O Governo acredita que a economia portuguesa vai crescer 1,9% este ano, mantendo as previsões incluídas no Programa de Estabilidade, apresentado em abril. Mas para o próximo ano as previsões foram revistas em alta com o ministério de Mário Centeno a afirmar que Portugal vai crescer 2%. Os números foram apresentados no Projeto de Plano Orçamental entregue, esta semana, a Bruxelas e não surpreendem os analistas contactados pelo SOL.
De acordo com Eduardo Silva, diretor da XTB Portugal, as metas são possíveis e não são ambiciosas. Em relação ao crescimento de 2%, admite que parece forte, mas reconhece que acontece numa conjuntura internacional que é excecional. «O crescimento é alimentado, em grande parte, por políticas monetárias expansionistas dos principais bancos centrais que inundam o mercado de liquidez, isto segue a ordem natural, banco central dá folga aos bancos, bancos dão folga ao consumidor e tudo flui. A realidade é que 2% é medíocre ou baixo quando entendemos o que se passa a nível global». Mas deixa um alerta: «Tudo depende da conjuntura internacional, o mercado segue inundado de dinheiro barato com o apoio do BCE, os ‘credit ratings’ têm vindo a ser melhorados e permitem financiamento a níveis mais vantajosos que dão a folga necessária para um ligeiro aumento do investimento por parte do Governo».
Opinião contrária tem Pedro Amorim, analista da corretora Infinox, ao garantir que as previsões de crescimento estão bastante otimistas. «Neste momento, a rubrica mais importante é a do consumo em que poderá ter quedas devido ao receio de nova crise, e o Governo atual aponta para um crescimento dessa rubrica o que é um cenário extremamente exagerado», refere ao SOL.
Já em relação ao crescimento de 2% para 2020, o analista também garante que é fraco e dá o exemplo de Irlanda. «A economia Irlandesa teve um crescimento superior a 6% ao ano no pós-crise. Seria desejável Portugal crescer esses valores, uma vez que somos um país pequeno e com uma economia ainda pouco desenvolvida em relação aos grandes países europeus. Esta diferença deve-se em focos diferentes: Investimento versus Consumo. Portugal apostou demasiado no consumo», salienta o analista da Infinox.
Défice zero
No esboço e, tal como já vinha a ser assumido nos últimos meses pelo ministro das Finanças, o défice foi revisto em baixa de 0,2% para 0,1% do PIB, justificando a melhoria com uma subida da receita acima do esperado. «Em 2020, o Projeto de Plano Orçamental prevê uma evolução da receita em linha com o crescimento nominal do PIB, enquanto a despesa pública evolui de forma consentânea com os compromissos políticos assumidos ao longo da legislatura que agora termina», diz o documento. E dá como exemplo «o impacto orçamental decorrente da fase final do processo de descongelamento das carreiras da administração pública; os projetos de investimento público, entretanto autorizados e, nalguns casos, já em execução; e o crescimento das prestações sociais decorrente do reforço da prestação social para a inclusão, do subsídio de parentalidade e do abono de família».
Mas nem tudo são boas notícias. Pedro Amorim lembra que os custos com a banca irão ser os principais riscos para que a meta seja atingida. «Mais custos com o Novo Banco vão existir, resta saber quanto», refere ao SOL.
Recorde-se que, no Programa de Estabilidade 2019-2023, o Executivo estimou um défice de 0,2% do PIB este ano e um excedente de 0,3% em 2020. Mas, no final de setembro, Mário Centeno chegou a admitir que o défice deste ano poderia ficar «ligeiramente» abaixo dos 0,2%, nomeadamente na sequência das receitas de IVA.
Carga fiscal elevada
O Governo desceu agora em três décimas a previsão para o saldo orçamental em 2020, de um excedente de 0,3% para um saldo nulo. Ao mesmo tempo, antecipa que o rácio da dívida pública fique em 2019 e em 2020 se fixe em 119,3% e 116,3% do PIB, respetivamente, quando no Programa de Estabilidade apontava para 118,6% e 115,2%.
