Avenda da Quinta Braancamp, megaprojeto imobiliário no Barreiro, vai ser debatida e votada em Assembleia Municipal no próximo dia 27 de novembro e só a partir daí é que será lançada o concurso internacional. A garantia foi dada ao SOL por Rui Braga, vereador da Gestão e Reabilitação Urbana da autarquia. «A partir do momento em que for lançado o concurso internacional vai decorrer um prazo de 60 dias, o que significa que só em fevereiro ou março é que será conhecido o resultado da proposta vencedora».
A autarquia tem-se reunido com vários potenciais interessados e Rui Braga acredita que «a concurso deverão ir, pelo menos, três». O concurso terá um valor base de cinco milhões de euros, mas vai implicar um investimento privado na ordem dos 60 milhões de euros. Está prevista a criação de mais de seis dezenas de empregos. Mas, ao SOL, o vereador da Gestão e Reabilitação Urbana da autarquia garante que, na avaliação da proposta, terá maior peso a valorização do espaço, em detrimento dos valores financeiros (30%).
«Acreditamos que é um projeto que vai mudar a cidade e será um catalisador para outras áreas, pois vai dinamizar a atividade económica, vai criar habitação e irá apostar fortemente em áreas de lazer», afirma Rui Braga.
Trata-se de um terreno na frente ribeirinha na margem sul do Tejo, virada para Lisboa, com 21 hectares que estão atualmente em estado de abandono. A quinta pertencia à antiga Sociedade Nacional de Cortiças e foi adquirida em 2016 pela Câmara Municipal do Barreiro ao BCP – que ficou com aquele espaço após processo de insolvência da Sociedade Nacional de Cortiça –, sob a vereação PCP, por cerca de três milhões de euros. Já na altura, a autarquia chegou a admitir a possibilidade de construir naquele território, uma vez que, desde 1994, o plano diretor municipal (PDM) prevê a edificação naquele espaço. No entanto, só agora, sob a alçada socialista, irá a concurso.
No entanto, o processo de venda será condicionado com o reforço de imposições por parte de quem ganhar a corrida e incide essencialmente no espaço público. «Destes 21 hectares só 5% será ocupado por habitação. Apenas será permitida a construção de 25 mil metros quadrados e não poderão criar nenhuma parede na frente rio. O restante espaço irá contemplar uma área verde circundante, de lazer, ambiente, etc.», revela ao SOL o vereador. Feitas as contas, representa a criação de 185 novos fogos, o que dará lugar a 555 habitantes.
Mas as exigências não ficam por aqui. Rui Braga diz ainda que a proposta terá de contemplar a reconstrução das casas senhoriais que estão neste momento em ruínas e obrigatoriamente terão de ser transformadas em unidades hoteleiras. Um critério que, segundo o responsável, «vai suprir uma necessidade gritante do município porque o concelho não tem qualquer oferta hoteleira».
Além disso, o investidor que ganhar o concurso terá de qualificar o espaço público, assim como dotar a área de equipamentos desportivos. Um desses exemplos, é a construção de um campo de futebol. Ao mesmo tempo, terá de levar a cabo a recuperação patrimonial da caldeira e permitir a sua utilização por clubes e escolas de remo.
Outra aposta passa pela restauração do moinho, que poderá ser usado como espaço de lazer. O vereador lembra que essa zona poderá «facilmente ser convertida num espaço de restauração».
Também a cargo do investidor estará a implementação da infraestruturação do território – saneamento, energia e telecomunicações – e a dinamização económica e criação de emprego.
Projeto polémico
Mas este megaprojeto imobiliário está longe de gerar consenso. A Plataforma Cidadã Braancamp é de Todos lembra que «independentemente das contrapartidas que possam ser exigidas ao investidor, no sentido de que algum espaço seja reservado ao usufruto público, o que está em causa é a edificação de prédios em zona muito próxima do rio», revela numa carta aberta assinada por 59 personalidades que o SOL teve acesso. O mesmo documento lembra que essa zona «está sujeita a alagamento devido à previsível subida das marés, em consequência das alterações climáticas».
Duas preocupações que são afastadas por Rui Braga. Se por um lado, está totalmente afastada a ideia da habitação tapar a vista, já que obrigatório manter o corredor visual, por outro lado, a proposta terá de incorporar medidas de combate às alterações climáticas.
As críticas não ficam por aqui. A mesma plataforma lembra que existem no Barreiro 6.400 fogos devolutos e vários lotes urbanizáveis a necessitar da atenção prioritária do executivo e, como tal, não entendem a opção de ocupar um terreno natural e arborizado com mais habitação. «Além de que é expectável que a construção de prédios na Quinta requeira tais condições de investimento que os mesmos só possam ser vendidos a preços proibitivos, inacessíveis à maioria dos cidadãos barreirenses», refere.
O mesmo grupo de cidadãos não tem dúvidas: «Existem soluções alternativas para o território da Braancamp, aliás já experimentadas noutros municípios da margem Sul: por exemplo, no Seixal e na Baixa da Banheira, onde os municípios construíram parques ribeirinhos de grande qualidade, com investimento público e sem necessidade de recurso à especulação imobiliária para a melhoria dos espaços».
E deixam um apelo: «Qualquer que seja a solução para a Braancamp, ela não pode passar pela construção de prédios naquele território», pedindo para que não seja aprovado «nenhum projeto de construção imobiliária na quinta, sob pena de comprometer futuros planos de renaturalização e recuperação patrimonial do território».
Guerra antiga
O que é certo é que estas reivindicações não são novas.
Ao SOL, um dos responsáveis do movimento A Quinta Braancamp é de Todos chegou a alertar para o potencial daquela zona do Barreiro, considerando que isso seria posto em causa por este megaprojeto. «A Braancamp é um espaço ribeirinho único, com uma importância ambiental, com um grande potencial ambiental e muito turístico», com potencial para «se tornar uma âncora de desenvolvimento sustentável no Barreiro», projeto que considera ser «completamente perdido com esta opção, que vai privilegiar o imobiliário e não a qualidade de vida dos cidadãos», referiu.
Segundo os mesmos, a Quinta do Braancamp serviria melhor a população se fosse apenas requalificada para usufruto público. «Por razões de ordem histórica, patrimonial, ambiental e ecológica, os barreirenses que integram este movimento declaram a sua discordância com tal alienação, afirmando que a propriedade municipal se deverá manter no domínio público», referem.
E as críticas não ficam por aqui. Também o PCP, em março, chegou a acusar a gestão socialista de se colocar «ao serviço de interesses privados duvidosos, à revelia dos interesses barreirenses» com vista a «aprofundar um processo de deriva de especulação imobiliária e de negócios pouco claros». Mas, na altura, a resposta não se fez esperar do lado do PS, lembrando que a CDU no poder também pretendia construir no mesmo local.