É uma questão de dias até o Departamento Central de Investigação e Ação Penal ter completamente fechado o despacho de acusação relativo à investigação ao desaparecimento das armas dos paióis de Tancos, em julho de 2017, assim como ao seu achamento, na Chamusca, em outubro do mesmo ano. O caso que tem o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes como arguido pode assim transformar-se em mais um dossiê delicado para António Costa neste período de campanha eleitoral, depois de na última semana uma megaoperação em torno do negócio das golas e de outros contratos da Proteção Civil ter já feito soar os alarmes no Ministério da Administração Interna, que foi alvo de buscas (ver páginas 26 e 27).
Segundo o SOL_apurou, a investigação já foi toda concluída e o Departamento Central de Investigação e Ação_Penal (DCIAP) considerou não ser necessária qualquer outra diligência antes de avançar para uma acusação, num processo que conta já com 25 arguidos. Como um dos suspeitos se encontra em prisão preventiva – João Paulino, que terá liderado o assalto – o MP tem prazos a cumprir, sendo o dia 27 a data limite para deduzir a acusação sem ter de libertar o principal arguido.
No passado mês julho, o antigo ministro passou para a lista dos suspeitos, indiciado por denegação de justiça e prevaricação. Na prática, os investigadores consideram que teve conhecimento da encenação da Polícia Judiciária Militar (PJM) para recuperar o material roubado e não ter informado a Polícia Judiciária (PJ).
Desde essa altura, o ex-ministro da Defesa ficou proibido de contactar com os restantes arguidos do processo, nomeadamente, o ex-chefe de gabinete, general Martins Pereira, e o ex-chefe de Estado Maior do Exército, general Rovisco Duarte.
A 5 de julho, Azeredo confirmou a notícia: «Comunico que fui ontem (quinta-feira) constituído arguido no processo relativo ao chamado ‘caso Tancos’. Esta condição, se é verdade que me garante mais direitos processuais, é absolutamente inexplicável tendo em conta os factos relativos ao meu envolvimento do processo, que foi apenas de tutela política».
Dizendo acreditar de que será ilibado de qualquer responsabilidade, Azeredo Lopes acrescentou ainda: «Confio na Justiça, com ela colaborarei, como é meu dever, e estou convicto, porque nada fiz de ilegal ou incorreto, que serei completa e absolutamente ilibado de quaisquer responsabilidades neste processo».
E concluiu que a situação o «desgosta e constrange», frisando que «a condição de arguido, sendo juridicamente garantística dos [seus] direitos, é socialmente destruidora».
Nesse mesmo mês foi ainda constituído arguido Nuno Reboleira – suspeito de ter entrado na alegada farsa da recuperação do material. A investigação acredita que quando o material foi encontrado, este técnico do laboratório da PJM fez uma perícia deficiente, com fotos à distância, sem pesar os caixotes e sem registar nos autos o que estava a ser apreendido.
Já o último arguido conhecido neste caso foi um coronel da GNR, Taciano Correia, que foi detido no aeroporto de Lisboa, quando regressava de uma missão na República Centro-Africana, no primeiro sábado de agosto – era quem liderava a investigação criminal da GNR aquando do furto e do achamento das armas de Tancos.
A passagem do ex-ministro a arguido
A possibilidade de Azeredo Lopes ser constituído arguido já tinha sido revelada em outubro de 2018 pelo SOL. As suspeitas adensaram-se na sequência das declarações do major Vasco Brazão. porta-voz da PJM, nas quais este afirmava ter dado conhecimento ao ministro da Defesa sobre o encobrimento do assalto de Tancos. O então ministro da Defesa não participou inclusivamente nas comemorações do 5 de outubro, em Lisboa, onde estiveram Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa e, uma semana mais tarde, apresentou a sua demissão.
Na altura, já se considerava que Azeredo Lopes poderia ser constituído arguido por coautoria dos crimes que estavam a ser imputados aos militares – entre eles associação criminosa, denegação de justiça, tráfico de armas e favorecimento –, pelo facto de alegadamente ter tido conhecimento e não ter atuado perante a situação. Depois da demissão de Azeredo Lopes, ao que o SOL apurou, os investigadores não descartavam a hipótese de outros membros do Governo serem constituídos arguidos.
O major Vasco Brazão disse na altura ter enviado um memorando ao antigo ministro da Defesa em que colocava o dirigente a par do processo de recuperação e encobrimento do roubo de Tancos. Nessa altura, Azeredo Lopes reagiu às declarações negando «categoricamente qualquer conhecimento de ações de encobrimento». O ex-ministro da Defesa prestou declarações, no final de junho de 2018, no DCIAP sobre o furto do material de Tancos. Segundo a Sábado, sobre o conhecimento de António Costa, Azeredo Lopes garantiu sempre que nunca falou com o primeiro-ministro sobre o assunto. Aliás, o primeiro-ministro garantiu em maio deste ano que só teve acesso ao memorando redigido pela PJM no dia 12 de outubro do ano passado – dia em que Azeredo Lopes se demitiu.
Um caso que abanou a Defesa Nacional
As armas desapareceram dos paióis de Tancos em junho de 2017 e foram encontradas em outubro do mesmo ano a cerca de 20 quilómetros.
Segundo a versão inicial da PJM, o piquete de serviço recebeu uma chamada anónima a dar conta do material roubado. Mais tarde, veio a descobrir-se que a recuperação das armas teria sido encenada. A PJ acredita que a PJM quis abafar a investigação inicial sobre o processo e, para isso, terá negociado com o líder do grupo de assaltantes a entrega do material.
Na altura em que as armas foram recuperadas, foi tornado público que a PJM terá recebido uma chamada anónima – chamada essa que os investigadores acreditam ter sido igualmente forjada.