Os prognósticos confirmaram-se: a despenalização da morte assistida para maiores de idade, com doença incurável e em sofrimento extremo foi aprovada, na generalidade, no Parlamento e por uma maioria confortável.
Talvez a única novidade tenha sido o facto de todos os projetos de lei – cinco ao todo – terem sido aprovados, num cruzamento de votos nominal. Agora, segue-se o tempo da especialidade, com a possibilidade de haver uma lei até ao verão, algures no mês de julho. É o tempo do Parlamento. O tempo da avaliação presidencial também chegará e Marcelo Rebelo de Sousa mantém-se em silêncio (prometeu só falar no fim).
Na ‘Casa da Democracia’ já se esgrimem argumentos para os próximos passos de Belém, sobretudo porque Marcelo Rebelo de Sousa é um católico assumido e poderá estar tentado a vetar a lei. Contudo, tem um problema. No debate que aprovou a despenalização da eutanásia, alguns deputados não se esqueceram de relembrar as suas declarações ao Público e Rádio Renascença, em maio de 2018, em que o Presidente assegurava não vetar politicamente, tendo em conta as suas convicções. Mesmo que o Marcelo o faça, o Parlamento pode sempre reconfirmar a lei e Belém terá de promulgá-la. Por outro lado, um pedido de fiscalização preventiva do diploma poderá não ter qualquer efeito. Se vingar a tese de que os atuais juízes do Palácio Ratton (e os dois novos que irão ser eleitos pelo Parlamento) não veem problemas constitucionais na lei, então Marcelo também não poderá devolvê-la ao Parlamento para serem expurgadas as eventuais inconstitucionalidades. E mesmo que o envio para o Constitucional se concretize, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, escreveu ontem no Público que «pode acontecer, mas é uma escolha precária para quem quer travar e lei. O atual presidente do TC, Costa Andrade, já defendeu ‘isto não é um problema constitucional’, afirmando a opinião que ‘qualquer das soluções é constitucional, tanto a admissão da eutanásia como a negação’».
Este é um sinal de que os partidos que aprovaram os diplomas estão cientes de que Marcelo Rebelo de Sousa terá pouca margem nesta contenda para travar a lei. Há ainda uma outra via, a do referendo.
O que acontece ao referendo?
Vários movimentos como a Federação Portuguesa pela Vida e a Igreja Católica estão empenhados em reunir 60 mil assinaturas para uma iniciativa popular de referendo. Que obrigará o Parlamento a agendá-la, debatê-la e votá-la. Mas nem aqui parecem verificar-se grandes possibilidades para quem defende a consulta popular. O movimento já tem confirmadas 40 mil assinaturas (terá mais seguramente), mas os números só serão divulgados no próximo dia 3 de março. Porém, a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, avisou, logo após o debate, que o PS será «frontalmente contra» a consulta popular. A declaração foi adjetivada para que não restassem dúvidas, a quem se manifestou fora do Parlamento e recolheu assinaturas em papel para a consulta popular.
O Bloco de Esquerda também já avisou que direitos não se referendam, o PAN não é a favor de uma consulta popular, e o PCP, que votou contra a despenalização, também votará contra uma proposta de referendo. Por isso, a margem de aprovação de um referendo é praticamente nula. Só o CDS e o Chega o apoiam.
PSD dividido
Mesmo no PSD, com a aprovação de uma moção setorial (a defender o referendo) no último congresso, o processo está longe de ser pacífico. O presidente do PSD, Rui Rio, considerou, inicialmente, que o tema não estava em cima da mesa e, na quinta-feira, respondeu de forma algo seca à pergunta sobre o que fazer a uma proposta de referendo. «Acha que eu vou alimentar uma coisa dessas», respondeu o presidente do PSD quando questionado pela SIC-Notícias sobre uma proposta de um conjunto de deputados da sua bancada. De facto, um projeto de resolução de referendo só pode chegar a Plenário por três vias: proposto por deputados, Governo e Iniciativa Popular de Referendo (por um grupo de cidadãos).
Um dos promotores internos no PSD foi Pedro Rodrigues (deputado que foi apoiante de Rio). Mas houve relatos de pressões para se abandonar, para já, a ideia. Mais, o parlamentar confessou um problema pessoal – de alcoolismo– e queixou-se de ataques pessoais, sem os mencionar numa declaração na rede social Facebook. E, agora? A proposta de referendo vai para à frente? Segundo algumas fontes parlamentares ouvidas pelo SOL, aparentemente sim. Falta saber o que fará Rio. O deputado Adão Silva já declarou que a iniciativa tinha sido anunciada à revelia da direção. Por isso, há quem admita, também, que a declaração do deputado Pedro Rodrigues é um sinal de que o processo pode ficar por aqui. Pelo menos, para já.
Ouvir o povo
Por seu turno, do lado de quem está a recolher assinaturas nos movimentos, como a Federação Portuguesa pela Vida, a ordem é não deitar a toalha ao chão. «Achamos que o Parlamento tem que ser confrontado com uma posição de um país que pede um referendo, que use um instrumento constitucionalmente válido, que está politicamente mais do que justificado. Espero que o Parlamento reveja a sua posição. Quando chegar esta iniciativa popular [ao Parlamento], oiça o povo português. E responda positivamente ao povo português», declarou ao SOL Isilda Pegado, uma das promotoras da recolha de assinaturas pelo referendo.
A antiga deputada do PSD (e defensora do não à eutanásia) tem também opinião sobre a posição de Rui Rio. «É uma questão de estratégia do Dr. Rui Rio. Agora, (…) o órgão máximo aprovou uma moção sobre esta matéria. É preciso que o partido saiba representar o eleitorado. E que se expressou em congresso», afirmou também a líder da Federação Portuguesa pela Vida. E deixou ainda um recado à líder parlamentar do PS sobre o facto de ser frontalmente contra um referendo: «Por muito valor que tenha a posição da Dra. Ana Catarina Mendes, não manda no PS. O PS tem muita gente que não está satisfeita com esta solução».
Já António Pinheiro Torres, da mesma federação, pediu ontem o veto de Belém à despenalização da eutanásia, citado pela agência Ecclesia. Foi o sinal da primeira pressão pública a Belém do lado de quem é contra a despenalização da eutanásia. Para já, os diplomas aprovados seguem para a especialidade e a deputada socialista Maria Antónia Almeida Santos acredita que, possivelmente, será criado um grupo de trabalho composto por deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais e da Comissão de Saúde.