Setor da saúde defende plano de emergência para retomar resposta a doentes não covid

Ministra da Saúde aponta reinício da atividade suspensa para as próximas semanas. Vai ser pedido aos hospitais para identificarem doentes prioritários.

Com a epidemia de covid-19 numa fase de abrandamento dos novos casos aumentaram nos últimos dias os alertas de que é preciso preparar a próxima fase de resposta no SNS para diminuir o impacto nos outros doentes depois de nas últimas semanas terem sido desmarcadas consultas e cirurgias não urgentes mas também exames para concentrar a capacidade do SNS na resposta à pandemia. A Convenção Nacional da Saúde, uma plataforma que junta ordens, associações e instituições do setor público, privado e social defendeu esta segunda-feira um plano de emergência para a retoma progressiva de toda a atividade assistencial.

“Não podemos permitir que as curvas de outras doenças aumentem, nomeadamente as doenças crónicas como as cardiovasculares, a diabetes ou doença oncológica, e muitas outras, e cuja resposta adequada e tratamento imediato não pode ser adiado”, apelou o setor ao Governo, lembrando que antes da pandemia já havia dezenas de milhares de portugueses à espera de consultas e cirurgias e que os dados disponíveis mostram uma redução de 45% nas idas às urgências e de 95% dos exames de imagiologia e uma paragem “quase total” dos exames de gastroenterologia e de cardiologia.

No briefing diário sobre a evolução da epidemia, a ministra da Saúde anunciou que o plano de recuperação da atividade está a ser articulado com a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), hospitais e administrações regionais de saúde, apontando a sua apresentação para os próximos dias e o recomeço da atividade para as próximas semanas. A preocupação do Ministério é dar “passos pequenos mas seguros”, disse. Questionada pelo i sobre qual foi o impacto da suspensão da atividade não urgente no último mês, Marta Temido disse que os dados disponíveis são ainda preliminares, não tendo sido divulgado um balanço.

A ministra da Saúde adiantou ainda que o plano de regresso à normalidade na resposta do SNS terá três pilares: será pedido aos hospitais que identifiquem “casos prioritários” entre os doentes que não tiveram resposta, serão identificadas equipas cirúrgicas que serão afetas à recuperação de cirurgias e será necessário ponderar “alguma flexibilidade para otimizar as condições de utilização (dos serviços de saúde), evitando que o sistema fique congestionado com casos que não são prioritários”.

task-force Não existindo ainda um balanço oficial, o histórico da atividade do SNS permite perceber que no ano passado, no mês de março, os hospitais do SNS fizeram mais de um milhão de consultas externas e quase 52 mil cirurgias programadas, números idênticos aos do ano anterior. Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), explicou ao i que o mês de março costuma ser dos mais produtivos do SNS e admite que a quebra nas últimas semanas possa aproximar-se desses valores, ainda que tenha havido um reforço de consultas não presenciais.

Alexandre Lourenço defende que deve ser criada uma task-force específica para apoiar a reorganização da resposta, envolvendo hospitais e ACSS. “O mais importante neste momento é perceber como os hospitais se vão organizar numa segunda fase, o que vai implicar também uma reorganização da rede de resposta à covid-19. Os problemas que o SNS tinha antes continuaram a existir. Havendo concelhos sem casos de covid, não fará sentido os centros de saúde só estarem dedicados a situações urgentes. Em Lisboa pode não fazer sentido ter todos os hospitais envolvidos na resposta à epidemia e os que permaneçam como unidades de referência para a Covid-19 terão de ter circuitos autónomos”.

O administrador hospitalar defende que a capacidade de testes para despiste de covid-19 terá de continuar a ser reforçada assim como os equipamentos de proteção para profissionais e doentes, bem como as equipas para despistar contactos de doentes que venham a ser confirmados. “Temos de ter uma rede hierárquica e que funcione de forma dual”, diz Alexandre Lourenço, propondo ainda que o planeamento da próxima fase seja aproveitado para dinamizar mecanismos de modernização do sistema de saúde que no passado tiveram mais resistência, como as teleconsultas e a monitorização remota de doentes crónicos, que antes da atual crise já eram um dos desafios do SNS num país cada vez mais envelhecido e com pessoas com múltiplas doenças. Alexandre Lourenço sublinha que o reforço do acompanhamento dos doentes crónicos é um dos aspetos críticos até porque um dos indicadores em que o sistema de saúde português tem até aqui tido bons resultados é na reduzida taxa de internamento destes casos.

Domingo de Páscoa com mínimo de casos O boletim publicado esta segunda-feira pela DGS revela que até à meia-noite de domingo estavam confirmados no país 16934 novos casos de covid-19. O número de vítimas mortais subiu para 535. O domingo de Páscoa foi assim o dia com menos casos confirmados nas últimas semanas – 349. É expectável um aumento dos casos confirmados, fruto de atrasos na realização de testes e notificações durante o fim de semana. Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, diz que as oscilações nos números tornam difícil ter dados robustos sobre a tendência nacional da epidemia. E os últimos dias aumentam as reservas: o especialista admite que um discurso mais otimista na semana passada e iniciativas como o compasso pascal que, apesar das recomendações, se realizaram em alguns pontos do país poderão vir a refletir-se num maior número de casos durante esta semana e a próxima.