O s banqueiros que estiveram à frente das instituições financeiras que foram visadas pelo cartel denunciado pela Autoridade da Concorrência escapam incólumes à condenação da reguladora. Em causa está a decisão da AdC de condenar 14 bancos ao pagamento de coimas no valor global de 225 milhões de euros por prática concertada de troca de informação comercial sensível, entre 2002 e 2013. E a explicação é simples: a entidade liderada por Margarida Matos Rosa não tem poderes para multar os administradores dos bancos porque estes não são atores económicos.
«São sim gestores dos atores que devem respeitar as regras da concorrência para assegurar o funcionamento do mercado de serviços bancários. Isto é, a obrigação de cumprir a legislação que protege a livre concorrência recai sobre o banco e não sobre o administrador, individualmente considerado», diz ao SOL Daniela Guimarães, advogada e sócia da Vieira Advogados.
Ainda assim, a responsável lembra que «isso não se confunde com o direito que um cidadão tem sobre o banco e o seu administrador que pode sempre responder, nos termos da responsabilidade civil». Aliás, Daniela Guimarães tem vindo a defender que os consumidores afetados pela prática do cartel podem atuar judicialmente contra os bancos.
Também Paulino Brilhante Santos lembra ao SOL que, nos termos da lei da concorrência, a infração (delito de cartel) foi praticada pelos bancos, já que os administradores agiram por conta e no interesse dos bancos ao combinarem os preços dos créditos e trocarem informações com os concorrentes. Desta forma, segundo o advogado e sócio da Valadas Coriel & Associados, as coimas ou sanções aplicadas pela Autoridade da Concorrência são da responsabilidade dos bancos e não dos administradores dos bancos. Mas deixa uma alerta: «Os administradores que tomaram a decisão de levarem os bancos a participarem no cartel que levaram à aplicação das coimas pela Autoridade da Concorrência podem ser responsabilizados civilmente pelos danos causados aos bancos pela sua ação ilegal que terá causado prejuízos aos bancos. A questão é saber se houve danos já que a prática de cartel poderá ter permitido aos bancos obter lucros que terão superado os custos com as coimas apuradas pela Concorrência».
E as responsabilidades não ficam por aqui. Brilhante diz ainda que «também os restantes administradores poderão ser responsabilizados pelos danos sofridos pelos bancos por violação do seus deveres de cuidado e de vigilância ao terem permitido que os administradores que decidiram a prática do cartel terem enveredado por esta prática julgada ilegal pela Autoridade da Concorrência». Ainda assim, garante que, nesse cenário, estaríamos sempre no âmbito da responsabilidade civil e não no domínio da responsabilidade penal pelo pagamento das coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência. «Acresce que a responsabilidade civil dos administradores seria perante os bancos e não perante a Autoridade da Concorrência», diz ao SOL.
Recorde-se que, segundo a entidade reguladora, existiu troca de informação sobre práticas comerciais internas no crédito ao consumo, habitação e a empresas. BBVA, BIC (por factos praticados pelo BPN), BPI, BCP, BES, Banif, Barclays, CGD, Caixa de Crédito Agrícola, Montepio, Santander (por factos por si praticados e pelo Banco Popular), Deutsche Bank e UCI foram as instituições financeiras condenadas.
BdP analisa processo
Contactado pelo SOL, o Banco de Portugal disse apenas que «está a analisar a decisão da Autoridade da Concorrência». Mas, quando questionado sobre se os banqueiros que estavam à frente dos bancos nessa altura correm risco de perder a idoneidade, o BdP não quis comentar.
No entanto, Daniela Guimarães lembra que «na avaliação da idoneidade deve ter-se em conta o modo como a pessoa gere habitualmente os negócios, profissionais ou pessoais, ou exerce a profissão, em especial nos aspetos que revelem capacidade para decidir de forma ponderada e criteriosa, tendência para cumprir pontualmente as suas obrigações e tendência para ter comportamentos compatíveis com a preservação da confiança do mercado», disse ao SOL.
Recorde-se que a Caixa Geral de Depósitos foi o banco que teve a multa mais elevada no valor de 82 milhões de euros, mas já veio garantir que vai recorrer da decisão para tribunal. A instituição liderada por Paulo Macedo esclareceu que tomou esta decisão convicta de que os tribunais vão confirmar «a total improcedência e absoluta falta de fundamentação da imputação de regularidades que lhe é feita».
Também o BCP anunciou que vai recorrer da decisão depois de ter sido multado em 60 milhões de euros. A instituição financeira agora liderada por Miguel Maya garante que as acusações não estão «adequadamente sustentadas e fundamentadas», acrescentando que, ao longo deste processo, instaurado pela AdC em 2012, teve a oportunidade de prestar «todos os esclarecimentos solicitados» e de expor os motivos pelos quais defende que as acusações que lhe foram dirigidas «não se encontravam adequadamente sustentadas e fundamentadas».
Já o Santander Totta foi condenado a 35 milhões de euros e vai também assumir a multa de 600 mil euros ao Banco Popular – que entretanto comprou – e também ele irá recorrer da decisão da Concorrência. «Vamos recorrer. A decisão para o Santander Totta não faz qualquer sentido e vamos recorrer da decisão para os tribunais», diz fonte oficial.
O mesmo caminho vai ser seguido pelo BPI, que foi alvo de uma coima de 30 milhões de euros, defendendo que «a alegada troca de informação tenha ocorrido nos moldes alegados na decisão acusatória e considera, em particular, que a informação em causa, pela sua natureza, não poderia produzir efeitos anti-concorrenciais e não prejudicou, de modo algum, os interesses dos clientes».
O Montepio, inicialmente condenado a 26 milhões de euros, viu a multa reduzida para 13 milhões por ter aderido ao programa de clemência. Ainda assim, esta sexta-feira admitiu recorrer da multa. «O Banco Montepio, não se conformando com a decisão, suscetível de recurso para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, adotará todas as medidas necessárias à defesa dos seus melhores interesses», salientou fonte oficial.
Só o Barclays ficou isento de multa, por ter sido o banco que informou da concertação.
Já o BES foi multado em 700 mil euros. A responsabilidade de pagar o valor cabe ao BES mau (atualmente em liquidação), e não ao Novo Banco.
A Concorrência diz ainda que ficou impedida de punir a prática relativamente ao Abanca, também visado na acusação, uma vez que este cessou a prática anos antes dos restantes bancos.