Comecemos pelo essencial: o racismo é um mal social que tem que ser combatido com veemência, dentro dos limites e com recurso aos meios próprios do Estado de Direito Democrático, sem tergiversações, nem condicionalidades. Não há “ses”, nem “mas” na abordagem categórica ao racismo, seja em que meio ou circunstância for: a sua condenação é um corolário da decência; o seu combate é um imperativo indiscutível.
Por conseguinte, manifestamos a nossa solidariedade com o jogador do FC Porto, Marega – a sua (compreensível) raiva é a nossa raiva perante o absurdo -, e esperamos que a indignação do Primeiro-Ministro e do Secretário de Estado do Desporto não seja apenas fogo fátuo. Que não passe de mais uma encenação para português ver, como é tão habitual neste Governo.
Já André Ventura cometeu o seu primeiro grande erro político: ao desmentir indirectamente o óbvio – a ocorrência de insultos racistas contra Marega, constatáveis até pela transmissão televisiva -, o deputado do CHEGA debilitou a sua autoridade para falar sobre a matéria (doravante, os portugueses ficarão, na dúvida, se André Ventura mantém o seu compromisso com a verdade, com o rigor na denúncia das situações que prejudicam todos os portugueses – ou se aliou com radicais ideológicos, subscritores de teses racistas, tendo-se tornado numa espécie de Catarina Martins de sentido inverso) e deu tracção a todos aqueles que o acusam de ser uma mera criação mediática.
Um “boneco” que é no essencial, um Mário Machado com cabelo e barba – é que, ontem, foi difícil distinguir o “post” de André Ventura das alucinações daqueles grupúsculos extremistas portugueses (isto depois de alguém ter feito a saudação nazi num comício do CHEGA e de Mário Machado ter elogiado publicamente Ventura…).
Atenção: André Ventura não é nem racista, nem extremista como Machado. Aliás, o Professor André Ventura, na Universidade Autónoma de Lisboa, dá aulas de Direito Penal a alunos, maioritariamente, oriundos dos nossos países irmãos de África – é, pois, absolutamente inverosímil que Ventura se tenha tornado, de repente, num radical que banaliza cânticos racistas…
Daí que, para nós, aquele “post” de André Ventura ou não foi escrito por ele (foi escrito por um assessor? Por um apoiante com a incumbência de lhe gerir as redes sociais?); ou o André Ventura confundiu os planos político e futebolístico – no fundo, o André achou que já estava, em directo, no seu confronto semanal com Aníbal Pinto, a discutir o fora de jogo ou a “falta posicional”.
De facto, o racismo é a mais flagrante “falta posicional”: é uma posição que revela falta de carácter, falta de decência, falta de humanidade.
Enfim, André Ventura não pode permitir que uma certa leviandade e histrionismo da sua personagem de comentador televisivo do “Pé em Riste”, da CMTV, afecte o seu estatuto de deputado da grande Nação portuguesa.
E não há nada – rigorosamente nada – mais anti-patriota que branquear ou incitar a comportamentos racistas.
O racismo não é uma matéria de fora de jogo; o racismo é matéria que tem que estar fora do jogo. Do jogo de futebol, do jogo da vida (das nossas vida), do jogo político.
Infelizmente, o caso Marega não foi o único episódio de discurso de ódio ocorrido no nosso país, nos últimos dias; ao menos, os lamentáveis cânticos racistas de (alguns) adeptos do Vitória de Guimarães mereceram o repúdio generalizado (salvo nada honrosas excepções) da sociedade portuguesa.
Todavia, um outro episódio que manchou a nossa consciência ética comunitária passou, diversamente, praticamente incólume: na verdade, este episódio gerou ondas de indignação internacional, mas o sistema português preferiu relativizar, esconder e até defender.
Referimo-nos ao odioso discurso de ódio expresso no cartoon de Vasco Gargalo, publicado na “Sábado”, que poderia perfeitamente ter sido publicado por Joseph Goebbels ou constar de qualquer cartaz de propaganda neo-nazi.
Aliás, fomos informados que a ala mais radical da AfD (um grupo insignificante dentro do partido, mas que deve merecer a nossa atenção), na Alemanha, fez circular o famigerado cartoon em que equiparou Israel a um campo de concentração nazi…
E quando se impunha uma rápida e incondicional condenação – pelo menos, uma demarcação – da direcção da revista “Sábado”, esta escudou-se numa interpretação ínvia e insustentável para defender o orgulhoso (e assumido) anti-semita, Vasco Gargalo.
Como nunca é tarde demais para fazer o que está – e é! – certo, lançamos o apelo ao director Eduardo Dâmaso para rectificar a posição inicial –insustentável e contraditória com os valores que o grupo Cofina, e bem, apregoa – da direcção da “Sábado”.
Caso contrário, com muita pena nossa e lamentando, a “Sábado” coloca-se no mesmo patamar moral dos adeptos que lançaram ataques racistas dirigidos a Marega.
A defesa do cartoon de Vasco Gargalo é tão moralmente condenável como a negação dos insultos racistas ocorridos ontem, em Guimarães, por alguns dirigentes desportivos. O racismo de alguns (maus!) adeptos de futebol não pode fazer esquecer o racismo, na sua modalidade de anti-semitismo, de Vasco Gargalo, a que a “Sábado” deu guarida.
E Catarina Martins, que ontem – tão bem, subscrevo o seu tweet na íntegra – condenou veementemente os insultos racistas de alguns adeptos do Vitória de Guimarães – por que não condena também o discurso de ódio de Vasco Gargalo, que permanentemente faz ecoar a velha mantra anti-semita dos “judeus como parasitas”?
E António Costa, nada tem a dizer sobre o cartoon de Gargalo, depois de ontem ter tão celeremente reagido? Exigimos, rapidamente, um comentário do Primeiro-Ministro sobre o cartoon antissemita que está chocando o mundo.
Mais um retrato da nossa esquerda: é forte com os que julga fracos (pessoas do “povo” de Guimarães, lá longe da capital Lisboa) e fraca com os que julga fortes (Vasco Gargalo é, para Catarina e Costa, um esquerdista bem pensante dos círculos progressistas da capital…).
Esta duplicidade moral só leva a um resultado: paradoxalmente, ao incremento do racismo e do discurso de ódio, em função da diminuição da autoridade do Estado. Para muitos, o racismo, o antissemitismo, o discurso de ódio em geral torna-se legítimo, desde que consentâneo com a agenda política de uma certa esquerda (não toda: sejamos justos).
Pela nossa parte, não temos dúvidas: há que combater o racismo, o anti-semitismo e as discriminações ilegítimas sempre, sem rodeios, nem condicionalidades!
Viva a liberdade, viva a democracia, viva a tolerância!
P.S – Tal como André Ventura se colocou fora do jogo dos limites democráticos ontem à noite (imitar macacos não é, André, exercício de liberdade de expressão constitucionalmente protegido, nem a sua condenação é hipocrisia; é apenas decência) – também Luís Filipe Vieira poderá ficar muito mal na fotografia, caso o Sport Lisboa e Benfica (o nosso glorioso!, se os leitores me permitem e com o máximo respeito por todos os emblemas) não condene, publica e veementemente, os insultos racistas dirigidos contra Marega. O Benfica terá que tomar posição nas próximas horas – sob pena de muitos sócios e adeptos começarem a achar que este Benfica já não é o seu Benfica…