Confesso que ao ouvir um ministro fiquei empolgado.
Portugal a dar uma lição aos outros, Portugal a fazer abrir os olhos de espanto,
Portugal exemplo, Portugal triunfante.
Em quê? Interroguei-me depois.
Fizemos um negócio sem par.
Nunca me abandona a imagem do Oliveira da Figueira, esse mesmo que Hergé imortalizou.
Ele vendia, não comprava.
Está bem, mas dá no mesmo havendo lucro.
O ministro comprou. O quê?
Aos espanhóis, iludindo o apetite do ferro-velho internacional, um conjunto de carruagens de comboio por pouco mais de um milhão.
Um investimento.
Sete milhões e não sei quantos anos depois, imagino-me viajando nelas.
O que eu me vou rir dos espanhóis…
É certo, vamos entretanto ser obrigados a comprar material novo para responder a solicitações imediatas. Mas isso não tira o prazer.
O mundo fica ansioso por frequentar esta escola comercial, o mundo pasma.
No dia seguinte fiquei mais triste.
Há sempre desmancha prazeres, concluí.
Vozes difusas recordaram o que sucedeu com as nossas desgraças bancárias: uma, duas, três.
Orgulhoso, como português, transigi. Pagámos tudo. Como ouvi a um brasileiro educado na nossa tradição, não queremos o nosso nome sujo.
E, olhando mais de perto a realidade, confrontei-me com o grande negócio do Novo Banco.
Na versão otimista, ter-se-á visto livre de duzentos imóveis.
O pior é a outra versão.
Um outro banco, controlado por um Fundo, comprou por menos de 70% do valor inicial esses imóveis.
Um pequeno problema; o tal banco era liderado pelo atual charmain do Novo Banco. Uma questão, portanto, de mera oportunidade e coincidência.
Um bom negócio. Outro.
Eufemisticamente, o Fundo de Resolução tapa o buraco.
Na realidade, nós pagamos.
E continuei a entristecer…
A TAP vai ser, como admiti, intervencionada.
Se as consequências da privatização se cumprissem, o Estado teria a sua função simplificada.
Com o reforço do peso do Estado, fruto daquela outra negociação exemplar, tudo se complicou.
Outro bom negócio.
O Estado entra com mil e duzentos milhões, paga 55 milhões ao Sr. Neeleman, a TAP encolhe, os despedimentos crescem, os aviões parados perdem valor.
O sr. Neeleman é um fã do Estado português.
O senhor presidente da Câmara de Lisboa, cuja cidade beneficiou do enorme incremento do Airbnb no boom turístico, imagina a sua reconversão em arrendamento para os trabalhadores indispensáveis.
Salivam de entusiasmo os investidores. Um novo eldorado.
E, triste com estava, por mais que o desejasse, não se me fez luz.
Outro grande negócio, o das rendas da energia, ocupa a atenção de todos e o trabalho dos tribunais.
E, para fazer cair o queixo ao mundo, uma nova oportunidade se anuncia, não a da bomba (terror do nosso tempo), mas o da energia do hidrogénio. Alguém há de pagar. Galambemo-nos todos e acabou-se.
Perante tanta felicidade e razão de espanto a oposição está a mais.
Mesmo que tudo o resto corra mal, acabem as reuniões do Infarmed.
Mesmo que o Governo desafie com a ameaça de eleições, termine-se a periodicidade estabelecida dos debates na Assembleia.
Mesmo que o Parlamento esteja contra, dê-se emprego ao ex-ministro já que ele estaria impedido de o encontrar por outra via no país.