Decidiu deixar a política ativa. O que está a fazer agora?
Estou a procurar pôr a andar vários projetos em que me envolvi e espero poder fazer coisas interessantes nos próximos tempos, nomeadamente, em matéria de edição.
Vai voltar a dedicar-se à edição?
Nunca deixei de me dedicar à edição. É um vicio pessoal que tenho desde sempre.
A política acabou mesmo ou ainda gostava de exercer algum cargo…
Estou na política como sempre estive. Tenho convicções que é uma coisa que parece que já não se usa, mas não quero parecer um velho que está a refletir sobre os tempos em que isto era tudo muito melhor. Não tenho essa visão das coisas. Mas estou na política como sempre estive desde antes do 25 de Abril. Tenho convicções e bato-me por aquilo em que acredito dentro do que é possível. Já não tenho ilusões…
Foi perdendo as ilusões?
Nunca fui muito de grandes ilusões revolucionárias nem coisas desse tipo. Não sou nada de amores platónicos. Acho que os amores têm de ser concretizados em obra.
Ficou com pena de ter abandonado tão cedo o Ministério da Cultura?
Não. Nada, nada… Sem drama nenhum. Senti-me bem quando estive no Governo e continuo profundamente solidário com o Governo. Eu, no fundo, fui obrigado a sair do Governo por causa de três linhas no Facebook que ninguém leu. Mas senti que estava a ser um embaraço.
Não estava à espera que a polémica fosse tão grande?
Foi uma coisa que eu escrevi antes das oito da manhã de um dia em que havia reunião do Conselho de Ministros. Escrevi um texto relativamente pequeno. Participei na reunião até às 13 horas. Estava fechado numa sala e só às duas da tarde é que comecei a perceber que estava aí uma onda gigantesca. Quando fiz anos escrevi um folheto para os meus amigos que estiveram na festa a dizer que achava que [Mark] Zuckerberg devia dar-me uma medalha. Que eu saiba sou a única pessoa no Mundo que saiu de um governo com o qual estou solidário por causa de três linhas no Facebook. Que ainda por cima tenho ideia que ninguém leu. Também quiseram passar a mensagem que sou um caceteiro, mas se há coisa que não sou é caceteiro. Nunca dei bofetadas a ninguém.
As pessoas ainda lhe falam disso?
Fiquei com essa fama. É uma coisa espantosa. Ainda há pessoas que me dizem: ‘você ainda me vai dar umas bofetadas e tal…’. Nunca bati em ninguém. Nós temos uma conta comum na Netflix e os meus filhos têm os nomes deles e a mim puseram-me a alcunha do ‘senhor bofetadas’.
Foi um apoiante da ‘geringonça’ desde o início…
Fui um entusiasta da solução antes de ela estar de pé. Há aqui um problema de memória. Defendi praticamente sozinho dentro do PS a solução que levou à conquista da câmara de Lisboa. Ainda o [Nuno Krus] Abecasis era o presidente da câmara. Vitor Constâncio saiu da liderança do PS com um discurso tristemente histórico, no hotel Ritz, em que dizia que se ia embora por causa das interferências do Palácio de Belém, onde estava o meu pai, e por causa da questão da candidatura à Câmara de Lisboa. Defendi desde 1986 ou 1987 que a Câmara de Lisboa era um objetivo importante para o PS e que se devia fazer uma coligação à esquerda. Defendi que era tempo de acabar com o conceito do arco da governação muito antes do [António] Costa ter dito – e bem – que esse conceito era abstruso.
Ficou desapontado por desta vez a esquerda não ter feito um acordo escrito?
O acordo escrito é um bocado um mito. O que houve ali foi um entendimento claro. No essencial, esse entendimento ainda se mantém e resulta de uma coisa muito simples que é a necessidade de enfrentar o adversário que se considera que é pior. Parece-me impensável que, quer o Bloco de Esquerda, quer o PCP, voltem a cair no erro em que caíram há muitos anos de votar contra um Governo liderado pelo Partido Socialista, quando o que está em causa é que a direita possa voltar ao poder.
Está a falar de 2011, com a queda do Governo de José Sócrates.
Estou a falar de 2011 e de agora. Na minha modesta opinião é impensável. As pessoas que estão à frente dos partidos são pessoas experientes e, de uma forma geral, são maduras. Às vezes lá aparece um menos maduro. Acontece. Mas, são pessoas que sabem o que está em causa. Agora, cada uma das forças políticas tem os seus próprios objetivos e tem as suas próprias dificuldades.
O PCP, por exemplo, perdeu votos desde que entrou nesta solução política.
Tenho profundo respeito pelo PCP. Nunca fui comunista, ao contrário da esmagadora maioria dos tipos da minha geração, de companheiros de faculdade que conheci. Tenho vários amigos comunistas de sempre e amigos que foram comunistas e que deixaram de o ser. A última coisa que quero é que a vida corra mal ao PCP. Acho que o PCP tem tido um papel histórico, essencial. Também fui dos primeiros socialistas a dizê-lo. O Partido Comunista tem um papel absolutamente fundamental e que explica, de alguma forma também, a paz que vivemos em Portugal. Vejam os aperitivos que já se veem por esse mundo fora, nomeadamente, pela Europa: coletes amarelos em França, coisas esquisitas na Inglaterra e noutros sítios. Um dia se perceberá que o dr. Álvaro Cunhal deixou aqui uma cultura importante.
