por Carlos Diogo Santos e Felícia Cabrita
Angola, Portugal, Dubai e, por fim, novamente Portugal. É esta a trajetória dos milhões investigadores pela task force portuguesa que está a passar a pente fino as contas e o património de Isabel dos Santos. A equipa do Departamento Central de Investigação e AçãoPenal (DCIAP), liderada pelo procurador Rosário Teixeira, acredita que os montantes transferidos de uma conta do EuroBic em Lisboa (dinheiro que pertencia à petrolífera estatal angolana Sonangol) viajaram para o Dubai com a aparência de pagamentos a empresas ali sediadas por alegados serviços prestados, tendo regressado mais tarde à capital portuguesa e sido utilizados para a compra de imóveis em Lisboa e no Algarve.
Segundo o SOL apurou junto de fontes judiciais, a entidade bancária terá justificado que não suspeitou das transferências para a Matter Business Solutions, no Dubai, dado que estavam suportadas com faturas de consultadoria.
A Matter Business Solutions foi fundada por Jorge Brito Pereira, advogado de Isabel dos Santos. E nos documentos divulgados pelo consórcio internacional de jornalistas, Mário Leite da Silva, braço direito da empresária, assim como Paula Oliveira, sua amiga pessoal, figuram como diretores.
Dos perto de 115 milhões de dólares que foram transferidos para o Dubai, como já fora noticiado, 57,8 milhões seguiram quando Isabel dos Santos foi afastada da petrolífera por João Lourenço e justificados por um contrato assinado cinco dias antes da saída da empresária da Sonangol.
As três fases do processo
As saídas de dinheiro, coincidentes com a demissão de Isabel dos Santos, foram denunciadas pelo presidente executivo da Sonangol, Carlos Saturnino, logo em fevereiro de 2018. Uma das transferências para a Matter (de 38 milhões) terá mesmo sido feita após a exoneração da empresária.
Esta, segundo a investigação, corresponde à primeira fase do crime de branqueamento – aquela em que os bens e rendimentos são colocados nos circuitos financeiros. A segunda é quando se procede à circulação por diversas contas com o objetivo de dissimular a sua origem. Por fim, a última fase deste crime é a integração, quando os bens e rendimentos, depois de reciclados, são reintroduzidos nos circuitos económicos legítimos. É aqui que entra a compra de casas em Lisboa e no Algarve, para os investigadores do MPportuguês.
Recorde-se que, devido à lei angolana da amnistia de 2016, quaisquer fundos que tenham tido origem criminosa naquele país não podem ser investigados, pelo que Isabel dos Santos não o será em Portugal relativamente a qualquer investimento feito antes de 2017.
Nesta fase, o DCIAPjá fez o follow the money, ou seja, estabeleceu a ligação entre os capitais que compram os imóveis e a origem dos mesmos. Assim, apesar de as propriedades estarem formalmente em nome de uma offshore e não de Isabel dos Santos, não se exclui a possibilidade de um arresto neste inquérito que visa a empresária angolana. Nesta investigação, os procuradores contam, não só com os dados já públicos, divulgados pelo consórcio internacional de jornalistas, como com as denúncias de várias entidades bancárias.
Recorde-se que o inquérito terá sido aberto na sequência de comunicações bancárias recentes que davam conta de movimentações fora do normal. Entre os bancos que participaram tais movimentações estão o BCP e o EuroBic.
Arresto pedido por Luanda
Esta semana, a Justiça portuguesa decidiu congelar as contas que Isabel dos Santos tem em entidades bancárias portuguesas. A informação foi confirmada ao SOL por uma fonte conhecedora do caso. Contactado, o Banco de Portugal não enviou qualquer reposta.
A empresária angolana foi constituída arguida na investigação que corre em Luanda por gestão fraudulenta e desvio de fundos durante o seu mandato na Sonangol, petrolífera da qual terão saído os 115 milhões de dólares.
A informação relativa ao congelamento de contas acabou mesmo por ser confirmada na tarde de terça-feira pela Procuradoria-Geral da República portuguesa, que acrescentou ainda que tudo aconteceu na sequência de uma carta rogatória das autoridades angolanas – que pretendem recuperar 2 mil milhões de euros – e não em decorrência do inquérito português.
«Confirma-se que o Ministério Público requereu o arresto de constas bancárias, no âmbito de pedido de cooperação judiciária internacional das autoridades angolanas», divulgou o gabinete da procuradora-geral da República, Lucília Gago. Em janeiro, depois de serem conhecidos os detalhes da investigação das autoridades angolanas, o procurador-geral da República de Angola, Hélder Pitta Grós, veio a Lisboa num voo relâmpago. «Vim pedir ajuda de muita coisa», afirmou aos jornalistas assim que aterrou na Portela. Horas mais tarde reuniu-se com Lucília Gago. Na altura, o SOL avançou que Pitta Grós teria trazido um pedido de arresto dos bens da empresária em território nacional.
Os recados do PGR de Angola
À saída, nem uma palavra sobre o que foi dito na reunião, mas foram várias as entrevistas que Pitta Grós viria a dar, afirmando que a Justiça angolana queria que Isabel dos Santos desse explicações (com a garantia de que não seria detida se decidisse ir a Luanda) e deixando alguns recados à tese da empresária de que Luanda está uma cidade violenta. «A violência existe em todas as cidades. Luanda poderá ter uma certa violência porque o dinheiro que foi subtraído poderia ter sido utilizado para a construção de escolas, de hospitais, de centros de formação, mas não serviu para isso. Serviu para o enriquecimento fora de Luanda. É natural que essa juventude privada de formação enverede pela criminalidade», disse na altura à SIC.
Na investigação angolana, foram constituídos arguidos vários portugueses por alegadamente estarem ligados ao esquema – entre eles Mário Leite Silva, gestor de Isabel dos Santos, Paula Oliveira, ex-administradora não executiva da NOS, e Nuno Ribeiro e Cunha – encontrado sem vida por um primo numa garagem que tinha no Restelo após serem tornadas públicas notícias relacionadas com o ‘Luanda Leaks’.