Para estas férias resolvi levar na bagagem um romance de Gustave Flaubert em que depositava grandes expectativas. Chama-se Salammbô e começou a ser escrito em 1857, no ano a seguir à publicação de Madame Bovary. Na altura, o autor estava tão farto do burburinho causado pela história da mulher adúltera («A Bovary irrita-me», dizia ele) que quis fazer algo completamente diferente. E fez. Por detrás deste título sugestivo e enigmático, Salammbô (que é o nome da filha do chefe militar Amílcar Barca, pai do famoso Aníbal), encontra-se um romance histórico que narra as guerras da poderosa Cartago contra um exército de mercenários rebelados que antes haviam estado ao serviço daquela República. Essas guerras, ocorridas por volta de 240 a.C., caracterizaram-se por uma ferocidade extraordinária, mesmo para os padrões da época, e Flaubert não fugiu a isso. Vejamos esta descrição fabulosa do rasto de destruição provocado por uma batalha. «Na zona [do acampamento] dos Líbios fumegava um montão de cinzas negras […]. Havia couraças, ancinhos, clarins, pedaços de madeira, de ferro e de bronze, trigo, palha e roupas pelo meio dos cadáveres; […] distinguiam-se pernas, sandálias, braços, cotas de malha e cabeças dentro dos seus capacetes, seguras pelos protetores do queixo e que rolavam como bolas; das silvas pendiam cabeleiras; nos charcos de sangue, elefantes, de entranhas abertas, estortoravam deitados com as suas torres; caminhava-se sobre coisas viscosas e havia poças de lama apesar de não ter chovido».
Em Salammbô, a rudeza dos bárbaros e este fedor de morte contrastam com o requinte da civilização cartaginesa e os seus perfumes – tão intensos que por vezes também se tornam quase enjoativos.
A propósito do seu livro, escreveu Flaubert: «Pretendi fixar uma miragem, aplicando à Antiguidade os processos do romance moderno, e procurei ser simples». A realidade é que o autor tinha acumulado uma tal riqueza de conhecimentos sobre Cartago que essa simplicidade seria sempre relativa. Vejamos o que nos diz Marc Lefrançois em Histoires Insolites des Écrivains et de la Littérature: «Enquanto trabalhava em Salammbô, Flaubert leu a Poliorcética de Justus Lipsius para descrever de forma precisa as máquinas de guerra; para os hábitos, consultou a Bíblia, Xenofonte, Plínio, Plutarco, Hipócrates, Salústio e Apuleio. […] Estudou igualmente uma memória de 400 páginas sobre o cipreste piramidal pela simples razão de que havia ciprestes no pátio do templo de Astarte. Quanto à cidade de Cartago, utilizou a documentação de uma centena de obras». E a sua pesquisa não ficou por aí. Em 1858 visitou Cartago (na atual Tunísia) durante dois meses, tomando extensas notas. Por isso, quando apontaram debilidades ao seu romance, Flaubert escreveu uma Apologia respondendo ponto por ponto a cada questão. Os críticos ficaram engasgados. A erudição do autor era simplesmente esmagadora. Como a cidade de Cartago, Salammbô era uma fortaleza tão sólida que não havia ataque que a abalasse.