A venda das Seguradoras Unidas – que conta com as marcas Tranquilidade, Açoreana e LOGO – ao grupo italiano Generali por parte do fundo norte-americano Apollo representa «um atestado de incompetência ao país». A garantia é dada ao SOL por Pedro Amorim, analista da corretora Infinox.
E dá uma explicação: a Tranquilidade pertencia à Espírito Santo Finantial Group (ESFG) e foi vendida ao fundo norte-americano por 40 milhões em agosto de 2014, depois de ter passado para a titularidade do banco por causa de um penhor, sendo agora revendida juntamente com as outras duas companhias por 510 milhões de euros. Essa alienação foi feita sob a liderança de Vítor Bento.
Uma operação que já recebeu luz verde por parte de Bruxelas. «Face ao valor desta revenda só posso dizer uma frase: foi passado um atestado de incompetência ao país», lembrando que, por outro lado, também foi vendida no leque a Açoreana (ex-Banif), igualmente adquirida pela Apollo após a queda do banco em 2016.
«Neste momento, o mercado financeiro ‘ri-se’ de todas as trapalhadas com a resolução do BES, esta é mais uma delas que não fica isenta. Ainda falta referir neste negócio a empresa de serviços de saúde AdvanceCare que ronda mais 90 milhões, fazendo um total de 600 milhões», acrescentando que os «fundos especialistas em dissolver empresas, como a Lone Star e o fundo Apollo, apenas investem em ativos com dificuldades e encontraram um ‘negócio da China’ em Portugal», refere o analista ao SOL.
As críticas vão mais longe, com Pedro Amorim a garantir que «não houve encaixe nenhum, antes pelo contrário» E deixa a garantia: «Estamos a falar de um negócio que está dentro da resolução do Grupo BES na qual ainda se regista de ano para ano mais prejuízos para o Estado neste tema».
Apesar desta operação estar fechada, o grupo Generali já veio garantir que os valores ainda podem estar sujeitos a eventuais ajustamentos na conclusão do negócio, referindo também que este negócio vem «reforçar a sua presença em Portugal» e «consolidar a sua liderança na Europa» em linha com a sua estratégia de três anos até 2021.
A Seguradoras Unidas é a companhia de seguros em Portugal que detém as marcas Tranquilidade, Açoreana e LOGO, tendo 15,5% da quota de mercado não vida e 1,5 milhões de clientes. Por seu lado, a AdvanceCare é um sistema integrado de saúde presente no mercado desde 1998, tendo um milhão de clientes sob sua gestão.
O certo é que, independentemente desta discrepância de valores de compra e posterior venda, a auditoria pedida pelo Fundo de Resolução ao Novo Banco vai deixar de fora a venda da seguradora, assim como a alienação de outros ativos. Mas, na altura da alienação, falava-se numa perda na ordem dos 500 milhões de euros. Ainda assim, o fundo norte-americano comprometeu-se a injetar 150 milhões de euros. Uma verba destinada para um aumento de capital com vista a compensar o facto de parte das reservas técnicas da companhia estarem representadas por créditos sobre o GES, que, com o colapso do grupo, têm um valor nulo.
Caso repete-se com Fidelidade
Mas este não é um caso isolado. Também a Fidelidade foi vendida aos chineses da Fosun por 40 milhões de euros. Uma privatização realizada pelo Executivo liderado por Pedro Passos Coelho e na base desta decisão esteve o facto de os chineses se mostrarem mais flexíveis para serem parceiros da CGD na Caixa Seguros, dado que o banco público português se mantinha com uma posição de 15% no capital da holding dominada pela Fosun.
Aliás, uma das imposições do contrato que esteve a ser negociado dava ao adquirente da Caixa Seguros (e ao vendedor, a CGD) exclusividade mútua, por 25 anos, na comercialização dos produtos da Fidelidade aos balcões do banco estatal. Na altura, a Fosun prometeu também que o grupo chinês iria expandir as operações da Caixa Seguros na China e noutros mercados asiáticos.
