatores que sejam mensuráveis e possam ser avaliados – inflação, crescimento económico e produtividade -, tal como tentamos fazer em sede de concertação social quando se discute o salário mínimo nacional. Não podemos aumentar este ou aquele setor por vontade política, a economia não se rege por vontades políticas. A vontade política aponta caminhos, mas a economia tem regras próprias.
Mas foi isso a que se assistiu nesta legislatura…
Foi um pouco isso que se viu, mas não foi culpa só deste Governo. Por exemplo, no caso do salário mínimo nacional está definido que o Governo é que o define, ouvidos os parceiros sociais. Quando a Constituição diz que é ‘ouvidos os parceiros sociais’ é obviamente para se fazer uma negociação com aqueles que vão ter de o pagar e têm de gerar as condições para isso. Os salários não podem ser definidos por decreto, porque quando se dá à política a definição do salário quando o Governo é de direita tem uma determinada leitura e quando é de esquerda tem outra. Isso não pode ser definido ao sabor da política, tem de ser ao sabor da economia, com factos mensuráveis, intelectualmente honestos na discussão e indexados aos tais parâmetros de que falei. Se deixarmos isso à vontade da política ou deste ou daquele decisor, sejam eles de esquerda ou de direita, dá mau resultado. Só negociando a sério é que se chega a um resultado real. Lamentavelmente, não é isso que tem acontecido.
Faz sentido haver um salário mínimo para o público e outro para o privado?
Não acho que faça sentido e o Governo surpreendeu-nos, no ano passado, com essa medida. No dia em que se fechou o acordo parao salário mínimo no privado, anunciou mais 35 euros para o público. É evidente que o patrão dos funcionários públicos é o Governo e o patrão Governo/Estado saberá com que linhas é que se coze para saber se pode ou não pode fazer isso. Mas o que não me deixa de surpreender é que o Governo tenha essa política e depois aumente os impostos da forma como aumentou só para as satisfazer.
E este ano está a ser atípico em termos de eleições…
Foi um ano atípico e os tiques eleitoralistas não são só um problema do PS. Lamentavelmente, é uma prática de todos os Governos e de todos os partidos. Mesmo que o partido político tenha como objetivo ter poder e ganhar eleições, com a democracia que já levamos e que de alguma forma já está consolidada deveríamos ter hoje práticas política-partidárias mais maduras e menos demagógicas.
Ainda assim não foge das greves nem do descontentamento de quase toda a administração pública. Era previsível?
Já era expectável porque quando se promete tudo a todos e depois só se dá alguma coisa a alguns dá mau resultado, porque se criam expectativas e cada vez mais a política é de gestão de expectativas. Este Governo de maioria de esquerda parlamentar criou expectativas, porque no seu programa prometeu tudo a todos, mas depois, sentados nas cadeiras da responsabilidade, perceberam que as promessas que não tinham possibilidade de serem satisfeitas. Por isso digo que aqueles que em eleições prometem devem ter cada vez mais o cuidado com as promessas que fazem, porque o escrutínio do seu cumprimento é hoje muito apurado. Só se deve prometer o que se pode cumprir e quando se promete tudo a todos geram-se essas expectativas e quando se dá apenas algumas coisas a alguns, as expectativas frustradas geram reação e são a essas que estamos a assistir.
É o caso dos professores…
O problema é que aos professores foi prometida a satisfação da reivindicação do congelamento de carreiras, mas recuou-se quando se percebeu que isso tem um custo e que a receita do Estado não consegue acompanhar porque a carga fiscal já é tanta e para compensar esse aumento da despesa teria de ir buscar, mais uma vez, a impostos ou à dolorosa terapia da redução da despesa do Estado. De facto, entre cumprir a promessa e frustrar as expectativas é mais sensato frustrar as expectativas, porque a receita não comporta este enorme aumento da despesa.
