A 24 de outubro de 1787, James Madison, acabado de sair da Convenção Constituinte, escreveu uma longa carta a Thomas Jefferson, na altura em França como embaixador. Nela, Madison fala na série de artigos que está a escrever com Hamilton e Jay, denominados The Federatist. No décimo artigo, Madison vai resumir a filosofia política republicana, numa única frase da Declaração da Independência dos EUA, redigida por Jefferson: «The pursuit of happiness».
Porém, enquanto a Declaração de Independência reconhece os direitos inalienáveis «à vida, à liberdade e à busca da felicidade», a Constituição protege explicitamente apenas a ‘vida’ e a ‘liberdade’ e não considera a ‘felicidade’ entre os direitos inalienáveis.
Nas nossas sociedades, a ‘busca da felicidade’ vai ter um papel importante na história da proteção legal (em particular, no direito da família), mas sobretudo, está a tornar-se cada vez mais relevante na escolha eleitoral, como desígnio ético e programa político nas áreas dos efeitos no trabalho da disrupção tecnológica, da sustentabilidade e do género.
Sabemos hoje que, até determinado nível de desenvolvimento económico, a felicidade é equivalente ao crescimento. Mas, atingido esse patamar, a ‘procura de felicidade’ – que os cidadãos exigem hoje dos políticos no mercado do voto – nada tem que ver com o crescimento da economia.
As próprias organizações internacionais tiveram necessidade de diferenciar os conceitos de crescimento de economia e do bem-estar (em Portugal usamos o Índice de Bem-Estar, que complementa o PIB na definição dos impactos das políticas públicas sustentáveis).
É este conceito de Jefferson que explica porque que é que o eleitorado, que escolheu o PSD como maior partido há quatro anos, ainda numa lógica de sobrevivência financeira, parece agora disponível para dar a maioria ao PS.
O eleitorado acha que atingiu um patamar de segurança financeira aceitável e não quer mais voltar a viver no sobressalto do corte de direitos ou o risco da instabilidade nos rendimentos, mesmo que saiba que os programas eleitorais estão ultrapassados e não refletem as necessidades sociais atuais e que a abordagem fiscal continua a ter tiques salazaristas, não se tendo adaptado às necessidades atuais de mobilidade no emprego provocada pela disrupção tecnológica (robotização, machine learning e data centers versus mobilidade acelerada e precarização emprego).
O primeiro-ministro, nos últimos quatro anos, na perceção do eleitorado – que é quem escolhe o novo Parlamento a 6 de outubro – até governou bem, ou seja, deu tranquilidade e segurança aos cidadãos, por contraponto às más notícias do tempo em que se foi além da troika por emergência nacional.
Gastamos hoje um terço da despesa pública em despesas sociais, mas os cidadãos mesmo tendo a perceção que o Estado dá sempre menos, continua ainda com o trauma da troika. A direita não conseguiu explicar porque as pessoas objetivamente vivem melhor hoje do que há 4 anos.
É certo que o PS continua com os velhos chavões da troika na política orçamental e fiscal e da dupla Paulo Pedroso/Vieira da Silva que há mais de 25 anos dominam da Segurança Social (o interregno do CDS foi um disparatado mais do mesmo).
O PS não entendeu que a Segurança Social está desadequada – a mudança de emprego de ano em meio em ano e meio, obriga a um nova definição do subsídio de desemprego e sobretudo, o seu aumento do subsídio para 70% do ultimo salário, por exemplo, para que as pessoas não reduzam o seu nível de vida enquanto esperam o novo emprego – ou que a abordagem do Fisco também tem que se adaptar ao novo perfil das iniciativas empresariais – start ups que duram no máximo 2 anos e em que o Fisco tem que se tornar parceiro e sócio e não o principal destruidor de valor e perseguidor dos cidadãos para o resto das suas vidas.
Mas mesmo assim os cidadãos continuam a preferir a esquerda ao PSD de Rui Rio. Porquê?
O que se passa é que mesmo estando fartos de António Costa, o eleitorado não suporta Rui Rio. Seguramente, com outro líder e outro programa, o PSD até poderia chegar ao Governo já em outubro.
António Costa entendeu a frase de Jefferson e faz a propaganda nesse sentido, apesar da inabilidade estratégica e da desatenção à recessão que se aproxima (a Alemanha já dá sinais disso). Mas a direita, capturada pelo discurso ordoliberal do Compromisso Portugal/Observador (objetivamente aliados, primeiro de Sócrates, nos negócios, e agora de Costa, no combate ao PSD, sempre visto como uma anomalia no nosso sistema de partidos) espalha a inflexível cartilha ideológica do pós-guerra do século passado – ainda mais arcaica que a do PS e não convence sequer 30% do eleitorado.
* Professor Universitário