Rui Rio disse que o resultado do PSD não foi uma grande derrota. 27% é, ou não, um desastre eleitoral para um partido como o PSD?
É evidente que é um desastre. Uma derrota desastrosa. Talvez a comparação seja com a catástrofe das europeias e, nesse caso, estamos a falar da diferença entre uma catástrofe e um desastre, mas isso não serve para um grande partido nacional que tem de ser uma alternativa ao PS.
O que achou do discurso que Rui Rio fez na noite eleitoral?
Rui Rio demonstrou, no discurso que fez na noite eleitoral, que esteve sempre mais preocupado em concorrer contra os seus críticos internos do que contra o poder socialista e a hegemonia da esquerda. Por outro lado, Rui Rio deveria ter percebido que a diferença entre o resultado das europeias e o das legislativas foi conseguida pela lealdade do ‘povo das direitas’ que foi desprezado por ele e pela atual direção. Foi o ‘povo das direitas’ que, num ato de lealdade, e assustado com a possibilidade de o Partido Socialista ter maioria absoluta, resolveu, apesar de tudo, dar o voto ao PSD. Da minha parte, agradeço a todas as pessoas, de Norte a Sul do país, que com essa atitude de lealdade garantiram que o PSD continua a ser um partido nacional. Isso era muito importante manter.
Qual foi o principal problema do PSD? Pagou o preço por ter feito uma oposição fraca à geringonça? Ou houve um problema com a liderança?
Há vários. Já chamei a atenção para o facto de os problemas das várias direitas não serem exclusivamente conjunturais. Um desses problemas será a direita ainda não ter saído de uma espécie de estatuto de menoridade que aceitou relativamente à hegemonia cultural da esquerda. Isto é, a direita aceitou a linguagem da esquerda e aceitou a problematização das questões da sociedade portuguesa tal como ela é feita pela esquerda. Portanto, aceita discutir os desafios colocados ao país nos termos colocados pela esquerda. Isto é entrar semi-derrotado para um debate. É por essa razão que tenho feito um apelo a uma refundação ou a uma reconfiguração cultural da direita.
O que significa isso?
Há aqui um problema de pensamento e de preparação intelectual para o debate político e para a intervenção cívica. Se os portugueses virem os problemas que aparecem no espaço público e as soluções propostas sempre formuladas numa linguagem e num enquadramento definido pela esquerda, é óbvio que as vozes esquerdistas parecem muito mais razoáveis do que outras. Esse trabalho tem de ser feito e não cabe exclusivamente aos partidos. Tem de haver em Portugal o que houve em muitos outros países. A sociedade civil, que não se revê nesta estagnação, nesta degradação institucional e nesta corrupção que define o socialismo português, tem de organizar essa reflexão e não pode estar à espera que seja o PSD ou o CDS a fazê-lo.
Deve ser a sociedade civil a fazer essa reflexão?
Isto é muito mais do que uma crise do PSD e do CDS. É uma crise do regime político português, porque está coxo. A perna direita está atrofiada relativamente à perna esquerda. A direita política ou as várias direitas entregaram, há pelo menos trinta anos, o espaço cultural e intelectual à esquerda. E isso agora paga-se em termos políticos. E paga-se com esta estagnação, com esta pobreza. Um dos truques de António Costa é manter as expectativas baixas. O_PS reclama como um grande progresso civilizacional qualquer coisa que aparece na sociedade portuguesa que seja um pouco mais do que a mediocridade.
Nos últimos tempos houve muitas divergências internas. O que motiva essas divisões?
Neste momento existe uma direção em funções e o líder vai recandidatar-se. Desde logo isso coloca um linha divisória entre a continuidade, ou não, do rumo estratégico executado por Rui Rio nos últimos dois anos. Já percebemos que Rio vai querer fazer mais do mesmo.
Quando começou a ter dúvidas sobre a razoabilidade desta estratégia?