O Orçamento ainda canalizou 50 milhões só para a função pública…
Deviam ter feito as contas previamente. A todas as corporações e classes profissionais a quem foram criadas expectativas ou que alimentaram expectativas e que ninguém lhas retirou, a minha expectativa depois não tem correspondência no resultado e a reação acontece.
No entanto, os partidos de esquerda agora afastam-se das decisões do Governo…
A política é fértil em dizer tudo e o seu contrário e, de acordo com as suas conveniências, assim se faz o discurso e, por isso, falo da degradação da classe política. Por exemplo, as redes sociais, ninguém controla, ninguém audita e se os políticos não assimilarem essa novidade da informação pode trazer complicações a prazo. Os partidos tal como tudo na vida têm de ser atuais, têm de saber viver na época em que nos encontramos. As classes sociais sempre foram as mesmas ao longo da humanidade: baixas, médias e altas, só que hoje pela primeira vez as classes mais desfavorecidas são ricas em informação e milionárias em expectativas. Toda a gente tem telefone, toda a gente vai à internet e percebe que há mundos muito melhores em relação aquele onde estão. O que é que isto provoca? Migrações, porque percebem que em determinadas regiões do mundo há abundância, não há fome e pensam: se estou numa zona onde isso me rodeia é normal andar à procura do paraíso tendo em conta que estou no inferno. Tudo isto cria expectativas e, mais uma vez, dosear estas expectativas é uma arte que temos de saber encontrar da melhor forma e caberia aos partidos políticos incorporar essa nova realidade e ir encontrando as melhores respostas, já que todos eles querem aceder ao poder e querem ser Governo. Por isso, têm de ter estratégias de desenvolvimento para o país e a degradação e a incorreta ou insuficiente adaptação a estas novas realidades que o mundo hoje comporta leva a desajustamentos, daí os partidos políticos ainda andam um pouco cegos à procura de encontrar as melhores formas de darem corpo às suas ideias. É por isto que, na minha opinião, estamos a assistir a uma degradação da classe política. Há dias, um deputado dizia-me que estava há algumas legislaturas – três, se não estou em erro – e é com pena que olha para as primeiras filas do Parlamento e compara-as com as primeiras filas de algumas legislaturas atrás e diz que a degradação da qualidade é gritante. A perda da qualidade da classe política tem-se notado e tem várias razões. Talvez porque os mais capazes e os mais competentes vão-se desligando da vida pública porque a exposição que acompanha a vida pública afasta-os. A vida pública tem hoje exigências que nem todos estão disponíveis para assumir, nem se querem expor a isso. Depois há aqui um outro fenómeno que são as juventudes partidárias que foram crescendo. Se olhar para a maior parte dos nossos dirigentes políticos, dos governantes, com honrosas exceções que existem, que empresas é que já geriram? Que salários é que já pagaram? Que livranças é que assinaram e que garantias pessoais e familiares deram? Que experiência de vida profissional é que tiveram sem ser de juventudes partidárias, de partidos ou de consultores? Veja no atual panorama quantos é que têm experiência empresarial. Não estou a dizer que a experiência empresarial é a única razão ou devia ser o único critério ou passaporte para se chegar a governante. Há obviamente outras competências e eles deverão tê-las seguramente, mas cada vez mais vamos sendo governados por – não quero ofender ninguém – bebés provetas, gente com pouca aderência para o dia-a-dia, para a realidade da vida. E, em termos económicos, faz sentido que a Irlanda tenha 12% de taxa de IRC quando em Portugal termos 21%? E depois queremos atrair investimento para Portugal quando dentro da União Europeia, e não estou a falar da China, temos desigualdades de oportunidades? Em termos de fatores concorrenciais, a Europa como zona económica deveria preocupar-se em atrair para esta região investimento. Devia ter uma política de atratividade do investimento, porque hoje, além dos países, são os blocos económicos que estão a concorrer entre si.
Deveria existir uma harmonização fiscal?
