Vivem-se tempos difíceis nos hospitais portugueses. Numa altura em que os bens considerados mais essenciais como máscaras, batas, luvas, gel desinfetante ou viseiras não são suficientes e a procura por estes bens tem sido uma constante. Mas nestas alturas de maior aflição, a solidariedade bate à porta vinda de vários lados e muitas empresas portuguesas deram as mãos por esta causa, de forma a tornar a vida dos profissionais de saúde um pouco mais fácil.
Uma dessas empresas foi a Volkswagen Autoeuropa que mesmo com a produção parada, começou a produzir viseiras. Ao SOL, fonte da empresa explica como surgiu esta ideia: «A ideia surgiu de um colaborador nosso e do filho, que trabalham com impressoras 3D». E a partir daí até meter a ideia em prática, foi um ‘saltinho’. «Como temos impressoras 3D que usamos para as nossas operações diárias, para a montagem, foi só fazer os desenhos e começar a metê-los em prática», explica a mesma fonte.
Atualmente, a Autoeuropa tem uma equipa de três a cinco pessoas para produzir as viseiras. «Neste momento houve uma série de entidades hospitalares ou outro tipo de unidades que estão a trabalhar no combate à pandemia e que nos solicitaram ajuda. E nós estamos a fazer o que é possível fazer, estamos a tentar ajudar na medida do que é possível», diz ao SOL a fábrica de Palmela que está a conseguir fazer uma média de 20 ou 30 viseiras por dia. Os pedidos são muitos e a empresa está a tentar responder a todas as necessidades, uma vez que apoia mais de uma dezena de instituições.
Pelas viseiras, a Autoeuropa não pede qualquer dinheiro. «É a forma que temos de contribuir para combater a pandemia por isso as viseiras são doadas». E para já, é impossível saber até quando vão continuar a produzi-las. «Neste momento é difícil saber quanto tempo. Vamos tentar responder a todos os pedidos. Nessa lógica trabalharemos até conseguir fazer isso. Se entretanto, e é o que é desejável, as instituições conseguirem seja por outras empresas que eu sei que também estão a trabalhar neste sentido, seja pelo Governo se conseguir suprir estas necessidades e deixar de ser necessário que nós produzamos, então aí paramos de produzir. Enquanto for necessário, cá estaremos», garante a empresa.
Mas as ajudas chegam um pouco de todo o lado. A norte, em Santa Cruz do Bispo, a empresa Velas Pires de Lima dedica-se há mais de 30 anos à produção de velas para barcos. A maior faturação da empresa acontece entre os meses de março e julho, mas este ano não haverá essa possibilidade: os clientes estão parados e as marinas fechadas.
Para ajudar e não parar de produzir, o proprietário, Pedro Pires de Lima, olhou para a matéria-prima que tinha e percebeu ter matéria-prima para viseiras. «Fiz meia dúzia de protótipos. Tenho uma irmã enfermeira e amigos médicos e fui entregando», conta ao SOL. A partir daqui, as coisas foram evoluindo e o responsável está a tratar de conseguir mais matéria-prima para poder continuar a trabalhar mas a promessa é fazer essa pesquisa em solo português, como tem feito até agora: «De um dia para o outro arranjei quem me fizesse as peças de plástico de uma empresa que vai fechar. Há muitas empresas a fechar e muitas pessoas no desemprego, precisamos de ajudar», conta.
As viseiras são oferecidas a Instituições Particulares de Solidariedade Social. Pedro Pires de Lima explica porquê: «Sei a realidade das IPSS porque faço parte de uma e sei que as contas bancárias, muitas vezes, não passam dos dois dígitos», lamenta. No entanto, para outros locais não são gratuitas apesar de o pagamento ser facilitado.
Inicialmente a equipa da Velas Pires de Lima contava com oito pessoas, mas o aumento de pedidos levou a empresa a contratar mais funcionários. «Éramos oito, somos 12 neste momento e a partir de segunda-feira seremos 25», conta, garantindo que deu preferência a pessoas desempregadas. O aumento de funcionários era mais do que necessário: «Tivemos 200 pedidos no primeiro dia, 6.000 no segundo, 18 mil no terceiro. É complicado», explica.
E se até agora a produção diária rondava as 300 viseiras por dia, esta sexta-feira chegou às 500 e o objetivo é que chegue às mil a partir de segunda-feira. «Operamos até ser necessário», promete o empresário.