Acha que a influência do PCP no movimento sindical é um tampão para os chamados movimentos inorgânicos?
Não gosto da expressão tampão. Desde sempre que a influência do PCP no movimento sindical – com momentos mais complicados como aconteceu em 1975 – tem sido altamente positiva para o país. O PCP teve um papel histórico notável no combate à ditadura. Conseguiu uma coisa prodigiosa e até patrioticamente devia merecer um respeito que às vezes não merece: conseguiu manter um eleitorado que é único em termos europeus. Quantos partidos comunistas ainda existem na Europa?
Há aquela ideia de que António Costa e os socialistas preferem o PCP ao BE. É assim?
Isso tem de perguntar a António Costa. Tenho um respeito pelo PCP que não tenho pelo BE, mas tenho simpatia pela Catarina Martins e há ali gente particularmente interessante no BE. Também não quero estar a escalpelizar as pessoas que vieram da UDP e as que vieram do PSR. Eu sempre procurei estar do lado das soluções e não do lado do problema.
Mas acha que a legislatura pode durar quatro anos?
Não vejo mesmo maneira de não durar quatro anos, como é óbvio, como é desejável.
Com o apoio da esquerda?
Espero bem que sim, espero bem que sim.
Nem sequer coloca a hipótese de o PS se virar para a direita a meio da legislatura se Rui Rio vencer as eleições internas no PSD.
Não creio. Há eleições diretas no PSD este sábado. A última coisa que eu quero na vida é meter-me com a laranjada. Quero é que a vida lhes corra bem desde que não nos prejudique a nós.
Mas não vê essa aproximação entre PS e PSD como possível?
Não. É uma vacina que vai durar muitos anos. A direita excedeu largamente as exigências da troika e com outra coisa que é terrível: o gozo de exceder a troika. Ainda por cima estavam convencidos de que estavam a fazer bem, empobrecendo as pessoas. Foi uma coisa que não lembra ao diabo. Eles tinham metido na cabeça – e meteram na cabeça de uma boa parte dos portugueses – que nós tínhamos vivido acima das nossas possibilidades.
Não é verdade?
É uma mentira descarada. E há ainda hoje quem tente dizer isso. Quem viveu acima das possibilidades foi o sistema financeiro. Que também nos venderam que era o melhor. Acreditei que era o melhor. Como se viu depois, era tudo uma pouca vergonha de uma ponta à outra. E, se eles têm continuado no poder tinham vendido a Caixa Geral de Depósitos, tinham vendido a RTP. E vendiam a quem? Olhe, a uma senhora que agora está em baixo. Era o poder de Angola da altura. As pessoas é que não têm memória para se lembrar disso.
Está a falar de Isabel dos Santos?
Estou a falar de José Eduardo dos Santos. Os empregados dele que eram muitos cá na nossa terra – e muito subservientes – fazem questão de se afirmar … Vocês não têm idade para se lembrar disso, mas eu tenho. Faz-me lembrar aqueles anúncios a seguir ao 25 de abril, até ao final de 1974, páginas inteiras de jornais, em que fulano de tal declarava que nunca foi da PIDE nem da Legião e que nunca fez mal a ninguém. Agora, os que eram empregados dizem mal. Eu disse o que tinha a dizer na altura própria. Aliás, o conceito de cleptocracia, no que diz respeito ao poder de Angola, até ao final de [mandato] José Eduardo dos Santos, fui eu que o lancei. Até houve quem me dissesse que tinham comprado alguns dicionários em Luanda para saber o que era cleptocracia.
O que estava a dizer previamente é que a governação no tempo da troika é uma vacina que não permitirá à direita governar nos próximos tempos?
Claro, acho que funciona como uma vacina para os portugueses. Por outro lado, fica-me mal estar a falar disso, mas parece-me óbvio que o estado catalético em que entrou o CDS e também o PSD não é bom para a Democracia. Aquilo não é alternativa a coisa nenhuma.
Mas acredita que a legislatura vai até ao fim?
Acredito e não vejo razões para não ir. A linha que tem estado a ser seguida é positiva e reafirma as questões essenciais que já vêm do mandato anterior.
Mas o facto de o Orçamento do Estado ter sido viabilizado com a abstenção do PCP, do BE e do PEV, não é um sinal de que pode haver a tentação de assumirem o papel de oposição?
Não me parece nada, nada, nada. Não creio que o PCP, cuja a história conhecemos, e o BE, cuja história também já conhecemos, possam ter a tentação, alguma vez, de deitar abaixo um governo do Partido Socialista para arriscar dar o poder a um governo da direita. Já aconteceu no passado, não creio que vá acontecer, porque houve uma vacina anterior. O Governo de Sócrates caiu por causa de uma votação conjugada…
Da chamada coligação negativa…
Tenho a convicção profunda, genuína e sincera, de que isso não vai voltar a acontecer.
