Segundo se ouve por aí, José Sócrates tinha especial inclinação para se meter em aterros; tudo o que fosse rapar aqui para esconder ali, era com ele. Para este jogo do ‘rapa e esconde’, escolheu o parceiro certo, Santos Silva (o Carlos), com o qual partilhava o gosto pelos empréstimos: um emprestava, o outro tomava de empréstimo.
Era parceiro para todos os trabalhos, assim à maneira de André Almeida para Jorge Jesus: só faltava jogar à baliza. Tanto assim era que Sócrates e Santos, tal como André e Jesus, viveram felizes por muitos anos. E só não foi para sempre porque, no mundo dos adultos, as coisas não são tão simples como nas histórias da carochinha.
A Sócrates sucedeu Passos, e a este Costa, um homem consabidamente hábil, mas também ele precisou do seu bombeiro de serviço. Alguém que se concertasse bem com ele em matéria de feitios, habilidades, táticas, argúcia e sentido da urgência. Mais do que tudo, perceção da emergência e capacidade de modelação do discurso às conveniências do momento. Quem? Santos Silva (o Augusto).
É certo que, no fato do homem, continuavam visíveis os salpicos de Sócrates; mas no melhor pano cai a nódoa. De resto, o exemplo vivo de que a peçonha não se pega estava no próprio primeiro-ministro.
De acordo na interpretação dos factos, surdos à costumeira maledicência, Costa e Santos Silva terão jurado mútua fidelidade no rito canónico ‘até que a morte nos separe’.
O ministro dos Negócios Estrangeiros é sociólogo, mas argumenta com a sabedoria dos mestres em Direito.
Tanto assim é que, ainda há dias, veio esclarecer a Pátria que as leis não são todas iguais: umas querem dizer aquilo que está lá escrito, outras querem dizer o contrário do que escreveu o legislador. Pois não se ensina nas Faculdades de Direito que é preciso atender… ao espírito da lei? E, em matéria de espíritos, onde haverá dupla mais esclarecida que Costa-Santos, também conhecidos por ‘passa que eu chuto’? E quem decide quais as leis que devem ser interpretadas em sentido literal, e quais as que têm de ser entendidas na subtileza do seu espírito? O Governo, pois claro!
De interpretação em interpretação, ainda talvez vejamos António Costa (ou Santos Silva) a interpretarem ‘literalmente’ a lei para descartar um secretário de Estado e calar a oposição, e a acolherem-se ao ‘espírito’ da lei quando se tratar de salvar o intocável ministro das Infraestruturas.
Para que fique tudo ‘clarinho, clarinho’, António Costa, sempre secundado pelo seu polivalente ministro, pediu um parecer à PGR sobre esse imbróglio das incompatibilidades. Fez bem. A última coisa que este Governo quer é navegar em águas turvas. A ética republicana manda que tudo seja puro e resplandecente como a Estrela d’Alva. Por que raio nunca ninguém se tinha lembrado disto?