‘A nossa capacidade é manifestamente insuficiente’
Também no norte do país, em Penafiel, a empresa Bastos Viegas respondeu a uma solicitação do Ministério da Saúde para que toda a capacidade da empresa fosse vendida em Portugal. A fábrica, que é um produtor e fornecedor de dispositivos médicos não ativos, vai deixar para já de exportar para outros países dedicando-se exclusivamente ao mercado português.
«Contratámos para o efeito mais funcionários e a adaptação foi fácil até porque temos outras secções a trabalhar também em regime de três turnos», explicou ao SOL, Luís Guimarães, administrador da Bastos Viegas.
No entanto, admite que a capacidade de produção não chega para todos. «A nossa capacidade é manifestamente insuficiente para as necessidades do país neste momento, mas estamos a tentar instalar mais capacidade nos próximos meses», explica, não detalhando o número de máscaras produzidas por dia.
As ajudas chegam de tantos lados que seria impossível enumerar todas. Com sede em Barcelos, também o grupo têxtil Sonix suspendeu de forma parcial a produção para começar a produzir máscaras e fardamento para profissionais de saúde. No Facebook, a empresa liderada por Conceição Dias vai expondo a situação. «Temos recebido inúmeros pedidos de vários locais a solicitarem ajuda e expondo casos verdadeiramente dramáticos com necessidade de vestuário para as equipas (médicos, enfermeiros, auxiliares e bombeiros)», começa por explicar a empresa, que garante estar a contribuir na medida do possível, mas admitindo que «todos os esforços serão sempre insuficientes».
Nesse sentido, a Sonix pede ajuda a todas as empresas e profissionais têxteis para que ajudem da forma que lhes for possível.
A empresa avança que na semana passada todos os materiais produzidos – cerca de 2.000 conjuntos para equipas – já foram entregues. E a ajuda de outras empresas tem sido essencial para que as ajudas continuem a chegar a quem precisa. No Facebook, fica o esclarecimento: «Não estamos a vender material, e o que produzimos é para ajudar os hospitais que nos contactaram e que mais precisam de ajuda. Estamos nesta fase focados em 4 hospitais centrais, e esperamos ser possível ajudar também outros».
‘Usar a cabeça’
Depois de ter ficado sem gel desinfetante nas suas fábricas em Macau, a Havione resolveu procurar uma solução: «Os homens usaram a cabeça e começaram a fabricar eles mesmos o desinfetante», disse o CEO da empresa Guy Villax.
E a eficácia foi tal que o responsável colocou funcionários da fábrica de Loures a trabalhar na fabricação de desinfetantes à base de álcool em escala de toneladas métricas. A Hovione está a distribuí-lo para hospitais, centros de saúde e municípios. Para isso foi contratada uma linha de produção composta por uma equipa de 30 trabalhadores.
«O nosso objetivo é ajudar a prevenir a escassez de desinfetante para as mãos em Portugal, especialmente no que diz respeito às unidades de saúde e outras entidades oficiais diretamente envolvidas com as medidas para conter a pandemia de Covid-19», explica a Hovione.
E casos como este multiplicam-se um pouco por todo o país: o Parque do Alentejo de Ciência e Tecnologia, em parceria com a SHARISH GIN e a Incopil anunciaram o início de uma produção de 3.000 recipientes de gel desinfetante. O objetivo é doar o produto a entidades públicas da região.
Também a Super Bock, em parceria com a Destilaria Levira, está a ajudar o Serviço Nacional de Saúde (SNS). As empresas vão usar o álcool retirado na produção de Super Bock Free sem álcool para a produção de gel desinfetante para as mãos, que será posteriormente oferecido a várias unidades hospitalares.
Para ajudar foi ainda criada por Ruben Borges a 3DMask que conta neste momento com mais de 100 os voluntários por todo o país que, com impressoras 3D – até então de uso pessoal, ou com impressoras de empresas especializadas – produzem diariamente dezenas de máscaras de proteção. Até ao momento foram entregues mais de 600 unidades.
Pelas redes sociais circula ainda uma outra parceria: Filipa Bargado, médica no Hospital Curry Cabral, em conjunto com a Maria Modista, vão produzir cógulas de proteção individual para profissionais de saúde na linha da frente. Para isso, pedem ajuda para conseguir obter material de produção.