Parece que a aldeia espera a morte de braços abertos. As ruas desertas já não testemunham as primeiras vertigens dos namorados, os dias passam sem a algazarra das crianças e os mais velhos, que são a maioria da população, protegem-se em casa do sol de agosto que morde como um cão enraivecido.
Sentado na pequena esplanada do café Central, Paulo Ramos, 49 anos, comerciante, beberica a Sagres gelada enquanto enrola um cigarro. É dos poucos da sua geração que ali se fixaram e para ele a terra onde cresceu é a mais bonita do mundo. Com os olhos semicerrados a proteger-se dos raios de luz fria, lança âncora ao passado – o único caminho de vida que parece unir a pequena povoação. De braços cruzados sobre a mesa, sinal de que não vai a lado nenhum tão cedo, usa a memória como um cicerone. Desde a infância, esse imaginativo período da vida de um homem, que as histórias lhe fazem falta: «Foram as histórias contadas pelos meus antepassados que me prenderam a esta aldeia. Fugir delas era como atirar para o lixo a parte melhor da minha vida».
Fala da aldeia com a mesma intimidade de quem faz a sua crónica familiar, até porque uma e outra se cruzam. Sem dúvida que o grande acontecimento que marcou a terra foi, para o bem ou para o mal, a construção da barragem de Santa Clara, na sequência do Plano de Rega do Alentejo lançado em pleno salazarismo. Os seus progenitores haviam de se cruzar no reboliço que por ali se instalou. Do lado materno, com casario e hortas férteis arrumadinhas ao rio Mira, onde é hoje a albufeira, a sua família tinha ali as raízes e foi uma das muitas a serem expropriadas. Abandonaram as terras com meia dúzia de patacos nos bolsos e bico fechado, que naqueles tempos não dava para regateios. Paulo Ramos tende a aceitar as mudanças sem grandes penalizações históricas: «Ninguém pôs o Estado em tribunal, nem se lembrariam de tal coisa. As pessoas receberam uma quantia simbólica e foram à sua vida. Umas foram para pior, outras para melhor».
À debandada resistiu o seu avô materno, homem de vistas largas. Com a construção, aqueles serros encheram-se de operários que dormiam em casernas, o que atraiu o comércio. E Mário Jerónimo somou um mais um: «Sempre tinha vivido fechado no monte, dedicava-se à agricultura, mas aventurou-se. Passou a ir ao Algarve comprar fazenda a metro e andava numa mula a vendê-la de monte em monte. Foi dele que herdei o espírito do negócio».
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