Entre críticas políticas, diz que nada disto fez parte de um plano para uma carreira internacional que ganhou velocidade depois de um pugilista chamado Jorge lhe ter valido uma premiação no Festival de Cinema de Veneza em 2016. Aqui é Boxer. Ou Duarte Silva, descobriremos bem adiante. Mais ou menos pela altura em que, olhando-o bem mais de perto (e de dentro) do que naquela primeira cena em que acorda incomodado pelo barulho de música techno, aceitaremos que talvez Boxer exista para ser o que parece:_um indecifrável mistério. Tão complexo ou mais do que esta série que, entre uma mistura de géneros e partindo da história do homicídio de um DJ na década de 1990 cuja história a irmã, Zoe, vai à procura de resgatar, se equilibra entre uma ode e uma sátira à vida em Ibiza. Em 2020, White Lines é sobre tudo o que neste ano não existe. Uma quase ficção científica, graceja Nuno Lopes, que nesta sua estreia na Netflix encontrou também a possibilidade de uma reflexão sobre a fase de «meio da vida» em que se encontra.
«Nos filmes é tudo mais fácil: este é o sacana, aquele o assassino. Mas na vida… na vida real não se vê merda nenhuma». Isto que diz Andreu Calafat [Pedro Casablanc] a Boxer logo no primeiro episódio de White Lines serve tão bem esta série, e a própria história que Andreu, o patriarca de uma das famílias mais poderosas de Ibiza, quer desvendar, quanto este teu personagem: o Boxer. A cada episódio vamos descobrindo um pouco mais sobre ele, e estamos sempre a ser surpreendidos, mas a verdade é que chegamos ao fim sem saber quem ele é realmente.
As personagens do Álex Pina têm sempre um lado B, um lado C e às vezes até um lado D. Acho que ele gosta muito de brincar com os preconceitos que temos sobre a imagem e a ideia que temos de uma pessoa. Acho que o meu personagem lança logo isso no início quando, na primeira cena, o vemos acordar e percebemos que mora dentro de uma discoteca. É o chefe de segurança de uma das famílias mais poderosas de Ibiza, que tem muitos clubes, vive numa discoteca, é uma figura icónica de Ibiza e faz parte do mundo da noite e, no entanto, a primeira coisa que diz quando acorda e ouve música techno é «odeio esta merda de música».
A música que tem em casa com som de fundo.
O tempo todo. Esse é logo o primeiro ponto em que percebes que este personagem não tem propriamente a ver com aquele sítio e tem mais que se lhe diga. Acho que o mais interessante, não só em relação ao meu como a outros personagens como o do Oriol [Juan Diego Botto], etc., é ires descobrindo os seus podres. A série fala muito sobre isto: por trás da fachada, o que é que uma pessoa é? E o meu personagem tem esse lado de parecer um tipo duro, que é chefe de segurança e tudo o mais, mas depois tem todo um lado romântico, culto… e muitos outros que acho que não se chega sequer a descobrir nestes primeiros dez episódios.
Tem esse ar que descreves mas também chora. E dá lições de Godard e da nouvelle vague à Zoe [Laura Haddock], a bibliotecária que chega de Manchester a tentar desvendar a história do desaparecimento do irmão, 20 anos antes, sobre Godard. Há cenas em que ficamos com a impressão de que quer ser uma espécie de Michel de O Acossado.
Sim. Na série não se percebe nunca o que dizem as tatuagens dele, mas quando andámos a discutir que tatuagens é que ele devia ter achei que uma das coisas divertidas seria ter estas duas que são citações: uma delas d’ O Acossado, do Godard, e a outra uma frase do Fernando Pessoa.
A d’ O Acossado é a que tem no pescoço?
Sim. [É um dos diálogos mais célebres do filme, em que Michel responde a uma pergunta de Patricia:] «Entre le chagrin et le néant, je choisis le chagrin… Et toi, tu choisirais quoi?/ – […] Le chagrin, c’est idiot. Je choisis le néant. C’est pas mieux, mais le
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