A gestão da crise energética do país, que ocorreu em plenas férias do líder do PSD, lançou o partido numa versão de «revolta» pelo silêncio de Rui Rio durante dias, dando todo o espaço de manobra ao Governo para gerir o dossiê da greve dos motoristas de matérias perigosas. Ao sentimento de indignação de alguns militantes, ouvidos pelo SOL, juntou-se também o registo de apatia e desalento, a mês e meio das eleições legislativas.
«Já não há nada a fazer, o líder não muda de estratégia. Acho que precisamos de uma requisição civil ao próprio PSD». A frase, de um militante com responsabilidades no partido, ilustra o sentimento partilhado por vários colegas sociais-democratas.
Mas estas críticas em surdina não parecem tirar o sono ao presidente do partido. Rui Rio esteve ausente 13 dias em Viana do Castelo, tendo, até ontem, apenas lançado dois tweets nas redes sociais sobre a crise energética e deixando o partido na mão do seu vice, David Justino. Este foi quem leu a comunicação do PSD a acusar o Executivo de irresponsabilidade, pedindo diálogo entre as partes. Mais, sugeriu a suspensão da requisição civil ou da greve para negociar sem condições prévias. O discurso foi ouvido no PSD, mas houve quem lembrasse ao SOL que a intervenção de Justino deveria ter sido feita mais cedo.
Apesar das críticas, Rio não muda de registo: só ontem tomou a dianteira e deu uma conferência de imprensa sobre a greve dos motoristas, reaparecendo em público ao fim de quinze dias de ausência.
Antes da declaração de sexta-feira passada de Rui Rio, Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais, escreveu um artigo de opinião no i a sinalizar o que muitos militantes pensam, mas não dizem em público: «O PSD está há muito em greve de combate político. Claramente, não está a cumprir os serviços mínimos», assumiu o autarca, admitindo uma vitória esmagadora do PS e de António Costa a 6 de outubro.
E igualmente significativa foi a posição do presidente da concelhia do PSD/Porto, Hugo Neto, no Facebook. «A ausência total do PSD, durante duas longas semanas, num período político crítico é inaceitável», escreveu Hugo Neto, que foi apoiante de Rio desde o início e trabalhou com o presidente do PSD na Ccâmara do Porto.
Hugo Neto não perdoou a Rio a forma como geriu a escolha de candidatos no Porto, impondo sete nomes à distrital, queixou-se de exclusões como as de Miguel Pinto Luz e Maria Luís Albuquerque das listas e terminou o desabafo com a promessa de um acerto de contas após as legislativas: «E se é, hoje, quase unânime, que depois de tantos erros e passos em falso, Rio terá que sair depois de 6/10, escusava de ter escolhido a porta mais minúscula para essa mesma saída».
A declaração de Hugo Neto é sintomática do estado de espírito de muitos militantes no Porto, asseguram ao SOL várias fontes sociais-democratas, admitindo que existirão dificuldades em mobilizar a campanha no distrito originário de Rui Rio, o do Porto.
Por exemplo, Bruno Carvalho, dirigente distrital, recusou-se a dirigir a campanha no Porto e a solução foi a de criar uma equipa multifacetada para cumprir a missão.
As críticas de Neto mereceram, entretanto, um comentário no Facebook de Luís Filipe Menezes. O antigo líder lembrou que Hugo Neto apoiou Rui Moreira em 2013 contra a sua candidatura no Porto: «É gente desta que interessa a um PSD pós Outubro? Nem pensar, aconteça o que acontecer».
Santana provoca
Quem aproveitou para registar o silêncio do PSD foi Santana Lopes, o presidente do Aliança, que chegou a ir a Aveiras de Cima falar com o Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas na passada terça-feira. Para o efeito, lembrou o seu apelo a um entendimento num comentário publicado no Facebook, no dia seguinte à sua visita: «O PSD quebrou o silêncio e disse algo em linha com o que ontem [terça-feira] afirmei. Antes de eu lá ir ontem, nada». O comentário foi usado para criticar a falta de referências à posição da Aliança na televisão, mas ficou a observação sobre o PSD. Isto apesar, de os sociais-democratas terem emitido uma posição oficial, a 8 de agosto, na véspera da greve.
À gestão dos combustíveis que deixou o PSD irritado, acresce-se um problema prévio, o das listas que ainda provocam muitas dores de cabeça. Em Aveiro, Salvador Malheiro perdeu mais um candidato, o terceiro da equipa (Vítor Martins) alegadamente por motivos familiares. Mas, o presidente da distrital de Aveiro também não conseguiu convencer Rui Vilar e Laura Pires a manterem-se na equipa, mesmo depois da renumeração dos candidatos pela desistência de Vítor Martins. Mais, ouviu duras críticas na comissão política distrital alargada da passada quarta-feira. E até deixou escapar um desabafo, mesmo no final, de que se os resultados eleitorais forem muito maus, admite tirar consequências.
Por seu turno, Ângelo Correia, histórico do partido, recusou integrar a equipa em lugar de suplente por Aveiro, mas justificou ao SOL que a decisão nada tem que ver com a liderança ou as listas: «Eu não quero ser deputado», assegurou, lembrando que saiu em 1995 do Parlamento e não quer voltar. Porém, reconheceu que existem problemas do PSD: «Há questões de fundo dentro partido que duram há muitos anos que se refletem nos tempos de hoje».
Entretanto, prosseguem as reuniões com as estruturas distritais para preparar a campanha, e já há um dado adquirido: Rui Rio não vai para a estrada antes de dia 22 de setembro (data oficial de campanha). E a mobilização de estruturas a todo o vapor só está a ser planeada a partir de dia 23 do próximo mês. Apesar de nada estar fechado, algumas estruturas estão estupefactas com a versão condensada de campanha. A tradição no PSD e noutros partidos é a de colocar os líderes na estrada três semanas antes das eleições e nunca reduzir as suas aparições. A ordem é deixar Rio concentrado nos debates televisivos nos primeiros quinze dias de setembro, apurou o SOL.