A Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) está a recrutar mais de uma dezena de quadros de direção para o órgão regulador.
A entidade liderada por João Cadete de Matos está a recrutar 13 pessoas para cargos de direção, cujos salários mensais variam entre os 5.385,45 euros e os 7.090,90 euros brutos, de acordo com a lista salarial a que o SOL teve acesso. Ao que o SOL apurou, esta necessidade de recrutamento reflete o mal-estar interno vivido na Anacom.
Fonte oficial do regulador afasta mal-estar interno e ao SOL garante que «o novo modelo organizacional da Anacom foi concebido em articulação com o quadro legal que enquadra a atuação desta Autoridade e visa tornar esta Autoridade mais ágil, mais integrada e multidisciplinar, ficando mais bem capacitada para enfrentar os desafios com que se depara na regulação do setor das comunicações eletrónicas e postal e das atividades espaciais», recordando que a última alteração da estrutura organizativa ocorreu há 10 anos e, desde aí, tem estado inalterada.
O prazo de candidaturas terminou no dia 31, mas o SOL sabe que o recrutamento está a ser feito por uma empresa externa e o processo de análise continua a decorrer. Em cima da mesa está o recrutamento de vários cargos de direção, a saber: diretor-geral; diretor-geral de regulação; diretor-geral de informação e inovação; diretor da delegação dos Açores; diretor da delegação da Madeira; diretor da delegação do Porto; diretor de gabinete de apoio ao conselho de administração; diretor de gabinete de auditoria interna; diretor de gabinete de comunicação; diretor de gabinete de contencioso; diretor de gabinete de relações externas e desenvolvimento; diretor-geral de pessoas e recursos financeiros; e, por fim, diretor-geral de supervisão.
Os valores que são pagos pela Anacom – semelhantes, aliás, aos que são praticados por outros órgãos de regulação – ficam bem acima dos salários brutos pagos ao Presidente da República (cerca de 6.700 euros brutos mensais), ao presidente da Assembleia da República (5.200 euros brutos mensais) ou ao primeiro-ministro (cerca de 4.900 euros brutos mensais) – ainda que, nestes três casos, acresçam aos respetivos salários-base uma verba relativa a despesas de representação.
Mas a questão, no caso da Anacom, ganha outros contornos uma vez que a entidade liderada por Cadete de Matos está a recrutar 13 cargos de direção ao mesmo tempo – o que não é usual.
Recorde-se que a Anacom é subsidiada, em parte, pelos operadores que regula. Os últimos dados que são conhecidos são referentes a 2018, altura em que a autoridade fechou o ano com lucros de 43,5 milhões de euros. Um valor que representou um aumento de 21% face ao ano anterior. Esta subida é explicada essencialmente com o aumento dos rendimentos obtidos com as taxas aplicadas às operadoras de telecomunicações.
Nesse ano, as taxas subiram 6%, para 93,56 milhões de euros, fruto de um aumento de 9% dos rendimentos com as taxas anuais de atividade de comunicações eletrónica e de 5% dos rendimentos com as taxas de utilização de frequências. Feitas as contas, as receitas da Anacom subiram 8% no total, para 98,37 milhões de euros, impulsionando o resultado líquido da entidade reguladora.
Forte contestação
Mas a liderança de João Cadete de Matos não é só contestada internamente. O responsável também tem estado debaixo de fogo junto das empresas do setor.
O dossiê do processo de implementação da quinta geração móvel (5G) a migração da televisão digital terrestre (TDT) são os casos mais polémicos e também são os que têm recebido maiores críticas por parte empresas de telecomunicações. Ainda nesta sexta-feira, a Altice Portugal apresentou ao regulador o planeamento detalhado de migração da rede TDT com a data de alteração de cada estação emissora, voltando a afirmar que o calendário apresentado pela Anacom «é irreal e impossível de cumprir».
Segundo a empresa liderada por Alexandre Fonseca, a decisão do regulador «não atendeu sequer aos prazos de entrega dos equipamentos necessários, nomeadamente desconsiderando a necessidade de realização de uma série de atividades de implementação técnica previstas para execução em período anterior ao rollout, incluindo as relativas ao piloto, à instalação de novos emissores e à instalação de sistemas radiantes».
