As perspetivas de crescimento económico são arrasadoras e nada animadoras para o futuro nacional e mundial. O Fundo Monetário Internacional (FMI) garantiu que a crise provocada pela covid-19 será a pior recessão desde a Grande Depressão, nos anos 30 do século passado, e muito mais grave do que a crise financeira de 2008, ao ponto de a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, a batizar como «Grande Confinamento».
Nas suas previsões de primavera – as primeiras desde que foi declarada a pandemia -, o FMI aponta para uma contração da economia mundial de 3% em 2020. É um resultado que compara, por exemplo, com a redução do PIB de 0,1% que se verificou em 2009, no auge da crise financeira internacional de há cerca de uma década. Daí ser considerado algo «muito pior» do que aconteceu em 2008 e 2009.
Portugal não fica de fora desta tendência e o FMI aponta para uma recessão de 8% da economia portuguesa e uma taxa de desemprego de 13,9% em 2020. Além disso, prevê uma deflação de 0,2% e um saldo da conta corrente positivo em 0,3% do PIB.
No entanto, um dos analistas ouvidos pelo SOL considera que, neste momento, qualquer avaliação do impacto socioeconómico da covid-19 tanto em Portugal como em qualquer outro país «deve ser visto como palpites». Para André Pires, analista da XTB, «a projeção do FMI baseia-se nos dados disponíveis, que são desesperadamente escassos». André Pires explica que o contexto atual, «segundo o qual os dados de contágio parecem indicar que já teremos ultrapassado o pico de contágio da pandemia, as previsões do FMI são até otimistas, já que ainda não temos garantias de que o pior tenha passado». E estas previsões otimistas, na opinião do analistas, servem tanto para as da economia portuguesa como para a economia mundial.
Já Francisco Alves considera que «tendo em conta a situação atual, era esperado que atingisse estes valores». Para o analista da corretora Infinox, «o facto de a atividade turística contribuir para uma grande parte do PIB português, explica parte deste elevado valor».
Já para 2021, o cenário inverte-se, com a instituição liderada pela búlgara Kristalina Georgieva a apontar para uma recuperação de 5% do PIB, uma taxa de desemprego de 8,7%, uma inflação de 1,4% e um saldo da conta corrente a voltar ao negativo, nos 0,4% do PIB – números que contrastam com o que se verificou no ano passado, em que o crescimento do PIB foi de 2,2% e a taxa de desemprego foi de 6,5%.
No que diz respeito aos valores do desemprego, que também não são otimistas, Francisco Alves relembra que os valores para Portugal significam «mais do dobro em relação a Fevereiro». E destaca que «a economia está praticamente parada». Tudo porque «muitas empresas praticam o layoff. No entanto, poderá não ser muito sustentável a longo prazo».
Tal como o FMI, também Francisco Alves destaca o facto de estarmos «perante uma recessão nunca vista desde a Grande Depressão». Nesse sentido, «estes números já eram certamente previsíveis». Mas está otimista: «Contudo, dependendo da eficácia do tratamento da pandemia, poderemos ver uma recuperação mais rápida que a prevista», defende o analista da Infinox.
BdP mais otimista
Os números agora divulgados pelo FMI são ainda mais pessimistas do que aqueles que tinham sido revelados pelo Banco de Portugal (BdP) em março, altura em que estimou uma queda do PIB nacional de 3,7% num cenário-base e de 5,7% num adverso. Quanto à taxa de desemprego, os economistas do banco central projetaram uma taxa de 10,1% em 2020 no cenário-base e de 11,7% no adverso.
Também esta semana, o ministro das Finanças revelou que as estimativas do Governo apontam para uma queda de 6,5% do PIB anual por cada 30 dias úteis em que a economia esteja paralisada devido à covid-19.
E quando questionado sobre se a queda do PIB poderá este ano atingir os dois dígitos, devido ao travão na atividade económica imposto pelo surto de covid-19, Mário Centeno admitiu que no conjunto do ano poderá não se atingir valores dessa magnitude, mas avisou que a queda homóloga no segundo trimestre será «com certeza de quatro a cinco vezes o máximo que alguma vez o PIB caiu num trimestre».
Recessão mundial
A recessão de 3% prevista pela instituição sediada em Washington tem como base um cenário que «assume que a pandemia se desvanece na segunda metade de 2020 e que os esforços de contenção podem ser gradualmente relaxados», de acordo com o relatório do FMI.
Nesse cenário «é projetado que a economia cresça 5,8% em 2021, à medida que a atividade económica normaliza, ajudada pelo apoio de políticas», diz, acrescentando que «é assumido que as disrupções estejam sobretudo concentradas no segundo trimestre de 2020 para quase todos os países exceto a China (onde estiveram no primeiro trimestre), com uma recuperação gradual depois, à medida que a economia tem algum tempo para aumentar a produção depois do choque».
No entanto, «há uma incerteza extrema à volta das projeções para o crescimento mundial», já que «a quebra económica depende de fatores que interagem de maneiras difíceis de prever».
Para Francisco Alves, estas previsões são «otimistas». É que «tendo em conta a evolução exponencial do vírus nos Estados Unidos, a expansão da pandemia nos países da América Latina e a possibilidade de uma segunda vaga na China, poderemos ver a economia mundial numa situação mais profunda», alerta. Até porque para já, destaca, tudo é incerto: «Enquanto não existir um tratamento direcionado para a covid-19, continuamos bastante vulneráveis».
Necessidade de Orçamento Retificativo afastada
Ainda esta semana, o ministro das Finanças garantiu que as ajudas financeiras que o Estado vai dar às empresas e às famílias podem chegar aos 20 mil milhões de euros em 2020, o que corresponde a 10% do PIB anual de 2019. Ainda assim, Mário Centeno afastou a necessidade de avançar já com um Orçamento Retificado, uma vez que, considera que ainda estamos no início do ano.
Para André Pires, esta decisão do ministro das Finanças é de «prudência», com o objetivo «de esperar dados mais concretos que permitam avaliar objetivamente o impacto do coronavírus na nossa economia».
Também Francisco Alves defende que os certos impactos da pandemia na economia portuguesa «ainda estão a ser contabilizados». «Penso que seja algo necessário, mas com um estudo profundo das áreas a serem reforçadas pelo orçamento retificativo», defende.