À espera dos parlamentos

Parlamento Europeu reúne em setembro para abrir a porta à ratificação dos recursos próprios da UE pelos parlamentos nacionais. Eurodeputado do PSD receia que algum parlamento nacional bloqueie o processo e possa vir a colocar em causa as garantias para o fundo de recuperação.

*com Luís Claro

O plano de recuperação económica para a Europa aprovado no último Conselho Europeu reforçou o debate sobre o recursos próprios da União Europeia, leia-se, a criação de novas formas de financiamento do Orçamento Europeu. E a discussão entrou numa fase de decisiva, com o necessário reforço de verbas também para os recursos que já estão previstos ao abrigo do fundo de recuperação.

Porém, há riscos acrescidos, porque há matérias que têm de ser aprovadas pelos Parlamentos nacionais. E na União Europeia existem 41 parlamentos, entre câmaras altas e baixas. 

No limite, pode haver quem chumbe soluções de financiamento e complicar as contas para o fundo de recuperação. O Parlamento Europeu vai acelerar a votação sobre os recursos próprios europeus. Esta decisão não é vinculativa, mas desbloqueia o processo para que se avance com o fundo de recuperação.

« Sem esta opinião [do Parlamento Europeu], não se pode começar o processo de ratificação dos parlamentos nacionais, e sem essa ratificação, não há a possibilidade de a Comissão Europeia ir aos mercados, e se a Comissão Europeia não for aos mercados não há fundo de recuperação», alerta o eurodeputado do PSD José Manuel Fernandes, um dos dois relatores do Parlamento Europeu sobre os recursos próprios da União Europeia. Mas o parlamentar deixa ainda um outro aviso mais sério: «O principal desta decisão é dar a garantia à comissão europeia para ir aos mercados. Sem isso não vai aos mercados. Qual é o meu receio? Que haja algum parlamento nacional, por razões internas, não ratifique, e nesse caso ficaríamos sem fundo de recuperação ( e nesse caso ficaríamos sem quadro financeiro plurianual porque foram feitos e cruzados como  um pacote. Ninguém tem falado nisto, porque ninguém sabe que são precisas 41 decisões», leia-se de 41 parlamentos dos 27 estados-membros. Só a Bélgica tem cinco, lembrou.

De realçar que a Comissão Europeia vai aos mercados, emite dívida para o fundo de recuperação e as garantias  estão assentes no orçamento da União Europeia. É este o plano.

E o que são afinal os recursos próprios da União Europeia?  São os direitos aduaneiros, uma percentagem do IVA e o Rendimento Nacional Bruto que cada país dá ao Orçamento Europeu. Há 32 anos que não se alteram estas fontes de financiamento e o debate sobre novas formas de financiamento para o orçamento europeu  é antigo. Agora, está em curso uma reforma do que se designam recursos próprios e já há consenso para que se avance, por exemplo,   com uma taxa sobre os plásticos (prevista para entrar em vigor a 1 de janeiro de 2021). Em cima da mesa está um valor 0,8 euros por cada quilo de plástico depositado não reciclado. O objetivo é também ambiental. Neste caso, pode representar cerca de 5 mil milhões de euros por ano, o suficiente para suportar os 17, 4 mil milhões de euros previstos de juros pela Comissão Europeia para  o instrumento de recuperação no quadro do fundo de recuperação, desenhado por Bruxelas. E aprovado, com muitos avanços e recuos, no último Conselho Europeu. O valor total, recorde-se, é de 750 mil milhões de euros. 

Note-se que o Parlamento Europeu já avisou que não dará o seu aval ao novo Quadro Financeiro Plurianual (202o-2017) se não existir um entendimento de que é necessário reformar e reforçar os recursos próprios da União Europeia, com novas soluções. E aqui a posição do PE é vinculativa, ao contrário, da discussão sobre os recursos próprios. O Parlamento Europeu não tem poderes sobre a receita, mas tão só sobre a despesa. «É o único no mundo», sintetiza José Manuel Fernandes.

O eurodeputado alerta que, se a União Europeia não avançar com o aumento de recursos próprios para financiar a sua despesa, a alternativa são cortes orçamentais futuros ou uma sobrecarga nos impostos dos cidadãos.