Desde o início que sou um crítico irreconciliável deste rumo estratégico porque entendo que isso é falhar gravemente à vocação do PSD como grande partido pluralista e nacional. A estratégia de Rui Rio é colocar o PSD na dependência cultural, política e cívica do Partido Socialista. É uma espécie de grande Bloco Central cultural. Esse é o projeto de Rui Rio que passou pela exclusão de todos aqueles que não pensam desta maneira. Um projeto absurdo, ridículo, de depuração ideológica em que se considera que no PSD – ao invés do que foi nos últimos 45 anos, que é uma grande federação das várias famílias não socialistas – só há espaço para uns quantos que têm um pensamento ideologicamente purificado em torno de uma social-democracia que nem sabem definir qual é.
A aproximação ao PS é um erro?
É um erro grave e afasta o PSD da sua vocação de ser um partido agregador. E, como se tem visto nos últimos dois anos, a aproximação ao PS afasta o PSD de um povo que historicamente sempre representou. Os eleitores do PSD são conservadores, liberais, democratas-cristãos e social-democratas. Não são só de um tipo. E, portanto, reduzir e afunilar é falhar a missão do PSD no papel que tem no regime político português e condená-lo a ser um partido pequenino. Também não esqueço que, sem este rumo estratégico, não teria havido a criação de dois ou três partidos que nos tiraram muitos votos, sobretudo nos grandes centros urbanos como Lisboa e Porto. Isto não teria sido possível sem uma insatisfação muito grande relativamente ao rumo do PSD.
Considera que Rui Rio devia fazer um esforço para unir o partido?
Não nos podemos esquecer que alguns apoiantes de Rui Rio até apelaram à demissão dos deputados. É uma coisa ofensiva. Uma espécie de declaração de guerra num partido que não estava em guerra. O partido estava pacificado e a negociação entre as diversas famílias é uma prática com muitos anos. Este rumo estratégico é a negação disso.
Como se vai posicionar nas eleições internas? Vai apresentar uma candidatura ou apoiar um dos candidatos?
Estou ainda a averiguar se consigo reunir os meios que preciso para levar por diante a candidatura que desejo. Estou convencido que represento uma parte do partido, em termos de princípios e de valores, e represento uma parte do eleitorado do PSD. E, por isso, se me candidatar à liderança tenho de fazer uma campanha que seja condigna com as pessoas que estou a representar. Não estou seguro de que tenha os meios necessários para lançar uma candidatura dessa forma condigna.
Identifica-se com alguma das candidaturas que já apareceram?
Preciso de conhecer melhor essas candidaturas. Estou curioso e quero ouvi-las. Conheço melhor o Luís Montenegro, porque fui vice-presidente dele com muita honra. Quero dizer que o Luís foi um excelente líder parlamentar numa conjuntura muito difícil. Fê-lo com competência e com brilhantismo. Não me esqueço daqueles que prestaram serviços muito importantes ao PSD e ao país numa época muito difícil. Muitos não estiveram disponíveis para esse serviço. Não renego o meu passado e o trabalho que fiz com o Luís, mas neste momento acho que posso trazer uma clareza para o debate que outros não trazem.
Se avançar tem poucas hipóteses de vencer. O que pretende?
Não está só em causa quem ganha e quem perde, porque as ameaças que o PSD enfrenta são tão grandes que estas eleições internas deviam ser um pretexto para um debate genuíno sobre o nosso futuro. Não devem ser só eleições de sucessão, devem ser de clarificação. Para mim nunca foi critério decisivo saber se tinha possibilidades de ganhar, ou não. Nem sequer aquilo que muitas vezes assusta companheiros meus, que é ir a votos e ter aquilo que se chama um resultado humilhante. Entrar num debate a este nível devia ser um motivo de orgulho suficiente para as pessoas quererem participar.
Quando vai decidir?
Vou precisar de mais uma semanas. Certamente não decidirei neste mês de outubro.
Luís Montenegro já anunciou a candidatura. Daria um bom líder?
