Ignorar erros e procurar bodes expiatórios é cobardia

Portugal vive uma grave crise sanitária, que está longe do fim, e uma crise sócio- –económica, em boa parte resultante da anterior, mas muito agravada pelas deficientes condições estruturais da economia portuguesa, que os últimos governos não quiseram ou não foram capazes de eliminar.

É nestas ocasiões que se descobrem os verdadeiros estadistas e que se torna necessária uma política aceite por todos. É nestes momentos que se afirma o direito de exigir que ‘nunca ninguém caminhará sozinho’.

No início da pandemia o primeiro-ministro afirmou, que «deveríamos esperar o melhor, mas estar preparados para o pior» e o Presidente da República assegurou que teríamos sempre direito à verdade e à transparência.

Uma esmagadora maioria de cidadãos acreditou e colaborou e só por isso foi possível construir a ilusória teoria do milagre, deixando de fora uma minoria dos mais informados que tiveram a ousadia, quase sempre sancionada, de declarar que, o ‘rei vai nu’.

E como poderia ser doutra forma, se o Serviço Nacional de Saúde tem vindo a ser sistematicamente sacrificado, desde 2015, com cativações, cortes orçamentais e decisões absurdas?

Não estará sequer em causa a maior parte das decisões tomadas, embora seja certo que, cá dentro ou lá fora, qualquer governo legítimo tomaria ou tomou decisões semelhantes. Mas as condições de partida tornavam a situação portuguesa particularmente vulnerável, pois, ao contrário do que foi apregoado, as consequências da crise não são simétricas, quer nos diferentes estados, quer quanto às diversas condições sociais dos cidadãos

E o que é válido para a crise sanitária é igualmente verdadeiro para a crise económica e social pois ambas as crises são irmãs siamesas que progridem em paralelo.

Os anunciados apoios e ajudas não chegam ao sistema produtivo, e vêm sempre envolvidos em burocracias e exigências insuportáveis, o que está a conduzir ao encerramento de empresas, ao desemprego de milhares e à perda de rendimento para quase todos. Mas isto não é, pelo menos para o primeiro ministro e para o seu governo, a AUSTERIDADE!!!

Durante o período de ‘euforia’ com o milagre (’é fácil mandar para casa’ e, ‘afinal, só acontece aos outros’) a proclamada preparação para o pior não se viu e a prometida comunicação de verdade foi uma ilusão constante.

Estes compromissos foram substituídos por gestos, atitudes e comportamentos pessoais de absoluta irresponsabilidade que, naturalmente, foram interpretados, pela generalidade das pessoas, de forma errada, provocando condutas irracionais.

Não havia ‘milagre’, como se vê agora e, quer no plano da saúde pública (pandemia e saúde em geral) quer no plano da recuperação económica e na definição de uma estratégia de desenvolvimento, a situação portuguesa aproxima-se perigosamente de uma preocupante catástrofe.

É, por isso, necessário mudar mas, especialmente, exigir aos governantes que falem verdade e assumam as suas responsabilidades e culpas, mesmo no caso improvável de alguns faltas não lhes serem diretamente imputáveis e ainda que isso vá contra a sua natureza e personalidade.

Reconhecer erros é a melhor forma de os corrigir.

Numa democracia, que não seja minimalista, o marketing político e a manipulação sistemática da opinião pública nunca produzirão resultados para lá do curto prazo.

Infelizmente, a recente ‘descoberta’ da verdadeira situação sanitária do país, a sistemática revisão em baixa das previsões económicas e sociais para os próximos anos e o atraso na chegada da famosa ’bazuca’, sem condicionalismos ou com condicionalismos mínimos, que resolveria todos os nossos problemas, não estão a ser incentivos à mudança.

Na última reunião no Infarmed, o primeiro-ministro terá declarado «a culpa não será minha, se alguma coisa falhar». Pela sua gravidade não é fácil comentar esta afirmação .

Coincidentemente ou talvez não, foi na sequência desta declaração que começou a caça à Direção-Geral de Saúde, estranhamente apoiada pelo líder da oposição e agora claramente assumida por Fernando Medina, o líder do principal concelho da Área Metropolitana de Lisboa, zona territorial e social onde a pandemia mais se agravou.

No plano económico, as trapalhadas em relação à situação da TAP, e as cedências do governo às exigências orçamentais dos partidos zombie que o suportam, também não permitem grande otimismo e uma especial tranquilidade.

Resta a esperança de que o bom senso volte, provavelmente imposto pelo exterior, agora que se iniciou a presidência alemã da UE e se ouviu a chancelar Merkel afirmar, «a prosperidade da Europa interessa à Alemanha» e «o meu país tem capacidade (e vontade) para assumir o financiamento do Plano de Recuperação Europeu».

É certo que temos de nos preparar para o pior, esperando o melhor, mas, nos últimos tempos, António Costa só se preocupou com o melhor, mesmo perante a evidência do pior.

Viver permanentemente na desculpa com os outros e alijar responsabilidades é uma atitude reprovável que nada resolverá e que, para o bem de todos, tem e deve ser fortemente penalizada.