Mas são impostos europeus? Para o eurodeputado não são. «Não há impostos europeus, isso é uma falácia. Há impostos que podem ser à escala europeia. Os mesmos demagogos e populistas que abanam com impostos europeus, o que estão a colocar aos cidadão europeus é [a hipótese] de pagarem mais)». Então, o que está em causa? Há vários planos e uma certeza: a Comissão Europeia precisa de garantias para se poder endividar. 

José Manuel Fernandes explica as balizas no Parlamento Europeu, não  se aceitando  que a coleta nos direitos aduaneiros (acordada no Conselho Europeu) passe para  25 por cento retidos pelos estados-membros. Para o eurodeputado o valor deve ser  apenas 10 por cento, libertando 90 por cento dessa verba para as contas europeias. Além disso, é preciso «acabar com as compensações»  a alguns países.

Depois, mais à frente, no quadro de uma reforma dos recursos próprios, está em cima da mesa um mecanismo de ajustamento para o mercado de carbono nas fronteiras, uma taxa sobre transações financeiras, uma taxa sobre o digital, porque as empresas deste setor «que não pagam, devem pagar», avisa o eurodeputado do PSD. 

Já a eurodeputada do PS Margarida Marques, com experiência de 21 anos na Comissão Europeia, e que integra a equipa de negociação do PE, tanto para o Quadro Financeiro Plurianual como para a reforma dos recursos próprios com o Conselho Europeu, lembra ao SOL que o debate sobre recursos próprios é antigo, mas «tornou-se mais importante, porque a proposta da Comissão Europeia de um fundo de  recuperação, (…) tem um pilar importante que tem a ver nos recursos próprios». Para a eurodeputada, é mesmo «decisiva» e inovadora». E explica porquê? «Se os países aprovarem os recursos próprios e conseguirem satisfazer aquilo que foram buscar ao fundo de recuperação, quando em 2028 ( até 2058) tiverem de fazer o repagamento, têm um montante muito mais reduzido».

Na prática, para Margarida Marques, a « Comissão Europeia fez uma chantagem positiva porque obriga os Estados-membros a aprovarem a criação de novos recursos próprios». A parlamentar também reconhece que as « receitas, a criação de novos recursos próprios têm de passar pelos Parlamentos nacionais, de acordo com as constituições e regras de cada país. Evidentemente, quando a situação é esta, há sempre um risco de haver uma dificuldade em alguns estados-membros».  Em suma, para a deputada, «os recursos próprios têm que ter uma maior peso. Isso não significa reduzir a participação dos Estados-membros em matéria de percentagem do rendimento nacional bruto, significa aumentar a capacidade de financiamento da União Europeia e a sua ambição». E deixa o aviso:«O fundo de recuperação vai durar três anos. Mas o orçamento plurianual da UE é para sete anos. Vamos ter de discutir mais quatro anos. Nós exigimos que haja uma revisão a meio do percurso, onde uma das questões vai ter de ser a das fontes de financiamento da União Europeia».

Por seu turno, o grupo parlamentar do PCP disse ao SOL que «o orçamento da UE deve ser constituído fundamentalmente a partir de contribuições nacionais, que tenham em conta o RNB de cada país, garantindo que quem mais beneficia da integração (do mercado único e da moeda única) contribui proporcionalmente mais para o orçamento» e que os chamados novos recursos próprios apenas «beneficiariam aqueles países que já são os maiores beneficiários da integração, que veriam assim reduzidas as contribuições que deveriam fazer (e não fazem) para o orçamento da UE».

Por sua vez, o eurodeputado do CDS Nuno Melo, lembra que tem votado contra a« consagração de recursos próprios, e ao mesmo tempo o fim da regra da unanimidade, que é residual». E conclui: «Não estou disposto a transformar Portugal numa espécie de província da União Europeia». Para o eurodeputado, está-se a caminhar de forma discreta para aquilo que a Holanda e França chumbaram em 2005, em referendo, pondo fim, na altura, a uma Constituição Europeia.

De realçar que o antigo ministro adjunto do Governo de Passos Coelho, Miguel Poiares Maduro, lembrou ao SOL que «a decisão sobre os recursos próprios é uma das poucas que exige ratificação dos Parlamentos» e reconheceu que há um risco adicional de não passar nalgum parlamento sem maioria pró-europeia. «Se isto acontecer há uma crise constitucional na união europeia», admitiu ao SOL.