Tobias Rathjen, de 43 anos, é suspeito de abater a tiro pelo menos nove pessoas, em dois bares de shisha muito frequentados pela comunidade curda de Hanau, na Alemanha. Depois terá regressado a casa, onde se suicidou depois de ter matado a mãe, de 72 anos. Antes do ataque desta quarta-feira à noite, Rathjen publicou online um manifesto de 24 páginas onde insultava pessoas de origem africana, asiática e do Médio Oriente, afirmando que deviam ser “completamente aniquiladas” na Alemanha.
“Se houvesse um botão disponível para tornar isso realidade, carregava num instante”, escreveu, segundo a imprensa alemã. O suspeito de terrorismo menciona a necessidade de um ato de “guerra”, um “duplo golpe”, por um lado, contra a “degeneração do povo”, por outro, contra os “serviços secretos”, não identificados: Rathjen garantiu que liam os seus pensamentos e controlavam a sua mente.
“O racismo é um veneno. O ódio é um veneno. Existe na nossa sociedade e é responsável por demasiados crimes”, lamentou a chanceler alemã, Angela Merkel. Os ataques estão a ser investigados pelas autoridades como atentados de extrema-direita – todas as vítimas, à exceção da mãe de Rathjen, são de origem imigrante.
Até agora, não há indícios de que o suspeito de terrorismo tivesse cúmplices ou fizesse parte de uma rede mais vasta. O seu perfil coincide com o de um “lobo solitário”: escreveu no manifesto que se radicalizou no dia-a-dia e lendo notícias nos jornais sobre confrontos entre alemães e “estrangeiros”.
O “veneno” da xenofobia, enraizado em alguns setores da sociedade, parece ter jogado bem com a paranoia demonstrada por Rathjen: dias antes do ataque lançou um vídeo em que avisa os norte-americanos de que são controlados por sociedades satânicas secretas. No seu manifesto também assegura ter inventado o slogan “América primeiro”, usado por Donald Trump, e ter previsto a carreira do treinador do Liverpool, Jürgen Klopp, bem como o enredo de vários filmes de Hollywood.
“Vivia no seu próprio mundo”, lê-se no Der Spiegel, onde Rathjen, que recebeu formação como bancário e estudou gestão, é caracterizado como “discreto e de classe média”. Segundo as autoridades alemãs, o suspeito não estava no radar de nenhuma agência de segurança. Rathjen tinha uma licença de caça, foi encontrada uma arma e munições no seu carro – foi identificado como sendo utilizada nos ataques – e o pai foi detido.
“Será feito tudo para investigar as circunstâncias destes terríveis assassinatos”, prometeu a chanceler. Horas antes do ataque, o Governo de Merkel aprovara medidas que obrigam redes sociais como o Facebook e o Twitter a reportar discursos de ódio, mas a lei ainda terá de passar no Parlamento.
"Não consigo respirar" A cidade de Hanau, com cerca de cem mil habitantes, a 25 quilómetros de Frankfurt, continua a tentar processar a tragédia. “Estas são pessoas que conhecemos há anos. É como um filme”, relatou uma testemunha à NTV. Muitas das vítimas viviam nas mesmas ruas em que pereceram – os estabelecimentos atacados eram muito populares por ficarem abertos 24 horas. “É inimaginável que tenha acontecido. Que haja pessoas por aí que são tão cruéis, disparando contra outros que não fizeram nada de mal”, acrescentou.
“Ouvimos cinco ou seis tiros”, recordou Iskender Muhammad, que estava no segundo bar atingido, a comer com uma dezena de amigos – só dois ou três sobreviveram. “Então vi o homem a vir na nossa direção. Baleou um tipo na cabeça”, contou a uma televisão turca, citada pelo Guardian. Muhammad escapou atirando-se para o chão, atrás de uma parede. “Fui atingido no ombro. O rapaz novo debaixo de mim tinha um buraco no pescoço. Ele disse: ‘Irmão, não consigo sentir a minha língua, não consigo respirar’, relembrou Muhammad, numa cama de hospital.
Mais ataques? Com o aproximar dos desfiles de Carnaval, por toda a Alemanha, as autoridades ponderam se os locais de encontro de imigrantes devem ter proteção extra. “Sabemos, pelo que aconteceu no passado, que estes atos podem ser imitados”, explicou o ministro do Interior da Baviera, Joachim Herrmann, citado pelo Der Spiegel.
O massacre em Hanau não é o primeiro atentado racista na Alemanha nos últimos anos: ainda em outubro, um terrorista antissemita matou duas pessoas e feriu outras duas, a tiro, à porta de uma sinagoga, em Halle. Só em 2018, os crimes politicamente motivados na Alemanha aumentaram em quase 20%, segundo o Ministério do Interior – a maioria foram cometidos por extremistas de direita.
As forças policiais europeias “temem que o extremismo de direita esteja em crescimento, e que estas pessoas possam ter acesso a armas, tanto de forma legal como ilegal”, notou Nils Duquet, investigador do Instituto Flamengo para a Paz, em declarações à DW, lembrando que as armas do alegado terrorista de Hanau eram legais.