A ex-eurodeputada do PS Ana Gomes entrou na corrida para as presidenciais de 2021 com um lema: não se deserta no combate democrático. O PS ouviu, mas a estratégia é a de não alimentar o debate: as presidenciais «não são candidaturas patrocinadas pelos partidos políticos» sintetizou ontem o secretário-geral adjunto socialista, José Luís Carneiro, remetendo para uma «hora própria» uma posição do partido. O dirigente não especificou qual seria a hora própria, mas no PS o tema divide opiniões e impõe cautelas. Motivo? O discurso de Ana Gomes. Que deixou um desafio para um debate interno entre socialistas sobre as presidenciais.
Mais, no seu discurso para a apresentação de candidatura, Ana Gomes não poderia ser mais clara no que a motivou a avançar: «Não compreendo nem aceito a desvalorização de um ato tão significante como a eleição para a Presidência da República, trata-se do mais alto cargo do sistema semipresidencialista». O recado era para o PS, partido de quem esperou meses e meses para ver um candidato com apoio oficial. Esse candidato não apareceu e a pergunta impunha-se: «Como pode o socialismo democrático não participar nesta eleição?».
A ex-eurodeputada recebeu muitas mensagens de apoio, incluindo do PS (e alguns dirigentes do seu partido), mas recusou-se a detalhá-los. E, de facto, no Governo o discurso esteve alinhado durante toda a semana: não se fala de presidenciais quando se está em funções governativas. No PS figuras como Vera Jardim, antigo ministro e destacado militante do partido, preferem não se pronunciar para já. O ex-ministro da Justiça é um dos nomes que poderá apoiar a ex-eurodeputada.
O antigo ministro João Cravinho disse ao SOL que «já tomou a decisão» sobre quem vai apoiar, mas também não o revela para já. Por seu turno, Manuel Alegre, histórico do PS e poeta, começou por avisar que a estratégia socialista não está correta. «Isto é uma desvalorização da natureza do regime semipresidencialista de que o PS é um dos fundadores», afirmou, citado pelo Público. O antigo deputado e candidato presidencial não revelou, para já, em quem pretende votar ou se vai dar apoio público a Ana Gomes. Mas ficou o reparo. E, agora, remete-se ao silêncio depois dos avisos ao seu partido de sempre. Em maio, Alegre já tinha criticado o facto de o PS não ter candidato, sobretudo, depois do líder socialista ter desafiado Marcelo a voltar à Autoeuropa no próximo ano, após a sua reeleição. Esta declaração provocou ondas de choque entre socialistas.
João Soares, por seu turno, recordou esta semana na rede social Facebook a sua condição de «laico, republicano e socialista», uma referência ao fundador do partido Mário Soares ( seu pai) e foi confrontado por uma internauta sobre o apoio a Marcelo Rebelo de Sousa, numa eventual recandidatura. O ex-ministro e deputado do PS escreveu de forma pronta: «Eu tenho dito penso que com clareza que desejo ver Marcelo reeleito. Faço uma avaliação muito positiva do seu mandato. O que não quer dizer, como também tenho dito nomeadamente na RTP, que vote nele. Até porque a reeleição de Marcelo não está em risco».
Apesar de Marcelo contar com apoios de peso no PS, como o de Ferro Rodrigues, presidente do Parlamento, não é líquido que os socialistas que elogiaram Marcelo no passado, votem no atual Chefe de Estado.
No PS, o dirigente da Federação distrital do Porto Artur Penedos, afirmou, por sua vez, ao SOL que «com o surgimento da candidatura da Dra. Ana Gomes o meu voto já não será nulo». O dirigente local socialista destacou a importância de uma candidatura como a de Ana Gomes contra extremismos.
Já o membro da comissão política do PS José Abraão, diz ao SOL que espera «sinceramente que o PS dê liberdade de voto» nas presidenciais, porque são «candidaturas pessoais.
Também da comissão política do PS, Daniel Adrião, um dos apoiantes do PS desde a primeira hora ( a par de Francisco Assis) de Ana Gomes, acredita que a candidatura de ex-eurodeputada representa um «tsunami democrático». «A candidatura de Ana Gomes está a provocar um sobressalto cívico no PS. Há uma enorme onda de apoios das bases do PS. É um fenómeno ‘bottom-up’. Estamos a começar a assistir à formação de um “tsunami” democrático», declarou ao SOL Daniel Adrião, membro da comissão política do PS.
À Rádio Observador, o deputado do PS Sérgio Sousa Pinto reconheceu que «num mundo ideal haveria candidato forte do PS» às presidenciais.