A carga fiscal mantém-se nos 34,9% em 2019, mas recua em 2020. A carga fiscal deverá manter-se nos 34,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 e baixar uma décima, para 34,8%, em 2020. Os 34,9% de carga fiscal projetados para 2019 são idênticos ao valor apurado para 2018 na sequência da revisão da base das contas nacionais (que passou a ter por referência o ano de 2016) pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Segundo os dados provisórios do organismo para 2018, conhecidos em setembro, a carga fiscal, que inclui receita de impostos e contribuições efetivas fixou-se em 34,9%, contra a anterior previsão feita em março, de 35,4% do PIB.
Apesar desta revisão em baixa, o valor estimado para 2018, continua a ser o mais elevado desde pelo menos 1995, ano do início da série disponibilizada pelo instituto.
Recorde-se que no Programa de Estabilidade 2019-2023, apresentado em abril, o Governo projetava uma carga fiscal de 35,1% em 2019 e 2020; de 35,0% em 2021 e 2022; e de 34,8% em 2023.
Eduardo Silva lembra que algum alívio para as empresas «parece importante para fomentar o crescimento considerando os recentes aumentos no salário mínimo e com um Governo sem maioria este tópico voltará de certeza a ser ponto de negociação. Se considerarmos que temos o salário mínimo mais elevado da Europa relativamente ao mínimo, entendemos que igualmente neste ponto as empresas necessitam de alguma folga para acompanhar estes aumentos nos restantes salários».
Taxa de desemprego
O Governo reviu em baixa a estimativa para a taxa de desemprego para 6,3% este ano, em comparação com a previsão anterior que apontava para 6,6% inscrita no Programa de Estabilidade, em abril. Para o próximo ano, as expectativas apontam para que a taxa de desemprego desça para 5,9%. «É natural que se mantenha ou seja revista em baixa. Nestes valores a economia segue num caminho favorável uma vez que é um dos pilares de crescimento. Não existem razões para esperar uma inversão da tendência nesta altura», refere o analista da XTB.
Já Pedro Amorim garante que o principal risco estará no desemprenho do setor do turismo e da restauração, onde foram criados mais empregos nos últimos cinco anos.
Nos números enviados a Bruxelas, o Governo melhorou as estimativas para o consumo privado, este ano e no próximo, de um crescimento esperado de 1,8% nos dois anos (previsão de abril) para 2,2% e 2,1%, respetivamente. Já para o investimento (Formação Bruta de Capital Fixo), o Governo reviu em alta a previsão de crescimento para 8,2% este ano, face aos 5,3% esperados em abril, e depois dos 5,8% registados em 2018, antecipando uma desaceleração para 5% em 2020 (mais uma décima do que o previsto antes).
Para Eduardo Silva, as metas ainda são realistas, mas aponta incertezas. «Durante quanto tempo conseguimos assistir a este nível de consumismo é incerto mas enquanto as variáveis não se alterarem os padrões vão se manter. Crédito barato, consumo forte. É inevitável». Por seu lado, Pedro Amorim afirma que estas previsões estão fortemente dependentes da evolução da economia europeia. «Estamos a ver as maiores economias a entrar em recessão e apontar para a melhoria destas duas rubricas pode ser imprudente».
CFP com ‘reservas’
O Conselho de Finanças Públicas (CFP) apontou «reservas» sobre as estimativas incluídas no Projeto de Plano Orçamental 2020. A instituição liderada por Nazaré Cabral justifica-as com a «ausência de previsões macroeconómicas comparáveis produzidas por outras instituições [que] dificulta a qualificação quanto à sua probabilidade».
Além disso, os «elementos explicitados neste parecer relativamente ao comportamento das componentes da procura, em particular das exportações e das importações em 2020, não permitem considerar o cenário apresentado como prudente, dados os elevados riscos descendentes que incidem na previsão de aceleração da atividade económica em 2020», refere.
Uma previsão baseada em pressupostos que, segundo o CFP, não permitem considerar o cenário apresentado como prudente, dados os elevados riscos descendentes que incidem na previsão de aceleração da atividade económica em 2020.
Já em relação à previsão de crescimento para 2019, o CFP considera-a como «mais provável». Ainda assim, lembra que, dada a revisão do INE para o crescimento do PIB em 2017, 2018 e no primeiro semestre de 2019, manter-se uma previsão de crescimento para o corrente ano igual à que tinha no Programa de Estabilidade «implica que esse cenário ou era demasiado otimista na altura da sua elaboração ou o abrandamento da economia agora estimado para 2019 é mais forte do que o anteriormente esperado pelo Ministério das Finanças».