A economia portuguesa deverá crescer 2% este ano, o que irá representar um abrandamento face ao crescimento de 2,4% registado em 2018. Os dados foram revelados no Boletim Económico de Outubro do Banco de Portugal (BdP). É certo que «a economia portuguesa continua em expansão em 2019, pelo sexto ano consecutivo, mas a um ritmo inferior ao observado no passado recente».
Os analistas contactados pelo SOL não se mostram surpreendidos com estas previsões e lembram que o abrandamento está relacionado com a conjuntura externa desfavorável, levando a um ‘contágio’. E o ciclo está criado: assiste-se a uma redução por parte da procura externa e a uma consequente queda das exportações. Também o consumo interno caiu.
A somar a estas quedas há que contar ainda com as incertezas em torno da guerra comercial e do Brexit. E os riscos não ficam por aqui. Portugal enfrenta também a a quebra da procura externa por parte dos seus principais parceiros comerciais, sobretudo da União Europeia, que pesa 75% no total das exportações, sobretudo Espanha, que representa cerca de 26%), além dos Estados Unidos e China: 20%.
E apesar da economia nacional ir convergindo com a média europeia, a tendência não é ficar por aqui. «Apesar de, desde 2016, haver uma convergência do crescimento de Portugal com a média da União Europeia, as perspetivas de desaceleração económica deverão levar à continuação da tendência dos últimos 25 anos, com o PIB per capita a afastar-se da média da UE», diz ao SOL, Nuno Mello, Head of Sales da XTB.
Uma opinião partilhada por Pedro Amorim, analista da corretora Infinox, ao lembrar que, «neste momento, os países mais desenvolvidos na UE ameaçam a entrada das suas economias em recessão e, em termos relativos, vamos convergindo com a média». O alerta não fica por aqui: «As taxas de crescimento de 2% não são suficientes para essa convergência».
Em junho, o Banco de Portugal tinha uma previsão de crescimento económico para este ano de 1,7%, valor idêntico ao de março. No entanto, de acordo com a entidade liderada por Carlos Costa, as projeções agora conhecidas «não são diretamente comparáveis com as de junho, devido à revisão recente das séries de contas nacionais e de balança de pagamentos», uma vez que a incorporação de nova informação tem implicações importantes sobre o nível de crescimento e agregados macroeconómicos.
Já o investimento deverá acelerar este ano de 5,8% para 7,2%, com destaque para a construção em parte relacionada com infraestruturas, enquanto os consumos privado (de 3,1% para 2,3%) e público (de 0,9% para 0,5%).
Em relação às exportações, estas deverão abrandar este ano – de 3,8% para 2,3%. «A diferença entre exportações e importações deve-se ao aumento superior das importações. Isto prova que Portugal não é autossustentável e precisa de importar para satisfazer as suas necessidades de consumo», diz Pedro Amorim. Ainda assim, admite que «esta tendência pode ser revertida com a aposta na captação de investimento para aumentar o tecido industrial nacional e das fintech. As nossas fintech ainda estão muito atrás do que se já se faz lá fora»
Défice de 0,2%
O banco central considera ainda que é «claramente alcançável» o objetivo do défice orçamental de 0,2% do Produto Interno Bruto para este ano, definido pelo Governo. Ainda assim, o regulador vê «alguns fatores de incerteza relativamente à evolução orçamental até ao final do ano», como é o caso da evolução dos impostos diretos do lado da receita, «em particular relacionada com o saldo dos reembolsos e notas de cobrança em sede de IRS».
Já do lado da despesa, o Banco de Portugal considera que há incertezas devido às despesas com pessoal, que estão «muito condicionadas pela implementação efetiva do descongelamento de carreiras e pelo aumento do número de funcionários, em particular em áreas que evidenciam maiores pressões orçamentais, como a saúde».
Além disso, refere, há rubricas como o consumo intermédio e o investimento «que, na primeira metade do ano, tiveram uma evolução aquém do orçamentado», o que «dificulta a avaliação das perspetivas para o conjunto do ano».
No entender de Nuno Mello, esta previsão do BdP assenta no bom desempenho da economia nacional e na continuidade da procura interna por via do investimento o que leva ao aumento da cobrança de impostos. «A única coisa que o anterior Governo fez foi aumentar as receitas por via do aumento dos impostos cobrados», diz ao SOL.
Já para Pedro Amorim, atingir um défice de 0,2% representa uma vitória do Governo, «principalmente quando Pedro Passos Coelho, com o seu discurso político, dizia que ‘vinha aí o diabo’».
No entanto, o analista admite que, em termos políticos, foi uma vitória mas, em termos económicos, pode ter uma interpretação diferente. «Atualmente, a nossa economia está muito dependente do setor do turismo. Para termos uma referência, as receitas com o turismo na cidade de Lisboa são maiores que a receita de todo setor do calçado a nível nacional. E a bolha imobiliária nos grandes centros urbanos provocou uma redução do rendimento líquido de algumas famílias, fator que ainda ninguém comentou», salienta.
O Banco de Portugal refere ainda que podem existir medidas temporárias (como aconteceu com a injeção de capital no Novo Banco, no primeiro semestre) a afetar o saldo orçamental do conjunto deste ano. Um alerta que, no entender do analista da Infinox, faz todo o sentido. «A história do Novo Banco ainda não acabou. Se tudo se mantiver como está, nos próximos anos teremos que injetar mais cinco mil milhões de capital. A nível internacional, a resolução do BES é considerada um exemplo a não fazer, já sendo lecionada nas maiores universidades americanas». E ao próximo Executivo deixa um recado: deve resistir à tentação de reduzir o investimento público para facilitar a despesa. «Do ponto de vista do crédito, isto seria negativo, dado que o investimento público em Portugal já é baixo (2% do PIB), em comparação com uma média da UE próxima aos 3%», afirma ao SOL.
Desemprego a cair
O banco central estima ainda que a taxa de desemprego fique em 6,4% este ano, abaixo dos 7% de 2018, mas ligeiramente acima da anterior previsão, de 6,3%, feita em junho. Já o emprego deverá crescer no conjunto deste ano, mas «a um ritmo menor», de 0,9%. Em 2018, o emprego tinha crescido 2,3%.
Aliás, Pedro Amorim garante que, «se o crescimento e o turismo mantiver o ritmo, mesmo com abrandamento, a taxa de desemprego continuará a descer».
Em relação aos salários, o Banco de Portugal considera que «deverão acelerar», desde logo devido à redução de trabalhadores disponíveis no mercado de trabalho, mas também devido ao aumento do salário mínimo e ao descongelamento gradual das progressões salariais na administração pública. «As limitações na oferta de trabalho e a dinâmica da procura têm contribuído para aumentar a pressão sobre os salários», refere.