Na apresentação de candidatura, Ana Gomes lembrou que «durante meses e meses» esperou que o seu partido apresentasse o seu candidato. Agora, na hora de avançar, a antiga embaixadora explicou que não se candidata contra ninguém, mas pelos portugueses. «Candidato-me porque acredito que Portugal precisa de uma Presidência diferente, sem medo de ir contra os interesses instalados», declarou, assumindo-se como representante do espaço do socialismo democrático e progressivo.
A candidata não mencionou André Ventura, que a chamou de «candidata cigana», mas lembrou as «forças antidemocráticas oportunistas». Para a adversária Marisa Matias, deixou uma palavra, a da amizade, e a de um combate democrático que será feito com elevação. Quanto a Marcelo Rebelo de Sousa ficou patente que até fez um balanço positivo do seu mandato pela forma como esvaziou a crispação política em 2016. E as bandeiras da campanha ficaram definidas: democracia, liberdade, críticas à lentidão «só serve a injustiça», combate à corrupção e ataque à «letargia da abstenção», sem esquecer os milhares de portugueses desiludidos com o sistema numa altura crucial com várias crises em cima da mesa: a pandémica da covid-19, a social e a económica. Porque o que está em causa nas presidenciais é muito mais do que a unidade da esquerda: é «unidade do país».
A candidata contra o medo
Também esta semana Marisa Matias, eurodeputada do BE apresentou-se na corrida. Surgiu sozinha no Largo do Carmo, de cravo na mão. Até se assumiu como «laica, republicana e socialista», uma referência cara aos socialistas (e que não caiu bem no PS). Para memória futura fica o discurso e o lema de campanha: «Sou a candidata para fazer a campanha contra o medo», assumiu. E a palavra «medo» andou sempre na sua intervenção. «É a segunda vez que me candidato a Presidente da República e farei toda a campanha assim, a ouvir, a dar voz à gente sem medo, a apoiar a coragem de quem cuida dos outros. Portugal precisa de saber quem são e de ouvir quem faz a vitória sobre o medo». Ao contrário de Ana Gomes, a eurodeputada do Bloco de Esquerda elegeu Marcelo Rebelo de Sousa como o seu adversário, num registo frente a frente. E prometeu que será uma presidente diferente, pela defesa de uma banca pública de confiança, e contra o mais do mesmo que o atual Presidente da República representa. Mais, não terá os votos dos «mandatários das grandes fortunas». O evento não teve nenhum dirigente do Bloco de Esquerda presente, porque as presidenciais são candidaturas unipessoais. Marisa Matias optou por chamar cerca de vinte pessoas, exemplos de quem está na linha da frente do combate à pandemia da covid-19, nos serviços essenciais. O apoio oficial do Bloco de Esquerda surgiria 48 horas depois. «Vão-me permitir – bem sei que não é o tema desta sessão -, mas porque acho que todos pensamos isso e estamos aqui juntos: que bela notícia a Marisa Matias ter decidido ser candidata à Presidência da República», declarou Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda numa sessão do partido, em Lisboa, na passada quinta-feira. A campanha vai para a estrada, em plena pandemia da covid-19, e com uma certeza: Marisa Matias poderá dividir espaço com Ana Gomes nos votos e não será fácil igualar o resultado de 2016, com mais de 10 por cento dos votos (o melhor do BE em presidenciais).
Estágio para o futuro?
Este sábado, o comité central do PCP aprova e anuncia o candidato – ou a candidata – presidencial do partido. Tal como o faz desde 1976. O facto de o partido ter congresso em novembro também pode sinalizar que a figura escolhida tenha outra tarefa em mãos no futuro: a liderança do partido. Na Festa do Avante!, o secretário-geral do PCP não se afastou por completo da liderança ( o discurso não soou a despedida), mas não é claro se voltará a ser indicado para o lugar.
Em todo o caso, o PCP tem apostado em figuras para as presidenciais que se destacam mais à frente noutros combates políticos. Um dos nomes a reter é o de João Oliveira, presidente do grupo parlamentar dos comunistas.
Esta semana, Jerónimo de Sousa foi ainda confrontado pelos jornalistas se voltaria a ser candidato presidencial. E o líder comunista declarou: «Eu candidato? Costuma-se dizer que não há duas sem três, mas já participei nessas batalhas». Mas o líder comunista avisou que não há pressas no PCP e que «outro candidato, outra candidata» será anunciada hoje.
De realçar que o ex-líder da CGTP Arménio Carlos foi questionado na Festa do Avante sobre se estaria disponível para uma corrida presidencial. Na altura disse que não e lembrou ao SOL que quando saiu da liderança CGTP esclareceu que « não voltaria» a ter responsabilidades políticas acrescidas.