Ainda em relação ao Orçamento do Estado já criticou o IVA nas touradas. Gosta de touradas?
Não sou um grande aficionado, mas gosto de corridas de toiros. Gosto e tenho cada vez mais gosto em afirmar que gosto de ir a uma corrida de toiros, havendo este fundamentalismo inaceitável de querer impor gostos aos outros. Não distingo uma ‘chinquelina’ de um ‘manolete’, mas distingo uma pega de um toureiro a cavalo, como é óbvio.
A ministra da Cultura já se manifestou contra as touradas. Até disse que não é uma questão de gosto, mas de civilização.
Isso não sei. Por acaso tenho boa impressão dela, nunca falei com ela sobre isso. Mas acho um disparate querer agora impor regras de gosto. Não se impõe o gosto. Até admito que haja regiões do país onde não há tradição, mas querer impor no Ribatejo e acabar com as corridas de toiros parece-me um disparate completo. Não aceito isso.
O PAN conseguiu convencer o primeiro-ministro a avançar com algumas medidas contras as touradas.
Isso tem de perguntar ao António Costa. O António Costa foi várias vezes, quando era autarca, à Praça de Toiros do Campo Pequeno e deu, salvo erro, uma medalha ao José Luís Gomes. Que foi o grande cabo dos forcados de Lisboa.
Voltando ao Governo. Tem feito alguns elogios a Mário Centeno, mas fala-se que ele vai sair do Governo. Pode ser um problema ficar sem este ministro das Finanças?
Ele vai sair? Não creio que ele esteja para sair, mas também não falo com ele há muito tempo. O Mário Centeno conseguiu uma coisa que nunca vi em Portugal desde o Salazar. Conseguiu ser uma das figuras mais populares do Governo e uma das figuras mais fiáveis da política. Tivemos bons ministros das Finanças. O Hernâni Lopes, que era brilhante, o Sousa Franco… Mas não se tornaram figuras populares. Mário Centeno tem muito mérito.
Gostava que ele ficasse até ao fim do mandato?
Gosto da forma como ele tem exercido as suas funções, mas não há ninguém insubstituível e as pessoas, a partir de certa altura , fartam-se. Isso ainda não aconteceu, mas um dia acontecerá e o [António] Costa sabe isso. Normalmente nunca ninguém sai bem do governo no sentido de ser bem visto pela opinião pública.
A esquerda tem sido muita crítica da atuação de Mário Centeno, nomeadamente com a ideia do excedente orçamental quando há tantos problemas nos serviços públicos.
Eu sou de esquerda e simpatizo. Deixem lá ter as continhas em ordem e diminuir a dívida.
Isso não tem um custo? Por exemplo na qualidade no Serviço Nacional de Saúde.
A minha experiência de algum tempo de poder diz-me que não há falta de dinheiro. Não há grandes dificuldades materiais. O problema é a forma como as coisas são geridas.
Mas também não têm sido feitas reformas…
Isso também é um mito. O país fez grandes reformas estruturais quando fez uma revolução e acabou com a ditadura. E, nessa altura, lançou as bases da criação do Estado Social. Este Governo está a cumprir isso.
Não houve uma degradação do Serviço Nacional de Saúde nos últimos anos?
Tenho acompanhado pessoas amigas, que não são conhecidas, no IPO e noutros sítios. Ainda esta semana fui ao hospital Amadora-Sintra. Nós temos do que há de melhor. Algumas coisas podiam estar um bocadinho melhor. Eu tenho médica de família, vou ao meu centro de saúde com regularidade e tiro a senhazinha. Temos um Serviço Nacional de Saúde que funciona bem. O Paulo Macedo foi um excelente ministro da Saúde… Há aqui um problema também de cultura. Temos o vício de dizer mal de nós próprios e nesse aspeto o Presidente da República tem tido um papel importante porque também é um otimista. Nunca votei nele, mas não digo: ‘esta água não beberei’.
Poderá apoiar a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa nas eleições presidenciais.
A Helena Roseta terá dito que na política e no amor não se pode dizer nunca. Eu também digo: ‘não se pode dizer nunca’. Acho que ele tem feito um excelente mandato. É uma avaliação objetiva. Conheço-o bem. Nós entramos no mesmo ano para a faculdade. Ele foi sempre o aluno mais brilhante. O Braga de Macedo [ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva] tentava disputar com ele ser o melhor aluno, mas o Marcelo foi sempre o melhor. Sempre foi uma pessoa com talento. Conhecemos aquelas histórias da vichisoise, que levou a uma rutura com Paulo Portas, mas a verdade é que ele tem trazido uma postura completamente diferente para a afirmação do país.
Pensa que ele se vai recandidatar a um novo mandato?
Tenho a certeza absoluta. Só por razões de saúde é que ele não iria e acho que o segundo mandato não será muito diferente. Isto já é uma coisa pessoal, mas no dia do enterro do meu pai ele foi impecável. Fez um discurso muito interessante. E, portanto, espero que isto lhe corra bem porque o país precisa que ele dê uma ajuda.