A Comissão Europeia considerou que o “coronavírus nos atingiu como um asteroide e deixou uma cratera na economia europeia”. Como tal, o vice-presidente da Comissão Europeia diz que, para já, a prioridade deve ser o investimento na saúde pública e na proteção dos postos de trabalho e das empresas. No caso português, pediu ao Governo para adotar políticas orçamentais prudentes assim que as condições económicas o permitam.
Pedro Amorim, analista da Infinox, admite que ficou surpreendido com estas declarações por considerar que são “quase contraditórias” face às afirmações feitas em fevereiro. “Há, de facto, impactos na economia que ainda não foram mensurados, e os efeitos negativos que penalizam a economia ainda não terminaram. O sentimento de confiança do consumidor está a cair como uma pedra, como nunca visto. Desde a ii Guerra Mundial, nunca vimos os dados da economia a terem este comportamento”, revela ao i. Também André Pires, analista da XTB, afirma que Bruxelas está a reconhecer que o impacto da pandemia não desaparecerá com ela, “podendo os seus efeitos socioeconómicos perdurar por algum tempo”, lembrando que a Comissão alerta ainda para o facto de que o “impacto deverá ter uma distribuição geográfica desigual, uma vez que um dos principais setores económicos atingidos é o turismo, afetando particularmente o Algarve e as ilhas da Madeira e dos Açores”.
Défice excessivo
De acordo com a recomendação especificamente dirigida a Portugal, pediu-se para se “prosseguir políticas orçamentais dirigidas a atingir posições orçamentais prudentes a médio prazo e a assegurar a sustentabilidade da dívida, fomentando o investimento”.
A avaliação global confirma um desvio significativo do caminho de ajustamento recomendado para o objetivo orçamental de médio prazo em 2019, e para este ano acredita-se que vá ultrapassar os 3% do PIB. No entanto, “à luz da ativação da cláusula de escape geral [ao Pacto de Estabilidade e Crescimento], não são tomados passos adicionais no processo de desvio significativo”, segundo Bruxelas.
A decisão não surpreende os analistas. Para André Pires, dado o contexto atual, a solução parece-lhe “razoável e previsível”. Já Pedro Amorim admite que o “tratado do défice não ser cumprido é disparar a última bala do cartucho”. E acrescenta: “O tratado existe por algum motivo, para evitar as crises como a última, em 2011, em que as crises das dívidas soberanas arrasaram todo o sul da Europa. Contudo, é estritamente necessário o não cumprimento do tratado, mas convém ser aplicado ao mesmo tempo que uma estratégia voltada para o investimento, numa economia apoiada em produtos de alto valor acrescentado e emprego especializado não precário”.
Recomendações
No entender de Bruxelas, no âmbito do combate à pandemia, Portugal deve também “fortalecer a resiliência do sistema de saúde e assegurar acesso igual a cuidados de saúde de qualidade e de longo prazo”. Mas não fica por aqui e foca ainda o emprego, defendendo que Portugal deve apoiar e “dar prioridade a medidas para preservar empregos”, bem como “garantir proteção social e de rendimentos suficiente e eficaz”, e ainda apoiar “o uso de tecnologias digitais para assegurar acesso igual a educação de qualidade e formação e impulsionar a competitividade das empresas”.
Segundo a Comissão Europeia, deverão ser também implementadas “medidas temporárias dirigidas a assegurar acesso à liquidez pelas empresas, em particular pequenas e médias empresas”, a “fomentar projetos de investimento público e a estimular o investimento privado para promover a recuperação económica”. Além disso, sugere que o investimento assente na transição verde e digital, “em particular na produção limpa e eficiente e no uso de energia, infraestruturas ferroviárias e inovação”, é outra das recomendações do executivo comunitário, que apela ainda ao “aumento da eficiência dos tribunais administrativos e fiscais”.
Para o analista da XTB, contudo, estas recomendações são “bastante genéricas”. Ainda assim, reconhece que incentivam o Governo a assegurar o “acesso à liquidez pelas empresas, em particular pequenas e médias”, e chama a atenção para o facto de o Executivo necessitar de “fomentar projetos de investimento público e de estimular o investimento privado para promover a recuperação económica”, o que no seu entender, “parecem recomendações muito sensatas, mas que o Governo tem tido dificuldade em implementar”. A solução, de acordo com o mesmo, deveria passar por implementar medidas de incentivo económico focadas em revitalizar as PME, as quais compõem grande parte do tecido empresarial português. “Esses incentivos passariam por benefícios fiscais e facilidade de obtenção de crédito. Nem sempre tais medidas são populares, pois o seu efeito na economia é menos imediato, mas mais duradouro”, acrescenta ao i.
Este é um caminho que, para Pedro Amorim, pode ser considerado perigoso. “O que estamos a presenciar serão os mesmos riscos de estratégia perigosa que a União Europeia adotou na última década, apostando no crescimento e desenvolvimento rápido, mas pouco sustentado. Os valores de crédito concedido no início do ano bateram recordes históricos de sempre, as taxas de juro estavam e estão historicamente negativas, tornando assim a ajuda monetária quase inevitável nesta altura. Já há muito tempo o mercado financeiro criticava esta estratégia política da União Europeia e do BCE”, salienta. E vai mais longe ao considerar que estas recomendações são feitas por “alguém que tem pouca experiência em gestão/administração de políticas públicas”. E dá exemplos. “Todas as recomendações visam um aumento da despesa pública em dezenas de milhares de milhões de euros que já devia ter sido recomendado há dez anos, com visão de longo prazo. Nesta altura do campeonato, as sete recomendações deixadas recentemente fazem lembrar uma carta ao Pai Natal. Só existe uma que se pode fazer que reduz despesa: aumentar a eficiência dos tribunais administrativos e fiscais”. refere ao i.
O analista da Infinox chama ainda a atenção para o facto de os números da queda do investimento não terem precedentes. “Infelizmente, não há dinheiro público nesta altura. As receitas fiscais caíram a pique e necessitamos de uma reforma fiscal que estimule de novo o investimento. Uma medida mais eficaz seria a redução dos impostos para novos investimentos, porque o dinheiro não desaparece, ele circula”, diz, acrescentando ainda que “uma aposta na captação de investimento estrangeiro seria uma boa recomendação”.
Riscos
Apesar de ter elogiado os esforços dos bancos para voltarem a ser rentáveis e a redução do malparado, a Comissão Europeia afirma que a crise da pandemia vai ter impacto na qualidade do crédito. “O enfraquecimento da economia, a crise da covid-19 e o ambiente de baixos juros vão criar desafios para o setor bancário e irão refletir-se na qualidade de crédito dos empréstimos concedidos”, refere Bruxelas.
Este alerta não surpreende os analistas. “Para evitar ou mitigar esse efeito, os bancos têm aumentado a eficiência do setor e reduzido as provisões e imparidades. No entanto, a Comissão Europeia deixa claro que ainda há muito caminho a fazer”, diz André Pires. Também Pedro Amorim acha normal esta chamada de atenção, lembrando que, nos últimos três anos, a mensagem recebida pelos bancos era emprestarem dinheiro para haver liquidez na economia. “Os ativos bancários estão em máximos. Mas as receitas das empresas caíram devido à diminuição das vendas, logo é previsível uma dificuldade no pagamento dos financiamentos bancários. Os registos destas imparidades bancárias levarão a banca nacional e europeia novamente aos prejuízos”, conclui.