Mundo. Protestos contra um racismo que “não conhece fronteiras”

Do Reino Unido, à França, México e Canadá, os tributos a George Floyd misturam-se com a fúria contra outros abusos policiais.

O homicídio de George Floyd já não é só um símbolo apenas para norte-americanos: noutros países, protestos em solidariedade ganham uma nova escala, absorvendo queixas em vários países contra os abusos policiais e o racismo sistémico. Desde o brutal espancamento de um chefe indígena no Canadá, em março, à morte de um construtor civil no México, quando foi detido por não usar máscara, passando pela detenção violenta de um adolescente aborígene na Austrália, até à morte de Adama Traoré, um francês negro morto em 2016, em circunstâncias semelhantes às de Floyd. “Ele podia ser o meu pai ou o meu irmão”, explicou Kehinde Andrews, professor de Estudos Negros na Universidade de Birmingham, no Reino Unido, onde também houve enormes protestos, um pouco por todo o país. “Para nós não é algo que aconteceu na América, é algo nos pode acontecer aqui”, explicou à CNN.

“O Reino Unido tem culpa também”, lia-se em faixas dos manifestantes em Londres, onde foi grafitada uma estátua de Winston Churchill, com as palavras “era um racista”. Já, em Bristol, uma multidão de 10 mil pessoas derrubou e grafitou uma estátua de Edward Colston, um antigo deputado britânico, que enriqueceu com o tráfico de escravos: a sua empresa levou mais de 100 mil escravos da África Ocidental para o continente americano, entre 1672 e 1689. Há anos que ativistas pediam que a estátua fosse retirada do espaço público, sem sucesso: não esqueciam que as vítimas de Colston incluíam mulheres e crianças, transportados em navios negreiros sobrelotados e marcados a ferro quente, com as iniciais da empresa.

“Puro vandalismo e desordem é completamente inaceitável”, declarou a ministra do Interior britânica, Priti Patel, que considerou que derrubar a estátua do esclavagista foi “absolutamente vergonhoso”. Patel prometeu que a polícia investigará o assunto e pediu ao público que não se manifestasse, lembrando: “Ao abrigo das regras, é ilegal reunirem seis ou mais pessoas no exterior”. A ministra apelou: “Sigam as regras que existem, que e estão lá para proteger o serviço nacional de saúde e salvar vidas”.

 

“Têm de morrer” “O racismo não conhece fronteiras”, disse Leinisa Seemdo, uma tradutora de origem cabo-verdiana, com 26 anos, que marchou com outros manifestantes até à Puerta del Sol, na capital espanhola. “Vivi na China, Portugal e agora Espanha, em cada um desses países experienciei descriminação devido à cor da minha pele”, assegurou, citada pela Euronews.

“É escandaloso que todas estas injustiças fiquem por punir”, concordou Dior, um estudante senegalês, em declarações à AFP: referia-se em particular ao caso de Traoré, cuja família pede justiça desde 2016. Não era único indignado: só no sábado, terão saído 23 mil pessoas em Paris, Lyon, Bordéus, Nice, Lille e Metz.

Contudo, tinham mais um motivo para protestar: uma investigação da StreetPress revelou a existência de grupos de Facebook e WhatsApp, com mais de oito mil pessoas, boa parte delas polícias franceses, recheado de conteúdo racista, antisemita e sexista, esta quinta-feira. Entre as mensagens liam-se coisas como: “Já não quero salvar pessoas. Digo a mim mesmo que todas estas pessoas têm de morrer”. O próprio ministro do Interior francês, Christophe Castaner, viria a reconhecer: “Caso sejam provadas, estas são palavras inaceitáveis que provavelmente danificarão seriamente a honra da polícia”.

 

“Tenho uma voz” Do outro lado do Atlântico, aumenta a fúria com a morte do jovem Giovanni Lopez, em Guadalajara, no estado mexicano de Jalisco. O caso conseguiu chocar país conhecido pela frequência de crimes brutais, alguns deles cometidos pela própria polícia – em 2014 desapareceram 43 estudantes, raptados e presumivelmente massacrados por polícias corruptos.

Enrique Alfaro, governador de Jalisco, já prometeu que “a morte de Giovanni não ficará por punir”, anunciando a detenção dos três polícias responsáveis e pedindo desculpa pela brutalidade da polícia contra os protestos. Contudo, a notícia do desaparecimento de dezenas de manifestantes acirrou ainda mais os ânimos: na Cidade do México, os revoltosos queimaram carros, esmagaram as vitrinas e atiraram cocktails molotov à embaixada norte-americana, avançou o Yucatan Times. 

A norte, no Canadá, as acusações de racismo foram alimentada pelas imagens do rosto de Allan Adam, brutalmente espancado. Adam, líder dos indígenas  Athabasca Chipewyan, terá sido mandado parar pela polícia em março, por ter uma matrícula expirada. Terá acabado a ser espancado por vários agentes, à frente da família.

“Demais é demais”, declarou esta semana, enquanto os protestos aumentam por todo o globo. “Tenho uma voz”, explicou o chefe indígena, acusado de resistir à detenção, pedindo que a polícia revelasse as imagens do incidente. “Não tenho medo de expressar em voz o que aconteceu”, garantiu.