Michael Jordan. O bailarino voador

A série documental The Last Dance [A Última Dança] reúne imagens inéditas dos backstage dos Chicago Bulls da época 1997/98 – a última temporada do segundo three peat (três títulos consecutivos). ‘Air’ Jordan incendiava uma cidade e o mundo: ‘Aquilo era Deus disfarçado de Michael Jordan’. Passaram mais de duas décadas desde a sua saída…

Querem os presentes de Natal debaixo da árvore ou querem ir ver o Michael Jordan, o Scottie Pippen e o Dennis Rodman? Escolhemos os Bulls». Na década de 90, este era provavelmente um dos dilemas mais fáceis para as gentes de Chicago – no qual se incluem dois irmãos com menos de dez anos, autores desta resposta, que surge no primeiro episódio da The Last Dance, série documental que mostra imagens inéditas no balneário dos Chicago Bulls da época 1997/98, aquela que seria a última em que a equipa liderada por Phil Jackson se sagra campeã da NBA, alcançando o sexto título em oito temporadas. E a prova de que as crianças não mentem é a referência ao trio principal daquela que continua a ser uma das melhores equipas da história do basquetebol mundial: ‘Air’ Jordan é naturalmente o protagonista do documentário, que dá ainda a conhecer a vida de outros jogadores e dirigentes, como o caso do mal-amado general-manager dos Bulls, Jerry Krause.

Produzida pela ESPN, a série documental, dividida em 10 partes, já tem disponíveis os dois primeiros episódios na Netflix Portugal (todas as segundas-feiras, até 18 de maio, são lançados dois novos episódios) – naquele que se tratou de um lançamento antecipado de junho para abril devido à pandemia de covid-19. Como a carreira de Jordan nos Bulls, a aposta já revelou ser um verdadeiro sucesso, com mais de 10 milhões de visualizações.

A história de Michael Jordan, bem conhecida por todos, pode ser rapidamente revivida entre voos, triplos e afundanços, mas sobretudo com direito a depoimentos que não têm preço. Entre os melhores momentos do basquetebolista que em 1984 foi a terceira escolha do draft, destacam-se três: a carta lida pela mãe, enviada por Jordan nos tempos de estudante (a pedir dinheiro e selos – para carregar o telemóvel); os jogos de basquetebol com o irmão Larry, uma verdadeira luta para chamar a atenção do pai, e a postura implacável do antigo poste para com os companheiros de equipa.

«Se querem ver o melhor dele, digam-lhe que algo é impossível ou que alguém é melhor do que ele», diz o pai de MJ num curto depoimento, gravado meses antes de ter sido assassinado. Entre as declarações mais virais do documentário, sobressai também a resposta de Jordan quando confrontado sobre o Bulls traveling cocaine circus (o circo de cocaína ambulante dos Bulls) nos anos 80. «Tive um evento na pré temporada. Estava num hotel a tentar encontrar os meus companheiros de equipa. Começo a bater às portas até que, chego a uma delas, e ouço uma voz a dizer ‘’shhh, está alguém lá fora’. Ouvi outra voz a perguntar: ‘Quem é?’ Disse que era o MJ. Então abriram a porta, entrei e praticamente toda a equipa estava ali. E havia coisas que nunca tinha visto na vida. Linhas de cocaína de um lado, outros a fumar marijuana, mulheres… A primeira coisa que disse foi: ‘Estou fora’. Só pensava que, se vissem, era tão culpado como os outros que estavam ali», contou, relembrando um episódio no seu ano de estreia na equipa.

Também bem patente nas primeiras cerca de duas horas já exibidas fica o foco e determinação daquele que ainda hoje é considerado o melhor basquetebolista de todos os tempos. Dormir era a prioridade do então jovem jogador, que desvenda ainda que os únicos vícios que tinha na altura eram sumo de laranja e… 7 up.

O resultado estava, de resto, à vista de todos: num dos momentos da série em que é recordado o histórico encontro entre os Bulls e os Boston Celtics de Larry Bird, Kevin McHale, Robert Parish e Bill Walton, em 1986, Jordan bateu o recorde de pontos num só jogo dos playoffs (63). A monstruosidade de talento era inquestionável até para os que integravam o lote de melhores basquetebolistas de sempre. Entre os vários comentários, evidencia-se o de Bird: «Aquilo não era o Michael Jordan. Aquilo era Deus disfarçado de Michael Jordan». Também a dar que falar (e de que maneira!) nas redes sociais estão os depoimentos de Barack Obama, identificado como antigo residente de Chicago, e Bill Clinton, que surge no oráculo como ex-governador do Arkansas. Obama lembra que quando Jordan chegou à cidade era um «teso» e que não tinha dinheiro para ver jogos dos Bulls – de notar que a arena, que costumava ter 2/3 das bancadas vazias passou a estar sempre a rebentar pelas costuras. De equipa menosprezada na cidade, a marca Bulls tornou-se até hoje uma das mais conhecidas e valiosas graças a Jordan e… companhia. 

Tal como já foi mencionado, nem só MJ é dono e senhor deste conto de fadas. Pippen, considerado o braço direito de Jordan, e o melhor segundo jogador, apesar de nunca ter sido pago como tal (estava admiravelmente fora da lista dos 100 mais bem pagos pela NBA), é outro dos rostos principais de um bonito capítulo, embora sem um final feliz. Resta-lhe ainda assim o reconhecimento do melhor de todos os tempos. O mesmo não aconteceu com Krause, cujos desaguisados com os basquetebolistas e equipa técnica se tornam num dos pratos principais destes dois episódios. Responsável pela restruturação da dinastia, o primeiro tiro no próprio pé aconteceu após anunciar a saída do multititulado Jackson. O treinador acabaria por ficar mais uma época mas sabia de antemão que independentemente dos resultados sairia após o último jogo da temporada – mesmo que o saldo fossem 82 vitórias no mesmo número de encontros! 

Por isso, foi o próprio Jackson que intitulou aquela época 1997/98 de «The Last Dance» – A Última Dança. 

E assim foi.