A primeira proposta de Orçamento do Estado da nova legislatura será entregue no dia 16 (hoje há Conselho de Ministros para aprovar o documento), mas há diferenças face à anterior legislatura. Desta vez não houve propriamente uma troca de versões preliminares com os chamados parceiros de ‘geringonça’- PCP e BE – como nas anteriores versões. Há um ano, por exemplo, no dia da entrega da proposta, comunistas e bloquistas ainda tiveram dúvidas de última hora em vários artigos (com troca de versões da proposta), o que fez adiar até ao último instante a entrega do documento – faltavam dez minutos para esgotar o prazo.
Agora, o cenário é diferente. Por exemplo, houve menos reuniões com os dois partidos, o plano de 800 milhões de euros para o Serviço Nacional de Saúde já tinha sido proposto pelo BE e terá estado em cima da mesa também nos encontros com o PCP. Mas certezas só no dia do anúncio público. Um sinal de que o Governo também mudou de estratégia, guardando as chamadas ‘boas notícias’ para si. Aliás, esse reforço do investimento na Saúde foi feito pela ministra da Saúde a acenar não só com os 800 milhões, mas também com um plano de investimentos na ordem dos 190 milhões até 2021, com o compromisso de contratação de 8400 profissionais.
Se as regras fossem as mesmas, por esta altura já os parceiros de esquerda estariam a reclamar ganhos no documento, antes mesmo de este ser aprovado em Conselho de Ministros. O que houve, sim, foi um aumento da pressão para que se apresentem medidas concretas que contemplem a lista de exigências, tanto do PCP como do BE.
Uma destas medidas é a descida do IVA da energia, cara ao BE e ao PCP, que não desistem da exigência de reduzir o imposto da luz para a taxa mínima – passando dos atuais 23% para 6% – e com o PSD a poder juntar-se a esta guerra.
Esta decisão, nas contas do centrista Paulo Núncio (ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo de Pedro Passos Coelho), poderá representar uma perda de 800 milhões de euros. Recorde-se que a taxa do IVA na eletricidade subiu para o escalão máximo em 2011, no âmbito das medidas de austeridade tomadas durante o resgate financeiro.
Uma das soluções em cima da mesa poderá ser uma redução consoante o consumo de eletricidade. Ou seja, o Governo, em vez de baixar a taxa para todos os consumidores, baixaria consoante os escalões de consumo: taxa mais alta para quem consome mais e mais baixa para quem consome menos, ou seja, impostos diferentes para um mesmo bem.
Mas, para levar a cabo essa alteração na aplicação do imposto consoante o consumo, Bruxelas terá de dar luz verde. E, esta semana, o primeiro-ministro revelou que escreveu uma carta à presidente da Comissão Europeia a fazer esse pedido, apesar de reconhecer que essa proposta «não está alinhada com princípio tradicional de neutralidade do sistema de IVA».
Função pública de costas voltadas
Ao contrário do que aconteceu no ano passado, em que o Executivo dedicou 50 milhões de euros que tinha reservados para aumentos na Função Pública para reforçar exclusivamente as remunerações mais baixas, este ano a verba deverá rondar entre os 60 e os 70 milhões de euros. Depois de várias reuniões entre Governo e sindicatos, a questão está longe de ser pacífica. O aumento de 0,3% foi confirmado na quinta-feira pelo secretário de Estado do Orçamento, João Leão, tendo em conta a taxa de inflação observada até novembro. A informação veio desmentir os dados avançados pela Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap) que, à saída do encontro com o Governo na quarta-feira, acenava com aumentos até 0,7%, consoante o valor salarial.
O dirigente José Abraão desafiou as estruturas sindicais a concertarem posições contra esta proposta de aumento. Já a Ana Avoila, da Frente Comum, voltou a abandonar o encontro classificando-o como «simulacro de negociação». Também a CGTP veio considerar a «proposta vergonhosa», uma vez que «mais de 600 mil trabalhadores durante dez anos não tiveram qualquer atualização salarial», nas palavras de Arménio Carlos.
O ‘Plano B’
O Ministério das Finanças já veio revelar, entretanto, que, «para 2021, o Governo propõe que a atualização salarial seja igual à taxa de inflação de 2020 inscrita no OE 2020, de forma a proteger o poder de compra dos trabalhadores. No caso em que a taxa de inflação em 2020 se situe acima desta previsão, o aumento corresponderá à taxa efetivamente observada».
Pelo caminho, surgiu uma outra solução de viabilização do Orçamento, uma espécie de plano B ou hipótese fora da caixa, de que o SOL já dera notícia logo a seguir à oficialização dos resultados das últimas legislativas: um acordo com os três deputados do PSD/ Madeira, com o PAN e o Livre. Juntos podem viabilizar a proposta, caso os ex-parceiros de esquerda decidam votar contra. Do lado do PSD/Madeira, a lista de reivindicações deve rondar, no mínimo, os 200 milhões de euros, entre o co-financiamento do Hospital Central do Funchal, o financiamento dos bilhetes de avião para residentes madeirenses e estudantes sem ser necessário avançarem com o dinheiro, para depois, serem reembolsados ( ficando dos bilhetes em 86 euro), ligações marítimas durante todo o ano, além de acertos por avanços de pagamentos para subsistemas de saúde na Madeira.
Segundo apurou o SOL, tem havido contactos entre o vice-presidente do Governo Regional da Madeira, Pedro Calado, e a equipa do Ministério das Finanças de Mário Centeno. Mas não há evolução. Mais, há quem aponte, no PSD, que este processo possa ser similar ao da Lei de Bases da Saúde. Na altura, os sociais-democratas manifestaram-se disponíveis para avaliar com o PS a proposta, mas os socialistas acabaram por aprovar a lei à esquerda. Ou seja, a disponibilidade dos sociais-democratas serviu como forma de pressão para garantir que a esquerda iria viabilizar a legislação. Por isso, não é líquido que os deputados do PSD eleitos pela Madeira venham a votar a proposta desalinhados do partido. Isto porque existe um consenso dentro do PSD de que dificilmente os sociais-democratas podem ter outro voto que não seja contra.
Entretanto, o PAN antecipou ontem, em comunicado, algumas das medidas que acredita virem a constar da proposta de OE depois de um processo negocial. E a lista é grande: 7 milhões de euros para «criação de uma rede nacional de respostas de alojamento a pessoas em situação de sem abrigo, o aumento do número de pessoas abrangidas pela tarifa social na fatura da eletricidade, estender os eco valores a todos os bens que geram resíduos (ex.: cápsulas de café, roupas, cigarros, óleos alimentares (…) e o fim da fatura em papel, exceto nos casos em que é pedido expresso do sujeito passivo», são alguns exemplos. Mas há mais: o PAN acredita que poderá haver também medidas concretas no combate à violência doméstica como a baixa médica (por 10 dias) «integralmente remunerada, para pessoas vítimas de violência doméstica ou violação». Na área da Saúde, o PAN revelou que que podem vir a constar também «10 milhões de euros para implementação do Programa Nacional da Saúde Mental» e nutricionistas para os quadros do Ministério da Educação.
Na parte da fiscalidade, por exemplo, o PAN propôs a subida da isenção de IVA de 10 mil para 12 mil euros para os prestadores de serviços e voltou a exigir o aumento do IVA para 23% nas touradas. O tema já dividiu o PS no ano passado, mas será retomado na discussão do OE 2020.