Uma estratégia que é posta em causa por Pedro Amorim. «No caso destes fundos norte-americanos, o objetivo não é expandir o negócio, mas sim fazer de intermediação de revendas. São dos maiores grupos em compra de ativos em dificuldade e o seu core business é vender mais caro aquilo que compraram no mais curto espaço tempo possível», refere ao SOL.
Também para André Pires, analista da XTB, esta operação não foi «vantajosa para o interesse público». E lembra que o Tribunal de Contas chegou mesmo a apontar insuficientes garantias de independência na avaliação da empresa. «O contexto da transação foi o de cumprimento de objetivos a curto prazo da Caixa Geral de Depósitos, o que, ainda assim não evitou que esta tivesse de receber uma capitalização pública de 4.444 milhões de euros, três anos depois», diz ao SOL.
Recorde-se que, no início deste ano, o Tribunal de Contas lançou duras críticas a este negócio, apontando como insuficiente a garantia de independência na avaliação e defendendo que seria uma operação que a médio prazo não se ria vantajosa para o interesse público. «Foi eficaz, a curto prazo, por atingir os objetivos fixados para o Grupo Caixa — nomeadamente a nível do reforço dos rácios de capital — a médio prazo, a opção não se revela vantajosa para o interesse público», disse o TdC, na sua auditoria.
E para André Pires não há dúvidas: «Este é um exemplo da diferença entre a gestão pública e privada. Agora privatizada, caso a Fidelidade fosse vendida hoje, acredito que os valores aproximar-se-iam daqueles que o mercado ofereceu ao grupo norte-americano Apollo, a quem a Seguradoras Unidas foi comprada».
Desinvestimentos vs. investimentos
A Fidelidade tem mostrado diferentes apostas no que diz respeito ao mercado imobiliário. A seguradora comprou os terrenos da antiga Feira Popular e uma parcela da Av. Álvaro Pais à Câmara de Lisboa em hasta pública. O primeiro lote foi vendido por 188,4 milhões de euros, enquanto o segundo foi comprado por 35,4 milhões de euros. A autarquia pretendia arrecadar 188,4 milhões de euros com a hasta pública, mas conseguiu mais 85,5 milhões que o esperado. A ideia da seguradora é construir uma nova sede, concentrando vários departamentos num único local.
Mas recentemente vendeu uma série de edifícios ao fundo Apollo, num negócio que tem levantado forte polémica. Um desses exemplos diz respeito ao Porto com a autarquia a disputar terrenos. A decisão, sabe o SOL, deverá ser conhecida em breve. O pedido do direito de preferência por parte da autarquia foi feito há já um ano, mas a autarquia continua na luta pela vitória no processo e garante que vai até às últimas consequências para conseguir ficar com os imóveis.
Ao SOL, a Câmara do Porto garantiu que o município «tem uma posição irredutível neste processo» e por isso não vai abdicar do exercício do direito de preferência. «Como tal, tendo inclusivamente sido proposta uma solução pela via negocial, a Câmara rejeitou liminarmente esse acordo», avança a autarquia. O SOL sabe que a Apollo tentou sentar-se à mesa com a autarquia por várias vezes mas os pedidos foram todos rejeitados.
A aquisição destes 271 imóveis – que se situam um pouco por todo o país, com destaque para Lisboa e Porto – ascendeu aos 425 milhões e a então vendedora Fidelidade exigiu que fossem vendidos num todo. A operação foi anunciada em abril, mas só concretizada em agosto e gerou grande polémica, não só porque se descobriu mais tarde que as casas eram controladas pela Apollo através das Ilhas Caimão, como pelo facto de os inquilinos não poderem ter exercido o direito de preferência porque o grupo ficou isento do pagamento do IMT, conseguindo uma poupança de 25 milhões de euros.
De todos os locais onde a Fidelidade vendeu estes 271 imóveis, apenas a Câmara Municipal do Porto quis lutar pelos mesmos.
No ano passado, os lucros da Fidelidade aumentaram 28%, em termos homólogos, para 280 milhões de euros, com o grupo chinês a destacar numa nota ao mercado o crescimento de cerca de 6% dos prémios brutos, que foram de 1.921 milhões de euros, face a 1.813 milhões de euros em 2017.