Passa pouco mais de um mês desde que assumiu funções no gabinete de crise de Lisboa. Que perspetiva tinha do combate à covid-19 no país?
O gabinete foi criado no dia 10 de junho, como um primeiro encontro informal. O que achava antes deixei registado em dois ou três artigos que publiquei e agora, revendo, penso exatamente o mesmo. Em primeiro lugar, o enquadramento que foi feito da resposta à covid-19 foi muito visual, a partir do que se viu nos cuidados intensivos em Itália e em Espanha. Como sempre aconteceu – e já na peste da Idade Média foi assim – como estamos no cantinho da Europa Ocidental, normalmente as coisas cá chegam um pouco mais tarde. Tivemos uma imagem e uma comunicação que influenciou os técnicos, particularmente os médicos clínicos, as administrações hospitalares e a comunidade, que influenciou o poder político, que interpreta os receios da população. A saúde pública tende a ver as coisas de uma forma mais recuada e nunca olhei para a epidemia como um problema exclusivamente do SNS.
Ainda antes de isso se tornar problemático em Lisboa?
Sim. Em saúde pública temos sempre uma perspetiva de base populacional. E isso reflete-se em tudo. No próprio teste que se faz à covid-19, o PCR. Há uma perspetiva que é a clínica, que é aquela que está a ser dominante no país, e uma perspetiva de saúde pública. Mas lá iremos. Lembremo-nos de qual foi o grande objetivo em relação à epidemia e que de certa forma ainda é…
Achatar a curva.
Sim e aí o sucesso foi total. Não podíamos ter sido mais bem sucedidos.
Menos em Lisboa.
Neste momento estamos melhor, mas mesmo quando pensamos que há três ou quatro semanas tivemos um pico, ou um segundo pico em Lisboa, isso acontece com uma enorme folga na rede hospitalar, quer no internamento, quer nas camas de medicina intensiva, quer nos ventiladores. O que aconteceu entretanto foi que as leituras se foram modificando. O que se percebeu finalmente é que isto não é só um problema do SNS, isto é uma epidemia. Eureka! Foi algo em que qualquer médico de saúde pública pensou no primeiro momento.
Está a dizer que houve concentração na capacitação da resposta hospitalar, dos cuidados intensivos, e isso contribuiu para a situação em Lisboa?
Já o escrevi. E há determinadas comunidades da área da sáude que têm ganhos extraordinários com esse discurso. Vamos ter um serviço de cuidados intensivos magnificamente equipado no futuro. Há mais equipamentos, há essa vontade política e havia de facto um défice a esse nível: estávamos abaixo da média nos cuidados intensivos. Portanto, não é irracional de todo que tenha havido esse esforço, mas este discurso e o receio da população e a expectativa que se criou levou a um alavancar dos reforços nessa área e não noutras. Como em qualquer epidemia, aconteceu o que iria sempre acontecer. As epidemias têm sempre duas expressões: a expressão da doença transmissível e a expressão da doença social. No calor do tempo e da resposta, essa ideia da expressão social não foi retida e é aí que está o verdadeiro combate de uma epidemia. O que tivemos de fazer foi reinterpretar o combate à epidemia, para uma dimensão que não é exclusivamente médica nem nunca devia ter sido. Isto não é nada de novo. No H1N1, que tivemos em 2009, há relatórios que dizem o que correu bem e menos bem e se relermos esses relatórios isto vem lá. Não é algo que o país não soubesse.
Falhou aí a resposta em Lisboa?
Não estou muito preocupado com o que falhou. Estou satisfeito por se ter encontrado um rumo. Obviamente a expressão social da doença foi identificada e percebeu-se que não estava a ser suficientemente intervencionada.
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