Para a operadora, o calendário possível de cumprir, e num cenário em que não se verifiquem mais atrasos, tem início em 10 de fevereiro de 2020 e fim em 24 de julho de 2020. Este calendário considera o prazo de quatro meses para a entrega dos equipamentos necessários para a migração da rede TDT e o período de rollout de cinco meses e meio.
Já relativamente à calendarização do piloto, no dia 27 de novembro, e à instalação de novos emissores, a Altice Portugal acredita ser possível realizá-las «graças a todo o esforço desenvolvido pelas suas equipas de engenharia e operações».
Outra guerra do setor diz respeito ao 5G e já levou a NOS e a Vodafone a apresentarem queixas nos tribunais contra o regulador, acusando Cadete de Matos de inação e de prejudicar o interesse público ao não cumprir a lei de forma imediata. Também a Altice tem tecido duras críticas à atuação da Anacom, defendendo que Portugal está atrasado seis meses no lançamento do 5G e chegou mesmo a pedir a sua demissão pela forma como está a gerir todo este processo.
A Anacom já apresentou as condições para o lançamento desta tecnologia e explicou que optou pelo leilão, por considerar que esse é um processo mais transparente. O início do leilão está previsto para abril de 2020 e o encerramento dois meses depois. A entrega da licença deverá acontecer em entre julho e agosto do próximo ano.
Condições essas que não agradam ao setor. «As propostas relativas ao concurso são ainda muito genéricas e nada reveladoras da estratégia do país para a atribuição de espetro. Tal significa que estamos a protelar no tempo a discussão e a comprometer a atribuição de espetro nos prazos desejáveis», afirma a associação agora liderada por Pedro Mota Soares.
E as críticas não ficam por aqui. A APRITEL considera ainda que «não existe qualquer garantia de que todos os operadores terão acesso ao espetro necessário para explorar, de uma forma eficiente e inovadora, todas as potencialidades do 5G».
Também esta semana, a empresa liderada por Alexandre Fonseca anunciou ter saído do grupo de trabalho sobre roaming nacional. Desta forma, a operadora não vai estar presente na próxima reunião, marcada para 26 de novembro. Até à data, houve cinco reuniões, e a empresa garante que «realizou uma análise do esforço exigido para especificar em detalhe, desenvolver e implementar esta solução» e chegou à conclusão de que não compensava prosseguir com este projeto.
Em causa está a solução de roaming nacional que acontece quando um utilizador, numa zona sem cobertura da sua rede, se pode ligar a outra operadora, em território nacional.
Ainda na semana passada, o presidente da Anacom questionou: «Por que é que um cidadão estrangeiro, quando está no nosso país, se pode ligar a qualquer rede e alguém que fique sem acesso à sua operadora não consegue, em emergência, pedir ajuda através de outra operadora? Não faz sentido”, disse à Visão. João Cadete Matos afirmou ainda que Portugal deveria seguir o exemplo do que já acontece em 14 países europeus, referindo que «nada justifica» que o país «fique para trás nesta matéria».
No entanto, a empresa liderada por Alexandre Fonseca manifestou-se surpreendida com as declarações do presidente da Anacom, já que «a existência de um grupo de trabalho não é sinónimo de que exista um acordo entre todos», apontando que alguns países da Europa têm «acordos bipartidos entre alguns operadores, e não de roaming nacional generalizado».
Guerra antiga
O verniz estalou entre o regulador e as operadoras de telecomunicações em setembro passado, no congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), destinado a discutir o estado da nação das comunicações. E continua até aos dias de hoje.
O SOL sabe que não existe comunicação entre o regulador e os agentes do mercado – ao contrário da prática de diferentes conselhos anteriores – nem existem formas de cooperação entre o regulador e as empresas do setor. Ao polémico dossier 5G juntam-se outros casos, nomeadamente o período de fidelização que acabaram por não sofrer alterações. Mas que ainda assim. levaram as operadoras a acenar com subida de preços.