Sem dúvida. A Europa não tem uma política comum e não faz sentido que a Europa esteja a perder essa capacidade de atração. Dou-lhe este exemplo: hoje falamos muito de digitalização, muito desta economia digital e do tempo que aí vem, do futuro do trabalho, da robótica, etc., mas 75% das empresas tecnológicas são dos Estados Unidos, 25% são da Ásia e só 3% são da Europa. Como vamos competir nesta nova economia digital? Como é que a Europa vai competir quando a sua dimensão é esta? Temos de fazer um trabalho de casa muito rápido e muito bem feito.
E depois Portugal tem uma muito pequena percentagem desses 3%…
Exatamente. Cada Estado europeu tem as suas armas e joga com elas. E, depois, se os investidores internacionais – asiáticos, africanos, sul-americanos – olharem para a Europa e por qualquer razão da sua estratégia quiserem investir no espaço europeu vão olhá-lo no seu todo. Que fatores de atratividade é que tenho se for para a Irlanda? Este, este, este. Então e se for para Portugal? E se for para Inglaterra? E assim sucessivamente.
E nem projetos como o Web Summit atraem o suficiente?
Projetos como o Web Summit dão-nos visibilidade, põem-nos no radar.
E conflitos como os da Autoeuropa podem manchar a imagem externa?
Claro. A Autoeuropa tinha um acordo com a anterior comissão de trabalhadores que deu estabilidade laboral. O acordo que, na altura foi feito, foi feito contra a CGTP. A central sindical, nesse tempo liderada por Carvalho da Silva, esteve contra o acordo. Só que a comissão de trabalhadores, que era independente dos sindicatos, resolveu fazer que aquilo era o melhor para a empresa. Terminado esse acordo, foi necessário fazer a sua revisão, já num tempo diferente, em que a liderança da comissão de trabalhadores já não era a mesma e onde a comissão de trabalhadores era um ‘saco de gatos’ de pessoas da CGTP, da UGT, independentes. Como deixou de haver liderança, permitiu-se que as centrais sindicais, muito a CGTP, pusessem o pau na roda. Por via sindical e politizando o problema, o acordo que deveria ser revalidado começou a sofrer perturbações. E quando os sindicatos não encontram as melhores respostas é natural que os trabalhadores que não se identificam com as atuais lideranças criem eles próprios alternativas. E começaram a surgir sindicatos não afetos nem à UGT nem à CGTP – os chamados independentes -, que, em algumas zonas, ganharam preponderância. A Autoeuropa, felizmente, conseguiu ultrapassar a situação, mas há agora a questão dos motoristas dos materiais perigosos. Sindicatos que não estão filiados nem na CGTP nem na UGT, em que não há uma cadeia de diálogo. Nestes dois últimos anos, apareceram 24 novos sindicatos. Dois filiaram-se na UGT, 22 não se filiaram em nenhuma das centrais sindicais. Quando isso acontece deixa-se de ter capacidade de diálogo porque em concertação social estão sentadas as duas centrais sindicais e as quatro patronais. Quando há sindicatos como estes, que não têm esta capacidade de negociação, acaba por dificultar muito as negociações. E no caso dos combustíveis têm uma arma poderosíssima, porque são os únicos e valem-se dessa arma. Se o Governo não tiver inteligência de criar alternativas – não sei quais, mas vai ter de criar – deixa que aquelas 700 pessoas parem o país. Nenhum país pode ficar refém de fatores desta dimensão. Independentemente da legitimidade que as pessoas tenham nalgumas das suas reivindicações. O que acho é que eles, fruto desta força com que se sentem, estão a pôr a fasquia demasiado alta. Nenhuma empresa, a não ser que tenha lucros extraordinários ou que tenha uma política salarial desumana, pode satisfazer essas exigências. Querem duplicar o salário? Mas as empresas de transportes têm margem para duplicar salários nas sua folhas de salários?
Então qual é a solução?
