António Costa conseguiu o feito, aliás extraordinário, de ter governado durante quatro anos – uma legislatura quase completa (menos os 27 dias do XX Governo Constitucional, o segundo de Passos Coelho) – sem ter ganho as eleições
E está a comportar-se agora que venceu as legislativas de 2019 com maioria relativa como se o PS tivesse conquistado nas urnas uma maioria absoluta.
António Costa assume no Parlamento, nos debates quinzenais, uma sobranceria sem explicação. Seja com Rui Rio, seja com André Ventura – a quem já só falta dirigir-se como o fez em relação ao idoso que o interpelou na arruada do Chiado –, seja até com Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins.
Mas a questão – que pode tornar-se um problema para o primeiro-ministro, para o Governo e para o PS – não é o comportamento de António Costa no Parlamento e a forma como lida com os líderes dos outros partidos. O problema é a arrogância que germina no Governo – que decorre dessa atitude do líder – e que começa a manifestar-se das mais variadas formas e pelos mais variados protagonistas.
Estes dias, aliás, foram particularmente férteis.
Desde logo, pela forma como o PS geriu tema tão sensível como a eutanásia, promovendo a legalização nas costas do povo – porque nem sequer a inscreveu no seu programa eleitoral e nada disse na campanha. E, sobretudo, porque mesmo sem nada ter feito para ter mandato, arvorou-se com legitimidade para rejeitar um referendo, alegando que se trata de tema demasiado complexo para ser objeto de consulta popular, como se fossemos todos estúpidos e os deputados os iluminados da nação.
Mas a semana já começara mal.
Primeiro, o caso Marega e a reação do secretário de Estado do Desporto, de «vergonha», «repúdio total», de tudo e mais alguma coisa e conclusão de coisa nenhuma. O secretário de Estado desdobrou-se em declarações daquelas em jeito de ‘picareta falante’ (João Paulo Rebelo é graduado naquela escola pós-guterrista que fala, fala, fala e não diz nada), mas ação com consequências reais nem uma.
Pinto da Costa, com toda a sua longa experiência, foi quem (com o são-tomense Odair da Costa) mostrou mais lucidez perante os acontecimentos de Guimarães: «Aquilo não foi racismo, foi estupidez».
Depois, com a confirmação da renovação da PPP de Cascais em flagrante contradição com a Lei de Bases da Saúde aprovada na legislatura finda pela ‘geringonça’. A explicação de António Costa em pleno hemiciclo parlamentar foi sintomática: a PPP de Cascais foi renovada antes da Lei de Bases ser aprovada. E??? Afinal, o Governo é ou não contra as PPP? Ou aprova as PPP que quer e depois faz passar lei que as exclui mas sem efeitos retroativos? Parafraseando José Miguel Júdice, uma pantominice à PS.
Finalmente, o aeroporto do Montijo. Este o mais paradigmático dos tiques absolutistas da esquerda no poder. De facto, parece que a lei (um decreto-lei do segundo Governo de José Sócrates) estabelece que a oposição de uma ou mais câmaras dos concelhos afetados (e as do Seixal e da Moita já se manifestaram contra) inviabiliza a construção do novo aeroporto na zona.
Ora, o que diz o Governo perante esta ‘adversidade’? Adeque-se a lei às necessidades do projeto e do seu promotor.
Aliás, é curioso que o Governo de António Costa, o primeiro, começou por dizer que o Montijo fora escolha do Governo anterior, de Pedro Passos Coelho, e que se limitava a não fazer recuar o processo.
Ora, aquilo a que assistimos agora é que o Governo de António Costa, o segundo, é o mais fervoroso adepto da solução Montijo – quase mais até do que a concessionária francesa Vinci – e responde a toda e qualquer hipótese alternativa com um ‘não’ mais sonante do que o famoso e francófono ‘jamais’ do ministro socialista desses socráticos tempos.
É, aliás, elucidativo o texto escrito pelo secretário de Estado adjunto e das Comunicações, Alberto Souto de Miranda, no Público de terça-feira.
O artigo de opinião, intitulado Aeroporto do Montijo – uma opção de futuro, é todo ele um exemplo de arrogância e de sobranceria só enquadrável num Governo que, não tendo maioria absoluta, comporta-se como se a tivesse.
Souto de Miranda permite-se dar um raspanete aos engenheiros subscritores da ‘alternativa Alverca’, mandando-os fazer o «trabalho de casa» e «pedir desculpa a si próprios e aos pais». Assim mesmo. Por outro lado, aos «estrénuos protetores das espécies, radicais e insensatos» (como os mais de 25 mil holandeses que condenam a opção Montijo pelo elevado risco de alterar rotas migratórias de aves de determinadas espécies) vá de retorquir que «os pássaros não são estúpidos». E termina afirmando que «[daqui a 100 anos]… Talvez a Greta, na longevidade, então banal, dos seus 117 anos, aterre no Montijo, muito mais sábia e ciente das capacidades do Homem para se transformar e com uma pontinha de orgulho por ter contribuído para tal».
Extraordinário! Pior do que pantominice é a arrogância e a sobranceria que tendem a agravar-se com o tempo no poder.
Só que essa arrogância e essa sobranceria corroem-no. E corroem muito mais do que qualquer oposição. António Costa devia olhar-se ao espelho. E ver o erro que está a cometer, com a imagem e o exemplo que está a dar.