O PSD tem pessoas que podem garantir boas lideranças e temos de saber protegê-las e não andar sistematicamente a destruí-las antes de se afirmarem. O Luís Montenegro já demonstrou ter capacidades de liderança quando foi líder parlamentar. A minha alternativa ao Luís Montenegro não resulta de pôr em causa os dotes de liderança que ele já manifestou. O PSD ainda conta, entre as suas fileiras, com pessoas que podem construir uma liderança forte. Foi por isso que fiquei desencantado quando percebi, no final de 2017, que os únicos candidatos seriam Rui Rio e Santana Lopes. Havia um leque de opções mais satisfatórias. Mas, por razões táticas e algumas hesitações, o PSD ficou naquele beco sem saída entre Santana Lopes e Rui Rio. Espero que isso não aconteça agora.
Faz sentido discutir se o PSD deve ocupar um espaço mais ao centro ou mais à direita?
Não. Essa discussão faz parte daquele movimento absurdo de purificação ideológica que não tem razão de ser. Há aqui muitas confusões conceptuais e intelectuais. Esta coisa de reposicionar o PSD ao centro sugere que houve aqui uma deriva que afastou o partido para as franjas do radicalismo. Também se percebeu pelo discurso de Rui Rio que ele se estava a recandidatar para evitar uma deriva liberal no PSD.
Existe esse perigo?
São recursos retóricos de uma pobreza intelectual gritante e que são contraproducentes. O que se está a passar é um aval, um cheque em branco, aos absurdos que António Costa e o PS andaram a dizer durante estes quatro anos: que os radicais eram o PSD e o CDS e os moderados eram o Bloco de Esquerda e o PCP. Isto devia merecer repúdio de quem tem a responsabilidade de liderar o PSD e, com estes atalhos pobres, o que se está a fazer é dar cobertura ao PS.
Mas António Costa conseguiu colar a direita a uma ideia de austeridade e o PS ao crescimento, à redução do desemprego…
Essa foi a única estratégia do PS. O_Partido Socialista não tem um único projeto de reforma para o país. Neste momento, o PS é o imobilismo e a gestão da estagnação do país. Só em Portugal, nem sequer na Grécia, com quem no meio da nossa arrogância gostamos de nos comparar favoravelmente, seria possível ter um Governo com um líder e um núcleo duro que pertenceram aos governos que conduziram o país à bancarrota. Seria impossível. Na Grécia seria impossível formar um Governo, em 2015, que contasse com quatro ou cinco ministros principais e com o seu líder que tinham sido aliados incondicionais e fanáticos de um Governo que destruiu o país. Por isso é que temos de analisar a hegemonia do Partido Socialista. Isso devia estar em discussão, que devia ser liderada pelo PSD. Mas a direção do partido e os seus apoiantes o que fazem, na prática, é dar cobertura a essa obra de propaganda.
Como vê este novo Governo de António Costa?
É o Governo típico do Partido Socialista. Este Governo é só a gestão da situação. O país tem problemas muito graves que carecem de respostas políticas. Isso só se faz se o país estiver mobilizado porque são respostas políticas que demoram, na sua preparação e na sua execução, anos e anos. Não vamos poder contar com António Costa para nada disso. Ganhou as eleições e tem toda a legitimidade democrática para exercer as suas funções, mas este Governo não tem nada a oferecer. Isso ficou claro na campanha eleitoral em que António Costa não falou um minuto sobre o futuro do país.
O facto de não existirem acordos escritos entre a esquerda pode colocar em causa a estabilidade conseguida no primeiro Governo liderado por António Costa?
António Costa é o responsável pelo fim da geringonça. O Bloco de Esquerda estava mais do que disponível para fazer todo o tipo de entendimentos. E agora existem novos aliados. Se António Costa quisesse teria havido outra geringonça.
Como se deve posicionar, a partir de agora, o PSD?
O PSD não tem de ficar à espera daquilo que o PS decide fazer. O PSD devia ser responsável por uma clarificação. Ou seja, se António Costa decidiu, em 2015, que os entendimentos se fazem à esquerda, tem de ser consequente com essa escolha. Isso, na prática, quer dizer que o PSD devia recusar, desde já, dar qualquer apoio ao programa de Governo e à aprovação do Orçamento do Estado.
O PSD devia deixar claro que não está disponível para viabilizar os orçamentos?