Vou ver a concorrência, por exemplo, a espanhola. É necessário encontrar alternativas para que haja racionalidade na discussão. Porque quando qualquer das partes – sejam empregadores ou trabalhadores – perde a racionalidade, como tudo na vida, está tudo estragado. À mesa negocial acontece o mesmo. Nem os empregadores podem perder a racionalidade, nem os trabalhadores. Não está em causa que precisam de mais, não posso é querer aumentar o meu salário para o dobro e no dia seguinte estar desempregado porque a empresa faliu. O que ganho eu com esse negócio? Estou a generalizar, não estou a dizer que seja este o caso. O que eu quero dizer é que, quando se perde racionalidade na discussão, independentemente da legitimidade que haja neste ou naquele argumento, como se consegue o diálogo?
É preciso chegar a um acordo com bom senso?
Tem de haver sempre cedências num acordo. Por isso é que o desenho e as condições que se levam à negociação têm de ser preparadas e estruturadas para que a dignidade das partes se mantenha.
Mas por este sindicato não estar integrado numa central sindical corre-se o risco de haver posições mais extremadas?
Sou defensor do associativismo, seja ele patronal ou sindical, vejo muitos méritos no associativismo, mas num associativismo consequente, estruturado, pensado com a velha máxima que juntos vamos mais longe. Gosto muito de usar uma frase nos meus discursos: sozinhos pensamos que vamos mais depressa, mas esquecemo-nos que juntos vamos mais longe. Isto é o associativismo, devo estar junto porque junto vou sempre mais longe, tenho sempre melhores resultados, temos mais condições.
Mas exigiu a intervenção do Governo…
O Governo o que disse é que ou havia juizinho ou iria intervir, como não podia deixar de ser. Não podíamos deixar os aeroportos sem combustível. O que aconteceria? O país parava? Por muita razão que as pessoas tenham e, mesmo que a tivessem em todos os pontos, o país é mais importante do que 700 pessoas. Se tenho um cancro no dedo, corto o dedo; se tenho um tumor na mão, corto a mão. Por muita razão que aqueles senhores tenham, há formas de obterem essa razão, o país é que não pode ficar refém seja do que for e de quem for. É preciso tomar medidas. Se isto for outra vez avante a 15 de agosto, como prometem, é bom que o Governo já esteja a pensar no que vai fazer, porque não pode ser apanhado de surpresa como foi da última vez. Porque de repente apercebemo-nos, o que também é absurdo, que não temos pipeline para alimentar o aeroporto, estamos dependentes do transporte rodoviário. Então paramos hospitais, aeroportos, o país pára?
Desta vez o Governo tem um mês pela frente…
É bom que faça o trabalho de casa.
Voltando ao salário mínimo. O PSD disse que havia condições para subir. Concorda?
Essa é daquelas verdades de La Palice. O salário mínimo nacional tem aumentado todos os anos, com exceção daqueles períodos da troika, em que esteve dois anos sem aumentar. Por isso, há condições para aumentar o salário mínimo? Sim. Todos os anos há.
Mas para os 650 euros do BE?
Mantenho o que já disse. A política salarial não pode ser determinada por politiquices. A política salarial de um país, de uma empresa tem de ser determinada por fatores e por objetivos intelectualmente honestos. Não vou esconder que dificilmente o próximo Governo, seja ele qual for, vai ter dificuldade em apresentar um valor de salário mínimo que não seja, pelo menos, de 635 euros, porque é isso que o Governo tem na pública. Como é que qualquer Governo vindouro vai apresentar uma proposta de salário mínimo que não seja, pelo menos, o que tem no setor público?
Mas muito longe daquele patamar que a CGTP defendeu naquele primeiro de maio, de 850 euros. Defende este aumento?
O salário mínimo em Portugal é baixo? É. Mas quero preservar emprego. Do universo das 150 mil empresas que a CIP representa, muito poucas pagam o salário mínimo. As que o pagam são empresas geralmente no setor do têxtil e confeção, que estão muito expostas à concorrência internacional e o crescimento brutal do valor do salário mínimo em algumas empresas pode provocar o desemprego. A empresa deixou de ser produtiva, perdeu encomendas e depois vai manter as mil pessoas?
No caso da proposta da CGTP, trata-se de um aumento de 250 euros…
Esse tipo de empresas não suporta aumentos repentinos dessa dimensão. Temos de dar tempo para ir gradualmente aumentando. Como tudo na vida, tem de haver razoabilidade. A progressão deve existir, faz parte da negociação, mas não pode haver uma pressão irracional. Temos de aumentar de acordo com as possibilidades.
Quase em véspera de eleições, o que espera da próxima legislatura? Uma solução idêntica a esta?
A esta distância, acho que o PS será o partido vencedor, mas muito por demérito da oposição.
Com maioria absoluta ou vai necessitar dos partidos de esquerda e formar uma nova ‘geringonça’?
O que a economia necessita é de estabilidade política e social e, para cumprir esses dois objetivos, precisamos de um Governo com condições para governar. Esse Governo, para ter condições de governar, precisa de ter ou uma maioria na Assembleia ou gizar acordos parlamentares que deem essa estabilidade política. A geometria variável das alianças partidárias em sede de Parlamento não se esgotam na esquerda.
Defende acordos com PSD ou CDS?
Pode fazer acordos com aqueles que lhe deem condições de ter a maioria para fazer as reformas de que o país necessita. Como algumas delas necessitam de dois terços, o Governo tem de ter condições ou gerar essas condições para ter os dois terços.
Mas ao mesmo tempo vão surgindo novos partidos…
É o caso do PAN e provavelmente nas legislativas voltará a ser uma surpresa para os analistas. Quando as atuais estruturas orgânicas não respondem às expectativas dos seus eleitores, os eleitores encontram soluções. É verdade nos partidos como é verdade nas outras corporações.
O que aconteceu a Rui Rio que desde que apareceu como líder do PSD não conseguiu agarrar nem o eleitorado nem o próprio partido?
Há uma expressão popular que diz que não se tem uma segunda oportunidade para se causar uma primeira boa impressão. Na minha opinião, Rui Rio perdeu essa oportunidade. Entrou mal, titubeante e, até agora, com algumas exceções, não foi capaz de transmitir aos portugueses um projeto de alternativa. Depois, o atual PSD é um partido de fações, de guerras de poder e isso diminuiu-lhe também a capacidade de liderança, porque o pior opositor está dentro do próprio partido. Santana Lopes autonomizou-se e fez o Aliança, mas depois há Luís Montenegro, Miguel Pinto Luz, Pedro Duarte e eventualmente um outro que ainda possa aparecer. Também o grupo parlamentar, de alguma maneira, não é o seu grupo parlamentar, não foi escolhido por si. E isso verifica-se depois na assertividade, no combate partidário que o PSD poderia e deveria fazer, porque a democracia ficaria enriquecida com uma oposição mais forte e mais assistida.
Por falar em rumo. Há um estudo que a CIP apresentou e que não era muito animador em termos de postos de trabalho, por causa da robótica, que iria destruir uma série de postos de trabalho…
Qualificação e requalificação. Todas as revoluções industriais trouxeram profundas alterações no emprego. Esta só é diferente porque é muito mais rápida e, por isso, o ser humano tem de se adaptar muito mais rapidamente a estas alterações. E quanto mais habilitado estiver melhor vai reagir. O posto de trabalho como o conhecemos hoje vai desaparecer. O cirurgião vai ter um robot com muito mais precisão do que ele. O ser humano, apesar de tudo, é falível. Nos advogados, por exemplo, em testes que já foram feitos, a máquina suplantou o homem. Porque a inteligência artificial consegue comparar legislação e dar resultados muito mais rápidos e eficazes do que o homem. Mas vamos ter um robot advogado? Não quer dizer que a pessoa vai ficar desempregada, tem é de ser requalificada e tem de fazer outra coisa, nem que seja ligar e desligar o robot.