O PSD deve dizê-lo já. Só assim é possível responsabilizar a esquerda pela situação política que geraram desde 2015 até agora. O PSD tem de deixar claro que não está cá para cooperar com o PS. Essa é uma etapa do caminho para a saída da menoridade em que se encontra relativamente à esquerda. Temos de fazer esse caminho sozinhos. Sem o PS. O que não contribuiu para essa clarificação foi a confusão lançada pela direção de Rui Rio a dizer que era possível aprovar o Orçamento do Estado.
Está a referir-se à declaração feita por David Justino, vice-presidente do PSD, que não excluiu viabilizar o orçamento se contemplasse medidas do PSD?
Evidentemente. Essa ambiguidade existiu últimos dois anos. Nunca acusei Rui Rio de esconder o jogo. Posso dizer-lhe que, na primeira reunião do grupo parlamentar, disse ao Rui Rio que o criticava, porque levo a sério essa ambiguidade que ele alimenta. Rui Rio nunca escondeu a estratégia. Aquela ideia de que há reformas estruturais que exigem grandes acordos com o Partido Socialista em nome do interesse nacional…
Não é assim?
As pessoas têm de compreender que a ambição do PS é governar sempre. Não é governar em alternância. O_PSD não pode estar ao dispor do Partido Socialista quando este governa com partidos extremistas, como o PCP e o Bloco de Esquerda. Isso é tornar o Partido Socialista num partido incontornável do regime. O_PSD não pode cooperar com este projeto lesivo da nossa qualidade democrática.
Mas há reformas que seriam mais fáceis de avançar com consensos entre os partidos?
É preciso não ter vivido em Portugal nos últimos 25 anos para pensar que este Partido Socialista quer fazer reformas estruturais. Não quer fazer reformas nenhumas e muito menos naqueles temas que o Rui Rio diz que são prioritários. Quantas mais portas fechadas com estrondo na nossa cara é preciso para compreender o que se passa à nossa frente?
Cabe ao PSD tentar dar um contributo para que essas reformas sejam feitas?
É preciso mobilizar a sociedade portuguesa para fazer reformas estruturais duráveis. Tem de se convencer a sociedade da necessidade dessas reformas. É preciso fazer esse trabalho.
Nos últimos anos apareceram novos partidos de direita. São partidos diferentes, mas possivelmente desviaram votos do PSD. Esses projetos têm potencial para crescer?
O potencial de crescimento destes partidos vai depender do modo como o PSD e o CDS responderem à crise interna em que estão envolvidos. Estes partidos dificilmente teriam a implantação que têm hoje se o PSD tivesse revelado uma outra maturidade pluralista e uma outra aceitação do seu património federador. O PSD tem de reconstruir o seu património fundador dentro das suas fronteiras e deve ser uma grande federação das várias famílias políticas no seu interior. A partir daí pode liderar um projeto que federe também as outras forças das várias direitas para uma grande coligação pré-eleitoral com um programa político comum.
O Chega entra nessa coligação?
O Chega, quando formei o Movimento 5.7, decidiu auto excluir-se com o argumento de que também fazíamos parte do sistema que querem combater. Essa exclusão está feita por iniciativa do Chega, mas tenho assistido a uma diabolização do partido e de André Ventura na qual não alinho. Num país que normaliza partidos de extrema-esquerda não posso alinhar na diabolização do Chega, por maiores que sejam as divergências. E são muitas. Os dois grandes eixos desta coligação pré-eleitoral são o europeísmo e o reformismo.
Trabalhou com Passos Coelho no tempo da troika. No PSD há muitas pessoas que acusam Passos Coelho de ter abandonado a social-democracia. O PSD passou a ser um partido diferente?
Muitas dessas observações foram pura e simplesmente disparates. Não merecem outra consideração. A subida à liderança de Passos Coelho é quase coincidente com um dos períodos mais negros da história da democracia, com a pré-bancarota do país e a execução do programa de assistência, que condicionaram imensamente a ação política. Desvalorizar esses condicionamentos passa a ser um debate feito por pessoas que estiveram de má fé em todo esse período.