E quem não tiver apetência para essas novas atividades?
O ser humano é riquíssimo. Nasci em 1953 e quando nasci não havia televisão e hoje tenho um poderoso computador neste iPhone. Quanto entrei para o Instituto Superior Técnico, em 1980, o computador do Técnico não cabia nesta sala. Agora, este telemóvel tem mais capacidade do que esse computador tinha. Adaptei-me perfeitamente a estas tecnologias.
O seu mandato vai terminar no final deste ano. Mas a saída definitiva da CIP será em 2020?
As eleições são em março de 2020. O mandato termina este ano, mas estatutariamente temos de promover eleições durante o trimestre seguinte à perda de mandato. Quer dizer que faremos eleições algures em março de 2020. De acordo com os atuais estatutos, o presidente do conselho geral (que é simultaneamente presidente da direção) está limitado a três mandatos.
Vai sentir pena de sair?
Pena não sei se vou ter. Porque uma coisa é deixar de ser presidente da CIP, outra coisa é deixar de estar civicamente atuante. Estou no associativismo – militar, sindical, patronal – desde os meus 20 anos. Estou há 46 anos com esta inquietude cívica que me caracteriza a trabalhar em termos do associativismo, sou um ser irrequieto e inquieto, preocupo-me muito com o meu país. Enquanto a saúde me permitir, quero contribuir para as melhores soluções para o país, não deixarei de ser um cidadão civicamente ativo. Por outro lado, tenho desafios profissionais – que já hoje estou a exercer – que já me chegam e sobram. Não me canso. Eu só teria pena se fosse calçar as pantufas para casa. Isso é que não tem a ver com o meu perfil. E, como já tive um episódio de saúde que me obrigou a isso durante cerca de seis meses, aí sim teria pena de não ter capacidade para o exercício de causas.
Deixou alguma coisa por fazer?
Ficam sempre coisas por fazer.
Mas faz um balanço positivo?
Faço um balanço muito positivo. A CIP é, modéstia à parte, uma entidade com muito mais visibilidade, com um reconhecimento público muito maior e uma intervenção na sociedade portuguesa muito diferente.
A sua saída poderá fragilizar um pouco a confederação?
É evidente que as pessoas são sempre importantes e, em determinado tempo, uma determinada característica pessoal é a mais ajustada. Mas cada tempo traz uma realidade diferente. E o facto de A, B ou C terem sido as pessoas ideais para aquele tempo, não quer dizer que no novo tempo se mantenham essas necessidades.
Sempre esteve de costas voltadas para cargos políticos. Acha que poderá estar mais aberto?
Durante muito tempo tive a necessidade de estar afastado de opções político-partidárias. Obviamente que enquanto cidadão tenho as minhas preferências. E, apesar dos convites que me foram feitos – ainda agora nas últimas eleições autárquicas tive convites de três partidos, o que prova uma banda larga de equidistância e pelos vistos de confiança que tenho gerado -, sempre me afastei da vida partidária. Mas nunca poderemos dizer que desta água não beberei. Não vou dizer que vou rejeitar quando estiver mais liberto desta função, até porque, nesta inquietude cívica que me caracteriza e se tiver a noção de que neste ou naquele trabalho posso contribuir para o enriquecimento do meu país – seja numa organização partidária, associativa, fundacional e enquanto a saúde me permitir -, a minha inquietude civil vai-me sempre chamar. No entanto, tenho tido pouco tempo para a família, para mim e, como também já não vou ter muitos mais anos de vida útil pela frente, também queria saber conciliar esse tempo para o cidadão António Saraiva e para a minha família, para os seus netos, para os seus amigos e para as tertúlias que adoro. Um bom queijo e um bom vinho numa tertúlia de amigos é uma maravilha. Esse pouco tempo que a minha participação cívica me tem retirado da família queria de alguma forma equilibrá-lo. E, por isso, não sei responder a essa pergunta.